A segurança em África é hoje parte central da agenda internacional. Os conflitos armados persistentes, os golpes de Estado, o jihadismo no Sahel, o crime transnacional e as tensões marítimas no Golfo da Guiné e no Atlântico Sul compõem um quadro de instabilidade estrutural que interrompe o equilíbrio global. A Europa, confrontada com uma guerra de fronteira no leste e com mutações profundas a sul, já não pode tratar África como uma periferia distante. África deixou de ser o continente do futuro. É o continente do presente. E Portugal tem, neste contexto, uma oportunidade estratégica para atuar de forma decisiva.
Com raízes históricas sólidas, laços linguísticos profundos e uma rede diplomática baseada na confiança, Portugal dispõe de condições únicas para contribuir para uma nova abordagem europeia à segurança africana. Mas esta abordagem exige mais do que relações históricas ou retóricas de amizade. Exige visão estratégica, persistência institucional e parcerias fundadas na igualdade, na apropriação africana e no realismo operativo.
É neste contexto que o EurAfrican Forum 2025, que terá lugar em Cascais nos dias 25 e 26 de julho, assume uma importância particular. Organizado pelo Conselho da Diáspora Portuguesa, o fórum reúne decisores políticos, chefes de Estado, parlamentares, diplomatas, forças de segurança e líderes empresariais com um propósito claro: aproximar as agendas de defesa, desenvolvimento e cooperação económica entre os dois continentes. O lema “Transformar o Amanhã: Estreitar Parcerias Globais para Cumprir a Agenda 2063” traduz essa ambição. Portugal acolhe, assim, mais do que uma cimeira internacional. Acolhe uma oportunidade de afirmar, em termos concretos, uma visão estratégica para o Atlântico.
Nos últimos anos, Portugal tem procurado reforçar esse posicionamento. Em Moçambique, assume a liderança da missão EUTM no esforço de estabilização da província de Cabo Delgado. Em Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe mantém cooperação técnico-militar e institucional ativa. Em Bruxelas, desempenhou um papel relevante na atualização da Bússola Estratégica da União Europeia e foi um dos principais defensores do novo Pacto Estratégico UE–África para a Segurança e Resiliência. Estes instrumentos consagram o reforço das capacidades locais, a interoperabilidade operacional e a soberania partilhada como fundamentos de uma abordagem mais credível e duradoura.
Mais recentemente, no início de julho, o Conselho da União Europeia aprovou uma medida concreta de apoio à segurança de Cabo Verde através do Mecanismo Europeu para a Paz. Trata-se de um pacote destinado ao reforço das capacidades de vigilância e patrulhamento marítimo e à promoção da interoperabilidade com os Estados-Membros. Esta decisão, além de confirmar o crescente valor estratégico do Atlântico Sul, evidencia também o papel insubstituível que Portugal pode desempenhar na implementação prática das políticas europeias de segurança e defesa no terreno.
É neste quadro que se torna necessário reconhecer o trabalho persistente e muitas vezes desperdiçado dos nossos serviços de informações. Diariamente, produzem análises estratégicas, relatórios de risco e projeções geopolíticas que, em muitos casos, ficam por utilizar ou, pior ainda, acabam esquecidos em gavetas ou triturados por inércia política. Há conhecimento produzido em Portugal com valor real para antecipar crises, moldar decisões e alinhar prioridades. Ignorá-lo não é apenas um desperdício técnico. É uma falha estratégica.
Portugal dispõe de forças institucionais, operacionais e diplomáticas para ser o elo entre inovação e pragmatismo. A sua proximidade cultural e a credibilidade entre os PALOP permitem-lhe ser a ponte entre soluções europeias de segurança e as necessidades reais africanas. A Base Tecnológica e Industrial de Defesa (BTID) portuguesa, mesmo de dimensão moderada, já desenvolve soluções em áreas como comunicações seguras, vigilância marítima, sistemas autónomos, ciberdefesa e suporte logístico. O fator decisivo para converter estas capacidades em poder estratégico será a definição clara de uma estratégia nacional que integre programas de cooperação estruturados, transferências tecnológicas adaptadas e, sobretudo, valor acrescentado local.
Portugal está particularmente bem posicionado para funcionar como interface entre o ecossistema de inovação europeia em defesa e as realidades africanas. A sua posição permite-lhe identificar, validar e adaptar soluções tecnológicas de última geração, desde sistemas autónomos a plataformas digitais de comando e controlo, tornando-as operacionais em teatros de elevada complexidade. Esta capacidade de tradução estratégica é tanto mais relevante quanto mais escassos forem os atores europeus com legitimidade política e conhecimento técnico para o fazer.
Investir na segurança africana é investir no desenvolvimento partilhado. Sem estabilidade, não há investimento. Sem investimento, não há crescimento económico. E sem crescimento, perpetuam-se ciclos de violência, pobreza e migração forçada. A segurança deixou de ser apenas um fim. É um meio para alcançar soberania, dignidade e progresso sustentável.
O verdadeiro valor acrescentado de Portugal reside na sua capacidade de escuta, na leitura fina das dinâmicas regionais e na perseverança diplomática para construir soluções com raízes. O país não deve falar por África, mas com África. Deve abandonar definitivamente o paradigma da ajuda e adotar uma lógica de co-desenho, co-investimento e co-governação. Essa é a única via para que a Europa seja, aos olhos africanos, um parceiro legítimo e não apenas um financiador distante.
O EurAfrican Forum 2025 é, neste sentido, mais do que uma conferência. É um teste à nossa maturidade estratégica e à nossa ambição política. Portugal pode e deve utilizá-lo como ponto de partida para consolidar o seu papel como articulador de uma nova ordem euro-africana baseada na confiança mútua, na inovação aplicada e na partilha de responsabilidades. A experiência mostra que quando os nossos decisores dão ouvidos aos alertas certos, mesmo que discretos, tomam melhores decisões.
Liderar não é impor. É saber ouvir, respeitar e integrar diferentes formas de pensar e de agir. Portugal tem muito para oferecer, mas também muito a aprender com os seus parceiros africanos. A experiência dos PALOP em lidar com ameaças híbridas, fragilidades institucionais e contextos operacionais exigentes deve ser compreendida como um ativo estratégico. A partilha tem de ser mútua. É nesse equilíbrio entre ambição e escuta, entre liderança e humildade, que poderá assentar uma verdadeira aliança euro-africana para o século XXI.
António Brás Monteiro
Auditor de Defesa Nacional e Consultor de Defesa na Comissão Europeia