De acordo com a estatística da receita fiscal do INE, m 2023, a carga fiscal aumentou 8,8%, atingindo 95 mil milhões de euros, o que correspondeu a mais de um terço de toda a riqueza produzida no país nesse ano (35,8% do PIB). Mas o peso dos diferentes impostos foi distinto, com o valor recolhido para os cofres do Estado à boleia de impostos diretos (IRS e IRC, que taxam famílias e empresas) a aumentar 10,7% de um ano para o outro. E quanto aos indiretos, como se comportaram quando a inflação não estava já nos níveis recorde que atingira em 2022?

A resposta é simples: subiram todos. Ou seja, o Estado conseguiu ir buscar mais dinheiro aos contribuintes em todo o género de consumos, com a média dos impostos indiretos a elevar-se mais 5,5% em 2023, num total que fica muito próximo de 40 mil milhões de euros.

Só em IVA, que representou quase dois terços das receitas com impostos indiretos, depois de uma subida de 18,4% em 2022, o Fisco recolheu mais 5,1% no ano passado: 24 mil milhões de euros. Quanto ao imposto sobre produtos petrolíferos e energéticos, cuja receita recuara 21,3% em 2022, subiu 15,9%, enquanto imposto sobre o álcool e as bebidas alcoólicas deu mais 5,9% ao Estado, o imposto sobre veículos mais 5% e o imposto sobre o tabaco mais 3,5%.

É bom ver que tudo quanto se compra ou consome paga IVA: do turismo à cultura, do supermercado ao restaurante, passando pela gasolina ou carga elétrica com que atesta o carro. E as taxas variam de acordo com fatores diversificados, podendo ser mais leves para produtos e serviços básicos ou cujo consumo que se quer promover. Por exemplo, os espetáculos culturais pagam IVA reduzido (6%) — à exceção da tauromaquia, uma discriminação trazido pelo governo de António Costa e que tem vindo a ser bastante contestada — e os refrigerantes não só pagam a taxa máxima como ainda são onerados com um imposto especial. A taxa pode também privilegiar áreas de atividade que são especialmente importantes para o país, como é o caso do turismo ou do vinho.

Há ainda uma distinção para quem está em Portugal continental e quem está nas ilhas, de forma a compensar o efeito de se viver em regiões consideradas ultraperiféricas: na Madeira, todas as taxas são um ponto inferiores às do continente (22%/12%/5%) e nos Açores a diferença é ainda mais considerável, fixando-se a taxa normal nos 16%, a intermédia nos 9% e a reduzida nos 4%.

Mas como funcionam estes impostos? Como são cobrados? E como se define as diferentes taxas para produtos aparentemente semelhantes?

Para responder a estas perguntas, o SAPO, em parceria com a EY, publica uma série de consultórios que aqui já teve a sua estreia com toda a informação sobre o IRC, o imposto que pesa sobre as empresas e que em 2023 rendeu mais de 8,6 mil milhões de euros, mais 1,4 mil milhões do que o orçamentado por Medina.

Amílcar Nunes, Indirect Tax Partner da EY, explica o IVA e os Impostos Especiais sobre o Consumo em 7 respostas.

Amílcar Nunes, EY
Amílcar Nunes, EY

O IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO (IVA)...

1. De onde vem e coimo se paga o IVA?

O Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA) é um imposto indireto, na medida em que incide sobre o consumo e não sobre o rendimento (sobre o qual incidem os impostos diretos). O IVA é um imposto de base comunitária e "plurifásico", o que significa que incide sobre todas as fases do circuito económico, tributando todas as transmissões de bens e prestações de serviços.
O IVA é ainda um imposto sem efeitos cumulativos, na medida em que se define por um método de crédito de imposto, logo, sem qualquer efeito cascata ou imposto oculto. Em termos práticos, o IVA consiste em aplicar aos bens e serviços uma taxa proporcional ao seu preço.

Sendo um imposto de matriz comunitária, a sua estrutura e taxas encontram-se definidas por uma Diretiva, a chamada Diretiva IVA. Neste sentido e quanto às taxas, os Estados-membros aplicam uma taxa normal de IVA fixada por cada Estado-membro da UE, numa percentagem do valor tributável que é idêntica para a entrega de bens e para a prestação de serviços.

2. Quem define, e como, o que está em cada taxa?

Está definido que a taxa normal não pode ser inferior a 15%. Os Estados-membros podem ainda aplicar um máximo de duas taxas reduzidas, sendo que estas taxas apenas se podem aplicar às entregas de bens e prestações de serviços constantes da Lista do Anexo III da Diretiva IVA. Assim, os bens e serviços elegíveis para beneficiar de taxas reduzidas deverão visar o benefício do consumidor final e prosseguir objetivos de interesse geral, como seja o caso de bens de consumo ou serviços de primeira necessidade ou de carácter essencial.

De igual modo, alguns sectores com recurso a utilização de mão-de-obra intensiva podem também aproveitar da utilização de taxas reduzidas de IVA. Recentemente, foi igualmente dada aos Estados-membros a possibilidade de contribuírem para uma economia verde e com impacto neutro no clima, aplicando taxas reduzidas de IVA às entregas e prestações de serviços respeitadoras do ambiente e, ao mesmo tempo, preparando a eliminação progressiva do tratamento preferencial atualmente conferido a entregas e prestações prejudiciais ao ambiente.

3. Porque é que o vinho e a cerveja têm taxas diferentes?

Apesar da discricionariedade atribuída aos Estados-membros no que respeita à aplicação das taxas reduzidas de IVA, não é possível selecionar a totalidade dos bens e serviços que constam do Anexo III da Diretiva para pagarem menos. De facto, os Estados-membros só podem aplicar taxas reduzidas de IVA às entregas de bens ou prestações de serviços abrangidos por um máximo de 24 pontos do referido Anexo III.

Por outro lado, existem considerações de política fiscal, impacto económico e territorial que devem ser igualmente acauteladas na aplicação de taxas reduzidas de imposto. Em Portugal, o vinho paga uma taxa de IVA intermédia (13%), enquanto a cerveja paga a máxima (23%). A diferença (que tem sido contestada, nomeadamente pelos produtores de cerveja) tem vindo de um entendimento que pretende proteger os produtores daquela área agrícola e dar alguma competitividade acrescida ao sector vitivinícola português.

Recorde-se que em 2013 e no âmbito do programa de assistência internacional a Portugal, o Fundo Monetário Internacional (FMI) recomendava, entre outras medidas de consolidação fiscal, o aumento da taxa de IVA aplicável a certos bens e serviços, entre estes, o vinho.

4. Porque é que o bacalhau no restaurante paga 13% e o que compro cozinhado no supermercado paga 23%?

Para qualificar uma operação e proceder ao correto enquadramento da taxa de imposto a cobrar, é fundamental responder à seguinte questão de base: "Estamos perante uma entrega de bens ou prestação de serviços?" Em função da resposta, teremos então necessariamente de aplicar um conjunto de regras, entre elas, regras de localização da operação que nos indicam qual o território que deve liquidar IVA sobre as operações ou mesmo qual a taxa de imposto a aplicar.

É assim que se explica a diferença entre o que se cobra pela refeição de bacalhau servida num restaurante (prestação de serviços de alimentação e bebidas, sujeita à taxa intermédia de IVA), e a refeição de bacalhau cozinhada vendida isoladamente no supermercado (entrega de bens sujeita à taxa normal de IVA).

... E OS IMPOSTOS ESPECIAIS DE CONSUMO (IEC)

5. Porque é que há produtos que, além do IVA, pagam IEC?

Os impostos especiais de consumo (IEC) obedecem a um princípio de equivalência, distinto do da capacidade contributiva, o qual determina a respetiva adequação do imposto ao custo provocado pelos contribuintes nos domínios da saúde pública ou do ambiente. É uma espécie de taxa sobre um suposto efeito negativo que provocam ao consumidor e que se depreende que poderá trazer custos ao Estado quando precisar de ser tratado por doenças dele decorrente. É o que acontece, por exemplo, no tabaco, nas bebidas alcoólicas e açucaradas, etc. Na prática, a fiscalidade especial de consumo procura refletir nos consumidores as externalidades negativas geradas pelo consumo de determinados bens ou serviços.

6. São então uma espécie de impostos que pretendem "educar" o consumidor, afastando-o de determinados produtos?

Sim, e normalmente a receita obtida com estes impostos é adjudicada, por exemplo, a determinados serviços de saúde (pneumologia, endocrinologia, etc.). O problema associado a esta fiscalidade sobre o consumo resulta quando o encargo tributário é de tal ordem que, em vez de promover uma correção de mercado através do ajustamento dos comportamentos dos consumidores, promove precisamente o oposto. Ou seja, quando uma fiscalidade elevada sobre o tabaco, bebidas açucaradas e alcoólicas, combustíveis, entre outros, promove distorções concorrenciais associadas, por exemplo, a fenómenos de contrafação, contrabando ou crossborder shopping com territórios de fiscalidade mais desagravada e com perigos acrescidos para a saúde do consumidor ao utilizar certos bens.

Adicionalmente, o IVA acrescenta dimensão ao peso da fiscalidade especial, na medida em que o valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto, inclui os impostos (IEC), direitos, taxas e outras imposições, com exceção do próprio imposto sobre o valor acrescentado (o caso dos combustíveis, que se sente de forma diária na carteira dos portugueses). Conclui-se de forma clara que taxas de IVA elevadas sobre uma tributação especial de consumo já de si agravada resulta numa carga excedentária, porventura contrária aos objetivos de política fiscal que se pretendem alcançar.

Respostas dadas ao SAPO pela EY, elaboradas pelo Indirect Tax Partner da EY, Amílcar Nunes.