Os reguladores americanos estão a preparar um corte nos requisitos de capital para os bancos dos EUA, de acordo com várias fontes próximas do assunto citadas pelo Financial Times (FT). O periódico britânico avança ainda que este deve ser um dos maiores cortes em mais de uma década. Esta notícia surge na sequência de uma outra, no início de abril, que anunciava que os EUA iam abandonar as regras de Basileia.

Segundo as fontes citadas, o corte em questão deve incidir sobre o ‘supplementary leverage ratio’ (SLR). Estas regras exigem que os grandes bancos tenham um montante de capital de alta qualidade face à sua alavancagem total, que inclui ativos como empréstimos e exposições fora do balanço. Esta é uma norma que foi criada em 2014, como resultado das reformas abrangentes que surgiram após a crise financeira de 2008-2009. Recentemente, António Nogueira Leite, economista e professor da Nova SBE, em entrevista ao Jornal PT50, reforçou a existência de perigos sistémicos casos os bancos americanos tenham dificuldades.

Esta é uma regra que tem vindo a ser criticada por grandes banqueiros, que argumentam que esta “pune os bancos” por deterem até ativos de baixo risco, como os títulos do Tesouro dos EUA. Além disto, dificulta a sua capacidade de negociação no mercado de 29 biliões de dólares de dívida pública e enfraquece a sua capacidade de conceder crédito. O presidente-executivo do grupo de ‘lobby’ Bank Policy Institute, Greg Baer, reforça que “penalizar os bancos por terem ativos de baixo risco, como títulos do Tesouro, prejudica a sua capacidade de sustentar a liquidez do mercado em momentos de stress, quando ela é mais necessária”.

O aligeirar destas regras, relembra o FT, aparece numa altura em que a administração de Donald Trump se encontra a cortar na regulação em vários campos, desde as políticas ambientais e de diversidade aos requisitos de reporte financeiro. Os defensores do corte de capital esperam que os reguladores apresentem propostas de reforma até ao Verão. No entanto, do outro lado da barricada, os críticos reforçam que este é um momento preocupante para cortar os requisitos de capital bancário, tendo em conta a atual volatilidade do mercado e a turbulência política. O investigador do Peterson Institute for International Economics, Nicolas Véron, não considera este o momento certo para baixar os requisitos de capital, tendo em conta o “estado do mundo” e todos os riscos associados.

Já os analistas referem que a redução do SLR seria uma “bênção” para o mercado dos títulos do Tesouro. Permitir aos bancos adquirirem mais dívida do governo poderia ajudar Trump a atingir o seu objetivo de reduzir os custos de empréstimo, estimam. Isto funcionaria também como um incentivo para os bancos terem um papel maior neste mercado, após ter cedido espaço a ‘traders’ e fundos ‘hedge’ devido às regras impostas depois da crise financeira.

Vários decisores políticos americanos aparentam apoiar regras mais leves. O secretário do Tesouro, Scott Bessent, definiu esta reforma como uma “alta prioridade” para os grandes reguladores bancários – a Reserva Federal, o Gabinete do Controlador da Moeda e a Corporação Federal de Seguros de Depósitos. O presidente da Reserva Federal, Jay Powell, afirmou em fevereiro que é preciso trabalhar na estrutura do mercado do Tesouro e uma redução do SLR é uma parte da solução.

Alinhar com os rivais internacionais

Os oito maiores bancos americanos têm de ter capital ‘tier one’ no valor de pelo menos 5% da sua alavancagem total. Por sua vez, os maiores bancos europeus, chineses, canadianos e japoneses têm este grau de exigência entre 3,5% e 4,25%. Assim, os defensores da redução de capital esperam que os EUA se alinhem com os seus rivais internacionais.

A outra opção em cima da mesa para os reguladores prende-se com a exclusão dos ativos de baixo risco, como os títulos de Tesouro e depósitos em bancos centrais, do cálculo do SLR, tal como aconteceu temporariamente na pandemia. Segundo analistas da Autonomous, a reintrodução desta isenção iria libertar cerca de 2 biliões de dólares da folha de balanço para os grandes bancos americanos.

Contudo, isso faria dos EUA um caso isolado a nível internacional e as autoridades reguladoras da Europa receiam que isso possa levar os credores a exigir uma redução de capital semelhante para a dívida soberana da zona euro e para os títulos de dívida do Reino Unido, sublinha o FT.

O jornal britânico observa ainda que a maioria dos grandes bancos americanos está mais limitada pelos testes de stress da Reserva Federal e os requisitos de capital ajustados ao risco, o que limita os seus benefícios da reforma do SLR. De acordo com analistas do Morgan Stanley, apenas o State Street foi realmente “limitado” pelo SLR.

“Alinhar as regras dos EUA com os padrões internacionais daria mais margem de capital aos grandes bancos do que isentar os títulos do Tesouro e os depósitos do banco central dos cálculos da taxa de alavancagem suplementar”, disse Sean Campbell, economista-chefe do grupo de lobby Financial Services Forum, que representa os oito maiores bancos dos EUA.

Os reguladores bancários não quiseram comentar as informações avançadas pelo FT ao jornal britânico.