Talvez tudo o que de bom se viu na primeira parte de Portugal na Croácia seja, no futuro, apenas uma experiência inconsequente, um teste sem impacto no que aí vem, como aquele projeto que se inicia mas nunca sai da primeira página do esboço. Talvez tudo o que de mau se viu no segundo tempo de Portugal na Croácia seja apenas resultado de um conjunto remodelado, um puzzle feito com quem estava disponível, mais produto das circunstâncias do que da convicção.

Mas, se espreitarmos pelo buraquinho da fechadura deste desafio, houve, durante alguns minutos, pedaços de um futebol diferente do habitual na equipa portuguesa. Seria sempre assim, tal a dimensão das mexidas realizadas. No entanto, aquelas trocas de bola, a mobilidade, o jogar fluido entre Félix e Leão, tudo dirigido por Vitinha, demonstraram — se é que eram precisos provas — que, neste plantel, há talento para quase tudo.

Portugal entrou em campo com o primeiro lugar garantido. Passou por minutos de magia, por minutos de indiferença, acabou com minutos de sofrimento. O 1-1 final será uma mera alínea no livro de histórias da seleção nacional, não sendo uma ocasião histórica porque Roberto Martínez, ao não lançar Quenda — seria o mais novo de sempre a jogar por Portugal —, não quis dar circunstância à ocasição.

Num calendário brutalmente sobrecarregado, numa temporada cheia de futebol, em que há futebol em cima de futebol, este jogo, sem nada em disputa, surgia como uma aborrecida rotina para a seleção nacional. Para Portugal, esta ida à Croácia foi como passar pelo controlo de segurança de um aeroporto: rotineiro, chato, moroso, mas incontornável, uma obrigação no calendário, uma necessidade que obriga a sair de casa mais cedo ou voltar para os clubes mais tarde, ainda que, enfim, nada estivesse em disputa.

Se a situação pontual evidenciava que, para a equipa de Roberto Martínez, nada estava em causa na noite de Split, o onze, montando uma equipa de circunstância, lembrava que, enfim, nada estava em disputa. Às muitas baixas por lesão — Ruben Dias, Palhinha, Ruben Neves, Jota, Gonçalo Ramos — juntou-se o impedimento de Bruno Fernandes, por castigo, e as ausências de Bernardo, Ronaldo e Pedro Neto porque, enfim, nada estava em disputa.

João Félix começou rapidamente a mostrar que vinha à procura do protagonismo. Flutuando entre o meio-campo e o ataque, foi acumulando receções precisas, túneis que desbravavam caminhos, tabelas que aclaravam o panorama. Logo aos 8’, após combinação com Otávio, o jogador do Chelsea criou a primeira situação de perigo, pouco antes de Rafael Leão, driblador feroz com espaço, forçar Livakovic a evitar o golo português.

Pixsell/MB Media

Com Renato Veiga, o estreante Tomás Araújo e Nuno Mendes atrás, a circulação coletiva era dirigida pelas antenas na cabeça de Vitinha. Na frente, Leão e Félix combinavam leves e soltos, como quando, aos 30', abriram caminho para um remate de Nelson Semedo às malhas laterais.

O pináculo dos melhores minutos de Portugal surgiu aos 33'. Foi ali que, com mais clareza, se viu o que poderia ser o tal futuro diferente da seleção, assente no talento dos que ontem eram jovens promessas, mas que já são confirmações, dos que, com a implacável passagem do tempo, já vão chegar ao próximo Mundial mais próximos dos 30 do que dos 20.

Numa primeira parte de mobilidade e trocas de posição, o merecido 1-0 chegou aos 33'. Vitinha, que domina o jogo curto sem deixar de olhar para o horizonte, viu a desmarcação de João Félix, colocando a bola nos pés do atacante do Chelsea. Félix recebeu-a com carinho e disparou de pé esquerdo, num golo de alta nota artística.

Depois do 1-0, a Croácia, finalmente, chegou ao encontro. Logo depois do golo, Matanovic, em excelente posição, permitiu a defesa de José Sá, antes de Gvardiol assistir Kramaric, com o versátil atacante a atirar ao poste.

Ainda assim, o primeiro tempo acabou com a dupla de maior destaque em evidência: Félix, após bom passe vertical de Araújo, atirou para defesa de Livakovic, isolando, em cima do descanso, Leão, que falhou o 2-0. Acabava, assim, o vislumbre do futuro diferente, a nesga de realidade alternativa que se abriu. Em 2025, o mais provável é o mundo voltar às suas formas habituais.

Na estreia, Tomás Araújo saiu lesionado
Na estreia, Tomás Araújo saiu lesionado Srdjan Stevanovic - UEFA

A noite indiferente na Croácia teria um aspeto bem diferente no segundo tempo. Após o descanso, as bases pouco sólidas de uma equipa de circunstância foram bem visíveis. Perdeu-se continuidade, fio de jogo, qualidade.

Tomás Araújo, lesionado num choque com José Sá, foi substituído, dando lugar a outro estreante, Tiago Djaló. Fábio Silva ainda seria o terceiro debutante da noite, não havendo lugar para Quenda, por muito que tenha ficado uma substituição por fazer.

Aos 62', Gvardiol deu um primeiro aviso, com um golo anulado. Passados três minutos, o todo-campista do City fez mesmo o 1-1, num lance em que a passividade defensiva de João Cancelo deixou Jakic cruzar dentro da área.

Na parte final da partida, o sofrimento defensivo de Portugal aumentou. Sempre com Cancelo em destaque a nível da passividade defensiva, os croatas foram gerando situações de golo. Sucic disparou para defesa atenta de José Sá, Budimir acertou no poste. Francisco Conceição, saído do banco, serviu Nuno Mendes para a derradeira ocasião de golo dos visitantes, mas Livakovic defendeu.

No derradeiro jogo da era Fernando Gomes, Portugal entrou na Croácia sem muito que ganhar ou perder. Saiu de lá empatado, num desafio de vislumbres, de possibilidades, de nuances, de nesgas, de sugestões de caminhos alternativos. Veremos se Roberto Martínez abraçará algum deles ou se, quando as noites não forem indiferentes, o mundo voltará à ordem habitual.