
Um estudo da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP) demonstrou que o fumo do tabaco afeta não só órgãos diretamente associados à inalação de fumo como os pulmões, mas também outros tecidos ao longo de todo o corpo. A conclusão é de dois investigadores, um deles com raízes familiares em Vieira do Minho.
Rogério Ribeiro (à direita na foto) é neto do vieirense Amândio Rogério Ribeiro e afilhado do também vieirense Fernando Dalot. Conjuntamente com Pedro Gabriel Ferreira, estudou sobre os efeitos do tabaco em 46 tecidos do corpo humano.
Já sabemos que fumar faz com o que o nosso corpo envelheça mais depressa, pode ler-se numa nota divulgada pela FCUP. Mas agora sabe-se exatamente como isso acontece ao nível molecular. A resposta concreta está na análise pormenorizada de 46 tecidos diferentes do corpo humano. Com este estudo, assinado por investigadores da FCUP, demonstrou-se que o fumo do tabaco tem o potencial de alterar molecularmente não apenas os órgãos diretamente associados à inalação de fumo como os pulmões, mas também outros tecidos ao longo de todo o corpo como o pâncreas, a tiroide, o esófago ou algumas regiões do cérebro, que até agora estavam por estudar.
O trabalho, publicado na revista Genome Medicine, é da autoria do docente da FCUP Pedro Gabriel Ferreira e do estudante de doutoramento em Ciência de Computadores, Rogério Ribeiro, e foi realizado em conjunto com investigadores do Centro de Supercomputadores em Barcelona.
Neste estudo, os autores demonstraram, pela primeira vez, como é que o fumo do tabaco imita e acelera os efeitos do envelhecimento no corpo humano, ao combinar a análise dos tecidos com diferentes técnicas de expressão génica, splicing, metilação do DNA e alterações histológicas.
“Fizemos uma análise molecular multi tecidos e multi-ómica que fornece uma visão abrangente do impacto sistémico e específico por tecido do consumo de tabaco e de como este pode acelerar o envelhecimento no nosso corpo”, explica o docente Pedro Gabriel Ferreira.
Os autores comprovaram que o tabaco desencadeia a inflamação sistémica dos tecidos e provoca alterações epigenéticas — em particular, a hipermetilação — um fenómeno de alterações químicas em excesso no ADN associado ao desenvolvimento de cancro por silenciar genes que controlam o crescimento e a divisão celulares. Os fumadores desenvolvem perfis epigenéticos semelhantes aos de pessoas mais velhas, pois estas alterações estão fortemente alinhadas com mecanismos de envelhecimento já conhecidos.
Alterações irreversíveis são as que sobrepõem ao envelhecimento
Para o trabalho, a equipa usou dados do projeto Genotype-Tissue Expression (GTEx) provenientes de mais de 700 indivíduos doadores, entre eles fumadores, ex-fumadores e pessoas que nunca fumaram. Os investigadores conseguiram nesta análise identificar os efeitos que estão simultaneamente associados ao tabagismo e ao envelhecimento. Com base em informações de ex-fumadores, classificaram as alterações associadas ao tabaco como reversíveis ou não reversíveis, e analisaram se os efeitos do tabaco que se sobrepõem aos do envelhecimento são mais persistentes.
“Identificamos alterações moleculares induzidas pelo tabaco que não são reversíveis após a cessação. Essas são especialmente as que sobrepõem a assinaturas de envelhecimento”, destaca Rogério Ribeiro. A tendência revelada no estudo é que as alterações não reversíveis têm os mesmos responsáveis moleculares – os mesmos genes ou locais no ADN – que o envelhecimento.
Um forte contributo da bioinformática
Rogério Ribeiro, licenciado em Biologia e mestre em Bioinformática e Biologia Computacional pela FCUP, começou este trabalho em 2021, no início do seu doutoramento em Ciência de Computadores, que está quase a terminar. Só agora houve publicação, devido à complexidade do estudo e das análises realizadas.
Pedro Gabriel Ferreira, especialista em bioinformática e também investigador no INESC TEC, é orientador de Rogério e esteve envolvido no projeto GTEx, desenvolvido entre 2010 e 2020 e que recolheu amostras de diferentes tecidos e órgãos do corpo humano com o objetivo de relacionar a variabilidade do genoma com as características de cada indivíduo.
O projeto GTex compilou uma base de dados de informação genética de diferentes indivíduos que doaram os seus órgãos e tecidos à investigação. Todas estas amostras foram recolhidas após a morte e armazenadas num biobanco. Este estudo é um exemplo do potencial desta gigante base de dados. É que este trabalho, através da identificação de biomarcadores moleculares, poderá contribuir no futuro para avaliações de risco personalizadas, estratégias de prevenção direcionadas e para desenvolvimento de intervenções epigenéticas para mitigar o declínio associado ao tabaco e ao envelhecimento.
[Foto: SIC.FCUP]