
Parecendo ser mesmo o “The Eternal Specialist in failure”, o Tottenham atravessa novamente uma crise de resultados e também relacionada à sua identidade. Apesar de o termo ter sido dito pelo outrora treinador de um rival (José Mourinho, Chelsea) e ter sido associado ao outrora treinador do maior rival (Arsène Wenger, Arsenal), parece que está mais bem empregue a muitos episódios recorrentes da vida dos spurs.
Atualmente, já afastado das competições internas a eliminar (caiu na quarta ronda da FA CUP e com “estrondo” em Anfield para a Taça da Liga), ocupando um dececionante 12.º posto na Premier League e apenas com uma réstia de esperança na UEFA Europa League, os the lilywhites vivem mais um período negativo na sua história recente. Desde a disputa da final da Champions de Madrid, frente ao Liverpool em 2019, que o Tottenham anda longe dos tempos de prosperidade e estabilidade em termos de estrutura e resultados, no sentido de “um dia lá chegar” aos objetivos finais.
À vista do mundo do futebol, a grande carência dos spurs são os títulos. Teremos de recuar até à época 2007/2008. Já no novo Wembley, uma equipa onde brilhavam Robbie Keane, Dimitar Berbatov ou Aaron Lennon levou a melhor (2-1 a.p.) sobre um Chelsea que apesar de estar na ressaca da saída de José Mourinho, viria a ser vice-campeão inglês e europeu (sendo destronado pelo Man. United de CR7). No entanto, esta além de ter sido a única alegria da época (11.º lugar na Premier League, quarta ronda na FA Cup e queda nos oitavos de final da então Taça UEFA), seria última conquista no palmarés. Uma seca que dura até aos dias de hoje.

Olhando para a outra taça interna e procurando a última vez que o Tottenham a teve na sua posse, recuemos 17 anos até à época 1990/91. Num plantel onde os nomes mais preponderantes eram Paul Gascoigne, Gary Lineker, Paul Allen ou Paul Stewart, foi no “seu” White Hart Lane que conquistou a taça de Inglaterra frente ao Notthingham Forest (2-1 a.p.). Nunca mais a partir daí, venceria outra edição da prova “rainha” do futebol inglês.
Se quisermos de competições europeias, apesar de terem realizado alguns percursos interessantes, os the lilywhites levantaram a taça (UEFA) pela última vez em 1983/84. Sete anos antes da última FA Cup e num coletivo onde sobressaíam Steve Archibald, Mark Falco ou Graham Roberts, ficou para a história um triunfo por penaltis (4-3) frente ao Anderlecht, que um ano anos tinha desfeito as ambições do Benfica de Erickson. O triunfo através dos pontapés de marca dos 11 metros acontecera após dois empates a uma bola entre os britânicos e os belgas, novamente no “velhinho” White Hart Lane. Desde então, só o apuramento para a final Champions League em 2018/19 foi quase ou tão prestigiante.
Restando apenas recordar quando vencera a liga inglesa, aí o jejum é muito mais longínquo e temos de recuar a 1960/61. Num período em que era das melhores equipas em solo de “Sua Majestade”, estes spurs contavam com os desempenhos fabulosos de Bobby Smith, Les Allen, Cliff Jones ou John White. Um campeonato de outros tempos em que os rivais mais próximos na tabela foram o Sheffield Wed e o Wolverhampton, o conjunto de Bill Nicholson além de os ter deixado a oito e nove pontos (vitórias valiam dois pontos ainda), respetivamente, marcou 115 golos na edição. Um plantel histórico que no ano seguinte, ao qual se juntou o grande avançado Jimmy Greaves (vindo do AC Milan), além de ter vencido a taça e a supertaça, ainda chegou às meias-finais da Taça dos Campeões Europeus. Um percurso absolutamente notável de um conjunto que só foi batido por um onze e…que seria campeão europeu: Costa Pereira, Mário João, Ângelo, Germano, Cruz, Mário Coluna, Cavém, José Augusto, Simões, José Águas e (o Rei) Eusébio.

Olhando para os últimos 20 anos dos spurs, apesar de o desempenho não ser de todo, dececionante, visto que pertence a uma (ou provavelmente a mais) das ligas mais competitivas da europa, acaba por deixar um pouco a desejar. Obviamente que um clube que durante este período, teve de competir contra conjuntos como o Chelsea de Mourinho, o United de Ferguson, o Arsenal de Wenger, o City de Guardiola ou o Liverpool de Klopp, claramente o espaço para conquistar troféus é reduzidíssimo. Ainda para mais, os exemplos referidos (podia-se dar mais, porque existiram muitos mais) mesmo quando não ganharam, vendiam muito cara a derrota e tinham conjuntos sempre com muita qualidade. No entanto, olhando para as estatísticas e realidades que o Tottenham obteve e viveu, fica a ideia de que mais e melhor podia ter sido feito.
Entre 2004/05 e 2023/24, a posição mais vezes alcançada no final da Premier pelos the lilywhites foi o quinto lugar, por seis ocasiões (2005/06, 2006/07, 2010/11, 2012/13, 2014/15 e 2023/24) e que deva acesso a competições europeias no ano seguinte. Digamos que o mínimo exigido para um clube dos seus pergaminhos e para realidade que habita. Apesar de por mais vezes (sete), ter ficado abaixo do mesmo quinto lugar e ter sido uma deceção profunda para os adeptos. Foi sexto por duas vezes (2013/14, 2019/20), sétimo por uma vez (2020/21), oitavo por três ocasiões (2004/05, 2008/09, 2022/23) e ainda 11º por uma ocasião (2007/08).
No entanto, a equipa do norte de Londres provou mais que uma vez que podia estar entre as decisões e candidatava a vencer. No mesmo período, chegou ao quarto lugar por quatro vezes (2009/10, 2011/12, 2018/19 e 2021/22) e que lhe dava acesso ao pódio do futebol inglês e a estar entre os melhores da Europa no ano que se seguia. É inesquecível que se sublinhe o período “dourado” na vida do clube, quando em três épocas seguidas alcançou o top 3 do campeonato inglês e lutou pelo título em duas das mesmas, até bem perto do final. Tendo sido segundo em 2016/17 (tendo o seu recorde histórico de 86 pontos), só superado pelo Chelsea campeão de António Conte e terceiro em 2015/16, em que lutou até perto do fim com o milagroso Leicester de Claudio Ranieri (e ainda foi ultrapassado no fim pelo rival Arsenal) e em 2017/18, só superado pelos rivais City e United (Guardiola vs Mourinho) que discutiram o título entre si.
Uma realidade que também se verificou nas restantes competições em que esteve presente. Na taça da liga inglesa, o Tottenham além de a ter vencido em 2007/08, disputou outras três finais da competição durante este período (2008/09, 2014/15 e 2020/21), além de se ter ficado pelas meias-finais outras quatro ocasiões (2006/07, 2018/19, 2021/22 e 2024/25). Esta último feito também se verificou na taça de Inglaterra. Embora nunca tenha chegado à final de Wembley durante os últimos 20 anos, os spurs chegaram à meia-final da FA Cup também por quatro vezes (2009/10, 2011/12, 2016/17 e 2017/18).
Já nas competições europeias, embora o currículo desde 2005 até hoje seja mais modesto, não deixa de ser relevante para se sublinhar. Além da já mencionada final da Champions League 2018/19 de Madrid, perdida para o Liverpool de Klopp, os the lilywhites alcançaram os quartos de final por três ocasiões (Taça UEFA 2006/07, Champions League 2010/11 e Europa League 2012/13). Como se vê, quer interna quer externamente, não faltaram ocasiões para os spurs vencerem e darem continuidade a um trabalho bem feito.
É sabido que ao mais alto nível, o ambiente em todos os clubes de futebol, mesmo os que vencem mais vezes, nem sempre é de prosperidade. No entanto, o caso do Tottenham não é paradigmático e já tem provas suficientes, infelizmente, para ser considerado um case study. Basta olhar para os dois principais atores que compõem o espetáculo e são alvo de análise: jogadores e treinador.

Olhando para os períodos mais produtivos dos últimos vinte anos do Tottenham, verifica-se um leque de jogadores pouco ou mesmo nada inferiores à concorrência. Entre 2004/05 e 2013/14 representaram os spurs com alto rendimento: Jermain Defoe, Robbie Keane, Kanouté, Ledley King, Mido, Paul Robinson, Michael Carrick, Berbatov, Michael Dawson, Aaron Lennon, Steed Malbranque, Darren Bent, Pavlyuchenko, Gomes, Luka Modric, Peter Crouch, Tom Huddlestone, Wilson Palacios, Van der Vaart, Gareth Bale, Adebayor, Kyle Walker, Sigurdsson, Clint Dempsey, Soldado e Paulinho.
Durante a era mais produtiva dos the lilywhites, com Mauricio Pochettino no comando (entre 2014 e 2019), brilharam na equipa: Harry Kane, Eriksen, Chadli, Vertonghen, Lamela, Dele Alli, Eric Dier, Son, Alderweireld, Hugo Lloris e Lucas Moura.
Desde 2020 para cá, entre o consolado de José Mourinho até ao de Ange Postecoglou, entre alguns já mencionados, deram nas vistas também: Bentancur, Hojbjerg, Richarlison, Vicario, Dejan Kulusevski, Brennan Johnson, Dominic Solanke e James Maddison. Verifica-se claramente que nunca houve um problema de qualidade na matéria-prima para as equipas técnicas incluírem nos seus planos.
Em termos de treinadores, apesar de em 20 anos ter existido nove chicotadas psicológicas no White Hart Lane e no New Tottenham Hotspur Football Stadium, ainda assim o saldo não foi negativo nem tão pouco a qualidade. Entre 2004/05 e 2024/25, treinaram o Tottenham: Martin Jol, Jacques Santini, Clive Allen, Juande Ramos, Harry Redknapp, André Villas-Boas, Tim Sherwood, Mauricio Pochettino, José Mourinho, Ryan Mason, Nuno Espírito Santo, António Conte, Cristian Stellini e Ange Postecoglou. Sendo, portanto, 14 treinadores em 20 anos. Muitos com carreira feita no campeonato inglês ao serviço também de outros clubes, outros com currículo por essa Europa fora e ao todo muitos títulos conquistados. Experiência e qualidade não faltaram no banco dos the lilywhites.
O mesmo poderá não dizer-se da liderança máxima do clube. Desde o princípio do milénio que à frente do Tottenham está Daniel Levy, um empresário ligado a setor de investimento, comercial e também desportivo. Ao fim de um quarto de século à frente dos spurs, acaba por não se perceber as contradições que revelou nas declarações de setembro de 2023. Recuando a novembro de 2019, em que se vivia um período de desgaste com Mauricio Pochettino, após cinco temporadas e meia com o argentino, os maus resultados ditaram a mudança de ciclo de forma natural. A escolha seguinte recaiu em José Mourinho, alguém com tudo já ganho na carreira e com uma experiência que poderia enriquecer o clube. Embora seja verdade que os últimos três meses não tenham sido bons em termos de resultados (nove derrotas em 20 jogos), a verdade é que chegou a estar em primeiro lugar e estava qualificado para uma final, à qual Levy decidiu despedi-lo a menos de uma semana de entrar em campo frente ao Man. City e a perder (0-1).
Após uma passagem fracassada do compatriota Nuno Espírito Santo pelo clube no princípio de 2021/22, veio Antonio Conte. Alguém que também tinha sido campeão por quase todos os sítios por onde passou (Juve, Chelsea e Inter) e poderia trazer a mesma experiência para o emblema do norte de Londres. O início não foi famoso, pois ficou para história a embaraçosa derrota administrativa frente ao Rennes (0-3), no último desafio da fase de grupos da UEFA Conference League e que impossibilitaria o Tottenham de chegar a um troféu europeu (quase trinta anos depois do último). Apesar disso, a verdade é que subiu de rendimento e além de ter chegado às meias-finais da Carabao Cup, o italiano ainda levou o clube a quarto lugar e apuramento para a Champions. Na seguinte época de 2022/23, embora se esperasse que o voo subisse mais alto, a verdade é que não e o verniz estalou em março de 2023, quando após um empate a três com o Southampton, Conte se irritou e falou de “uma equipa em que todos são egoístas”. Seria o último jogo do italiano à frente da equipa.

Vendo em retrospetiva a carreira dos dois técnicos, Mourinho e Conte só não venceram troféus no Tottenham. Um fenómeno que realmente dá que pensar. Daniel Levy olha para este facto e lembra-se de dizer em setembro de 2023: “Eles (Mourinho e Conte) são grandes treinadores, mas talvez não para este clube. Para o que queremos, queremos jogar de uma certa maneira e se isso significa que vai demorar um pouco mais para vencer, talvez seja a coisa certa para nós”. Além de ter ignorado que se passava no fim do tempo de Pochettino, em que o desgaste era evidente: “Vivi um período, com Pochettino, em que quase vencemos. Passámos tempos muito, muito bons. Não chegámos lá, mas estivemos muito perto e depois mudámos a estratégia. A estratégia passou por ter treinadores que conquistaram títulos e fizemos isso por duas vezes. É preciso aprender com os erros”.
Fazendo lembrar, aquele episódio de um soldado que marcha sozinho para um lado enquanto todos os outros colegas marcham para o outro, a mãe do soldado diz: “Todos marcham mal, só o meu filho é que marcha bem”. Daniel Levy dando a entender que além do erro de ter abdicado de um tipo de projeto com Mauricio Pochettino, em que repito, o desgaste já era evidente (tanto assim foi que a mudança foi a opção), o outro doi ter optado por técnicos vencedores, aos quais nada foi oferecido além de menos de duas épocas de trabalho, está tudo conversado. Enquanto a liderança dos spurs pensar desta forma, infelizmente o clube continuará a ser o “The Eternal Specialist in failure”.