No dia 10 de abril, foi entregue na Assembleia da República o Programa do XXIV Governo Constitucional, elaborado pela Aliança Democrática (“AD”), coligação vencedora das últimas eleições legislativas. O Programa do Governo contém as principais orientações políticas do Executivo, bem como as medidas a adotar ou a propor nos diversos domínios da atividade governamental. Pese embora o programa ora apresentado consolide as traves mestras do programa eleitoral da AD, foram, contudo, consideradas cerca de 60 medidas propostas por outros partidos políticos.
Pedro Fugas, tax partner e country tax leader do Portuguese Cluster (Portugal, Angola & Mozambique) da EY, explica como o governo de Luís Montenegro quer mudar os principais impostos, bem como ao nível das contribuições para a Segurança Social e na tributação do património.
Veja aqui todas as medidas no Programa do Governo
Imposto sobre as Pessoas Coletivas (IRC)
No âmbito do IRC, o Programa de Governo apresenta três medidas de cariz estrutural e que prometem introduzir alterações substanciais à tributação atual das Empresas, a saber:
- Redução gradual da taxa nominal de IRC (ainda que não sendo totalmente claro na apresentação desta medida, entendemos que se trata da taxa “normal” de IRC, atualmente fixada em 21%), durante um período de três anos, em dois pontos percentuais por ano. Apesar de a medida apresentada não referir isso de forma taxativa, tal redução visará aproximar a taxa nominal de IRC ao limiar mínimo de tributação (i.e. taxa efetiva de 15% de impostos sobre os lucros), previsto no Pilar 2 - Ação BEPS 2.0, aprovado no âmbito da OCDE e já refletido numa Diretiva da União Europeia, que ainda não foi, contudo, transposta por Portugal;
- Reduzir a tributação autónoma em 20% no que respeita às despesas sobre viaturas das empresas;
- Promover, de forma gradual, a eliminação da progressividade existente ao nível da derrama estadual e da derrama municipal, assegurando, no caso desta última, uma adequada compensação através do Orçamento do Estado em resultado da perda da receita que afetará os municípios.
Merecem ainda particular destaque, ao nível fiscal, as seguintes propostas, que carecem ainda nesta fase de mais detalhe ao nível da respetiva concretização:
- Estudar a adoção de um programa específico (com medidas fiscais e não fiscais) que vise a captação de grandes projetos industriais e aproveitamento do movimento global de reorganização das cadeias de valor e nearshoring;
- Ao nível do reforço de medidas que visam incentivar a capitalização das empresas, propõe o governo reforçar de forma continuada os mecanismos de tratamento fiscal diferenciado do reforço de capitais próprios em relação ao financiamento por capitais alheios, que atualmente se encontram vertidos no Incentivo à Capitalização das Empresas (ICE).
- Ao nível de medidas de caráter social, o governo propõe ainda a criação de benefícios fiscais para empresas que criem programas de apoio à maternidade e paternidade, tais como creches no local de trabalho para filhos de colaboradores, que contratem grávidas, mães/pais com filhos até 3 anos de idade, horários flexíveis e outros benefícios que facilitem a vida familiar dos funcionários, contribuindo para mudar a cultura de “penalização” de progenitores pelos empregadores.
Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS)
O alívio fiscal concertado agora proposto, que vinha sendo prometido nos últimos meses, tem também materialização em sede de IRS, onde o Programa de Governo distingue entre intenções mais amplas dependentes de concretização posterior e, por outro lado, medidas concretas. A respeito das primeiras, destacam-se as seguintes:
- Melhorar a progressividade e coerência do IRS, sobretudo através da redução dos limiares dos escalões de IRS e da introdução de uma noção sintética de rendimento sujeito a IRS;
- Fomentar a poupança através da criação de contas-poupança isentas de impostos;
- Avaliar a possibilidade de criar uma dedução no IRS de despesas com órgãos de comunicação social e introduzir modelos de incentivo ao consumo de conteúdos de órgãos de comunicação social;
- Criar uma dedução em sede de IRS das despesas de alojamento dos professores que se encontrem deslocados a mais de 70 km da sua área de residência;
Encontram-se igualmente postuladas medidas de caráter concreto, onde o objetivo do Programa do Governo é reduzir a elevada carga fiscal sobre o trabalho (IRS) que, segundo o executivo, reduz o valor líquido dos salários e desincentiva o esforço e melhores desempenhos, bem como a captação de talento (nomeadamente jovem):
- Redução do IRS para os contribuintes até ao 8.º escalão, através da redução de taxas marginais situadas entre os 0,5 e 3 pontos percentuais face a 2023, com enfoque na classe média;
- Adoção do IRS jovem de forma duradoura e estrutural, com uma redução de 2/3 nas taxas de 2023, tendo uma taxa máxima de 15% aplicada a todos os jovens até aos 35 anos, com exceção do último escalão de rendimentos;
- Isenção de contribuição e impostos sobre os prémios de desempenho até ao limite equivalente a um vencimento mensal;
- Obrigação legal de atualização dos escalões e tabelas de retenção na fonte em linha com a inflação e o crescimento da produtividade;
- Duplicar a consignação de IRS das famílias a favor de instituições sociais de 0,5% para 1% de forma a aumentar a liberdade de escolha dos portugueses e a reforçar o financiamento do setor social
Segurança Social (SS)
O Programa de Governo aponta ainda a alterações na ação da SS, sendo desiderato que o sistema providencial permita oferecer uma resposta mais efetiva e capaz às situações economicamente mais frágeis, de onde se destaca a criação de um Suplemento Remunerativo Solidário, atribuindo a cada agregado familiar o valor das prestações sociais atualmente recebidas pelo agregado familiar e um suplemento que garante que o aumento do rendimento do trabalho não conduz a uma perda de rendimento disponível. Em adição, é intenção do governo contribuir para um sistema de SS mais eficiente, transparente e fluído, com a criação de uma conta corrente que permita aos contribuintes manter registo das suas contribuições, o reforço da articulação e partilha de dados com a Autoridade Tributária e o combate à fraude e evasão contributiva. Por último, pretende o governo iniciar os estudos com vista à criação de uma prestação única por tipologia para as prestações não contributivas.
Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”)
Durante a campanha eleitoral foram propostas várias medidas ao nível do IVA, por parte de todo o espetro político partidário. Não obstante, no presente Programa de Governo foram apenas consideradas algumas medidas já previstas no programa eleitoral da AD, deixando de fora, sobretudo, propostas em matéria de IVA com impacto orçamental significativo (como por exemplo, uma eventual alteração na taxa de IVA aplicável a determinados bens energéticos).
Ainda assim, no presente Programa de Governo destacam-se as seguintes alterações em matéria de IVA:
- Aplicação de IVA à taxa mínima de 6% nas obras e serviços de construção e reabilitação e alargamento da dedutibilidade. Neste caso concreto, importará sobretudo perceber em que circunstâncias poderá a taxa reduzida de IVA ser aplicada, a que imóveis em concreto e metodologias de operacionalização formal;
- Ponderar a redução do IVA para a taxa mínima na alimentação para bebés, apoiando as famílias no acesso a alimentação adequada do ponto de vista nutricional às necessidades dos bebés;
- Iniciar esforços junto da Comissão Europeia por forma a ampliar o regime de IVA de Caixa existente dos atuais €500.000 de faturação. Saliente-se, a este respeito, que o regime de IVA de Caixa pretende satisfazer necessidades de tesouraria dos agentes económicos, na medida da entrega do IVA ao Estado no momento do seu recebimento. Naturalmente, existirão condicionalismos ao alargamento do IVA de Caixa, para além da natural incerteza sobre a efetiva adesão dos contribuintes a este regime específico;
- Ainda no que respeita a disponibilidades de tesouraria e caixa por parte dos operadores económicos, propõe-se o governo garantir o pagamento de faturas a 30 dias pelo Estado.
Tributação sobre o Património
No plano das medidas que visam o património, salientam-se as preocupações do governo em matéria de combate à crise da habitação. Nesta vertente, o Programa do Governo salienta as falhas das políticas de habitação levadas a cabo nos últimos anos no objetivo de aumentar e melhorar o acesso a habitação das populações e, em especial dos jovens, definindo como estratégica a mobilização da sociedade para um fundamental estímulo à oferta no mercado de arrendamento e de aquisição e reconhecendo ainda a necessidade de apoio público às situações mais prementes de carência habitacional.
No plano fiscal e com vista à implementação de uma reforma para resolver a crise da habitação, o Programa do Governo conta assim com as seguintes medidas:
- Criação de um regime excecional e temporário de eliminação ou redução de custos tributários em obras de construção ou reabilitação de imóveis destinados a habitação permanente e independentemente da localização em Área de Reabilitação Urbana, que se materializará através da redução substancial ou eliminação de taxas de urbanização, edificação, utilização e ocupação; e conforme já indicado acima, aplicação da taxa reduzida de IVA de 6% nas obras e serviços de construção e reabilitação e alargamento das situações de dedutibilidade do imposto.
- Eliminação do IMT e Imposto do Selo sobre a aquisição de imóveis destinados a habitação própria e permanente por jovens até aos 35 anos;
- Revogação da Contribuição Extraordinária sobre o Alojamento Local, bem como da caducidade das licenças anteriores ao Programa Mais Habitação.