Entrevista a Paulo Muacho, candidato do Livre. Desde 2024 que ocupa o cargo de Deputado na Assembleia da República e este ano volta a candidatar-se por Setúbal. Diz que o maior contributo do Livre para o Distrito é a defesa de uma maior integração europeia.

Nasceu em Campo Maior, junto à fronteira com Espanha. Qual é a sua ligação ao distrito de Setúbal?

Sou alentejano, a minha família é de Campo Maior. Com cerca de dez anos a minha mãe veio trabalhar para o Seixal e portanto nessa altura também fui viver com a minha familia, com os meus irmãos e com a minha mãe, portanto fiz todo o percurso da escola todo no Seixal, costumo dizer que sou Alentejano da Margem Sul.

Se não me engano foi também deputado municipal em Lisboa. Em que altura e por que razão volta ao distrito de Setúbal como candidato a deputado?

Eu costumo dizer que tenho esta tripla pertença, porque a minha família é do Alentejo e sinto-me também do alentejano e também da margem sul. Eu sempre quis viver em Lisboa e é onde eu tenho casa neste momento. Surgiu essa oportunidade de me candidatar à Assembleia Municipal de Lisboa e eu achei que era importante fazê-lo.

Também achei importante que, nas discussões que eram tidas na Assembleia, eu tivesse uma perspetiva mais metropolitana, porque a política na cidade de Lisboa é sempre muito focada na própria cidade. Às vezes os autarcas esquecem-se de que Lisboa não é só Lisboa, é também o centro de uma área metropolitana que tem muita influência na vida de todas as outras pessoas. Isso também me fez sentir mais preparado neste último ano para enfrentar este desafio de ser deputado. 

Quando aconteceu o seu primeiro contacto com a política, foi em criança?

Eu sempre tive algum interesse em acompanhar a política, o normal de ver as notícias e ir percebendo o que se estava a passar no mundo. O meu pai também sempre gostou muito de política e ia sempre discutindo algumas coisas com ele. Mas depois só quando o Livre apareceu é que eu senti esse ímpeto para me juntar e juntei-me logo no início, ainda em 2013, quando Livre foi anunciado, principalmente porque até àquele momento eu não revia em nenhum dos partidos de esquerda que existiam.

E o seu primeiro contacto com o Partido Livre?

Em 2013, estávamos ainda na altura da Troika, eu estava ainda na universidade a acabar o curso e fui àquelas conferências que foram organizadas pelo Mário Soares e uma das pessoas que estava como orador nessas conferência era o Rui Tavares. E eu fui assistir precisamente a uma dessas conferências que falava da nossa relação com a União Europeia. Os partidos ao centro diziam que temos de seguir exatamente o que a UE nos diz e os partidos à esquerda diziam que temos de cortar com a União Europeia. Eu nunca me revi em nenhuma destas posições, sempre fui muito mais europeísta e sou federalista.

No final de 2013 quando é anunciado que vai ser criado este novo partido, que é um partido de esquerda, ecologista e europeísta, foi aí que eu senti, okay este é o espaço em que eu me revejo e em que eu me vou sentir confortável e até hoje não me arrependo.

Na altura em que foi Deputado Municipal de Lisboa, foi deputado por que partido, do PS, do Livre ou independente? 

Em 2017 o Livre não tinha representação a nenhum nível e na altura o acordo que foi possível fazer passava por os candidatos do Livre integrarem as listas do Partido Socialista como independentes. E portanto, nesse mandato na Assembleia Municipal estava eu e a Patrícia Gonçalves, formalmente nós estávamos como independentes na bancada do Partido Socialista mas, no fundo, a tentar representar o Livre. Porque o PS tinha também acordos com outros movimentos independentes e portanto foi o possível nessa altura. Em 2021 esse acordo inicial acabou por evoluir para uma coligação formal entre o PS e o Livre.

Apesar de o PS e o PSD serem partidos declaradamente “europeístas convictos”, o Livre fala em Federalismo Europeu. Tendo em conta o impacto negativo da Política Agrícola Comum ou da Política Comum das Pescas não receia que o modelo federal se traduza numa perda ainda maior da soberania do nosso país?

Não, na verdade não. No contexto europeu é um país médio e no contexto mundial somos um país pequeno. Cada vez mais, com a ascensão da China, começamos a ter um mundo multipolar. Com Donald Trump a ter uma política extremamente agressiva com todos os outros países, a Índia, o Brasil.

Estar no palco internacional através da União Europeia implica também fazer escolhas, e implica também termos uma arquitetura institucional que não é aquela que temos neste momento, que privilegia muito mais aquilo que é a opinião dos governos de cada país e não a opinião dos cidadãos europeus.

Eu considero-me federalista porque acho que os órgãos da União Europeia devem aprofundar a forma democrática de escolha. Temos um Parlamento Europeu que é eleito diretamente mas que, por exemplo, não pode apresentar iniciativas legislativas próprias, só pode votar as recomendações da Comissão Europeia.

Mas como defende a ideia de federalismo europeu a uma população de Setúbal que viu a capacidade produtiva do seu Distrito e do seu país diminuir com o fecho de fábricas, o abandono de terras ou a diminuição da atividade piscatória?

É sempre muito fácil ter Bruxelas como bode expiatório. Um tema muito complicado é quando falamos das quotas de pesca, uma medida que tem uma grande importância ambiental. Consideramos também que Portugal deve conseguir encontrar alternativas e isso nem sempre é feito em alguns setores, em termos de modelo económico não podemos estar dependentes de setores com baixos salários e com baixo valor acrescentado e nós aqui no Distrito de Setúbal podemos pegar nas Universidades que existem aqui e ter a capacidade de desenvolver setores que pagam melhores salários e fazer a requalificação de alguns setores, permitindo a essas pessoas avançar para outras atividades.

Quais foram as principais interpelações ao governo e projetos de lei apresentados pelo Livre no sentido de resolver problemas concretos dos habitantes do Distrito de Setúbal?

Por exemplo, a questão da saúde, com as urgências que vão encerrando criou-se uma instabilidade muito grande para as pessoas. É preciso que o Governo resolva este problema, há a ideia que a Ministra já apresentou de centralizar tudo num só local e que até faz sentido do ponto de vista de gestão de recursos, não faz sentido dizer às grávidas do Barreiro que têm de ir até Almada.

Também a crise da habitação, que se foi alastrando e não foi controlada, agora já vemos essa dificuldade em Almada, no Barreiro, no Montijo, é impossível conseguir arrendar casa e comprar ainda pior. Precisamos de soluções integradas ao nível metropolitano para baixar os preços das rendas e recuperar as habitações sociais e cooperativas.Temos de estimular o setor cooperativo e não o setor especulativo.

Sobre saúde, o governo cessante anunciou que vai avançar com a transferência de competências em vários Centros de Saúde do Distrito de Setúbal e no Hospital Garcia da Horta, passando-os para uma gestão em regime de parceria público-privada.

Qual é a posição do Livre relativamente a estas PPPs em particular?

Na saúde a nossa posição é absolutamente clara, somos contra. Compara-se sempre com os Países Baixos como um exemplo. Nos Países Baixos os prestadores de serviços são do setor social, não lucrativo. Não são empresas, não estão à procura de obter lucro com aquele Hospital ou com aquele centro de saúde.

Há estudos que demonstram que quando há essa privatização, há uma perda da qualidade do serviço. Temos de investir mais no Serviço Nacional de Saúde que tenha uma melhor gestão de recursos, vamos apresentar no parlamento uma proposta em que as administrações das ULS sejam eleitas pelos próprios profissionais entre duas pessoas escolhidas previamente.

Relativamente à imigração, é sabido que a imigração legal, ilegal e tráfico de seres humanos tem consequências na economia e no tecido social do país. É também o tópico da política nacional com mais desinformação a circular online.

O Livre fala muitas vezes nos “imigrantes que fazem os trabalhos que os portugueses não querem fazer”, como olham para a situação atual da imigração em Portugal?

Todo este tipo de fenómenos têm consequências e não vale pena fingirmos que as consequências negativas não existem. Há quem lide com este debate com mentiras e desinformação e há quem tente lidar para os dados, para os factos, com realismo.

Foi a extrema-direita que quis trazer este tema para o palco do debate político e conseguiu, mas depois temos um Governo que, senão nas medidas, até mesmo na retórica tenta roubar este discurso e o Partido Socialista agora acha que deve ir atrás daquilo que é esta retórica. Nunca houve no nosso país uma política de portas escancaradas, como dizem.

Na altura, Joacine Kater Moreira votou a favor da extinção, já como deputada independente. O Livre defende que o SEF foi bem extinto ou votaria de forma diferente?

Do ponto de vista abstrato, o que foi feito faz sentido, passa-se a parte administrativa para a AIMA e a parte policial para as polícias. O problema é a forma como foi feito, a AIMA não tem e continua a não ter os recursos suficientes e isso gerou situações de grandes filas que depois as pessoas acharam que estavam a chegar agora.

Aqui na Margem Sul sempre foi um sítio muito multicultural, com pessoas de todos os sítios e de várias religiões, que tinham vindo das ex-colónias, do Brasil, do outro lado do mundo. Neste momento precisamos de fazer um esforço de integração porque a economia precisa dessas pessoas.