Num momento em que uma onda de calor sem precedentes atinge a Europa, investigadores e psiquiatras alertaram que as altas temperaturas afetam a saúde mental de diversas formas, embora a extensão do fenómeno permaneça incerta.

"Está um calor abrasador. O suficiente para deixar um homem louco", pode ler-se no romance clássico de fantasia "Calor de Agosto", do autor britânico W.F. Harvey, que termina com o provável assassinato do narrador.

O livro ilustra como o calor permanece associado no imaginário coletivo à instabilidade mental.

"O calor gera ansiedade, provoca cancelamentos de consultas que podem ser prejudiciais, gera mais solidão...", realçou à agência France-Presse (AFP) o psiquiatra Bernard Granger, que trabalha no Hospital Cochin, em Paris.

Embora o psiquiatra relate não ter notado qualquer alteração significativa nas suas consultas nos últimos dias, tal não acontece em todo o lado.

Também em Paris, o departamento de urgências psiquiátricas de Sainte-Anne informou a AFP que um "número invulgar" de doentes aguardava atendimento na terça-feira, sem que fosse possível relacioná-lo formalmente com o calor extremo.

No entanto, estes acontecimentos têm-se acumulado com uma frequência crescente nos últimos anos, num contexto de aquecimento global, tornando-se essencial o exame dos seus efeitos específicos na saúde mental.

Os dados sobre o assunto permanecem fragmentados, embora os efeitos do calor estejam muito bem documentados para uma série de patologias, como cardiovasculares ou respiratórias.

"Muito ainda se desconhece sobre as consequências do aumento da temperatura global na saúde mental", resumiram os autores de um estudo publicado em 2023 na revista Lancet Planetary Health, que fornece uma das melhores visões gerais do conhecimento atual sobre o tema.

O calor, observaram os investigadores, pode, teoricamente, afetar a mente de várias formas: interromper mecanismos fisiológicos como a produção de serotonina, prejudicar o sono - crucial para um bom equilíbrio psicológico - ou promover o consumo de álcool.

Os autores compilaram cerca de vinte estudos preliminares para concluir que as altas temperaturas têm um efeito real, mas moderado, em vários indicadores.

Assim, os estudos "apontam para uma ligação entre o aumento das temperaturas e os suicídios", observaram, ainda que "variem muito nas suas metodologias e resultados".

E, destacaram os investigadores, as ondas de calor parecem estar associadas a um aumento das visitas às urgências, em cerca de 10%.

O estudo da Lancet Planetary Health também não tem em conta um estudo recente de grande escala realizado na Austrália e publicado na revista Nature Climate Change na primavera de 2025.

Confirmou um "impacto crescente" do calor extremo na saúde mental, embora ainda seja difícil avaliá-lo em detalhe.

Acima de tudo, para além do efeito das ondas de calor na população em geral, os inquiridos da AFP recomendaram a vigilância aos doentes que já estão sob tratamento.

Certos distúrbios comportamentais podem, de facto, interferir com a adesão adequada a medidas preventivas, como a hidratação regular, lembrou Granger.