
Um em cada 10 estudantes universitários portugueses consome anfetaminas ou outros estimulantes, e 40% recorrem regularmente a psicotrópicos, segundo um estudo nacional que lança um alerta sobre o estado crítico da saúde mental no ensino superior. A investigação, conduzida por Tânia Gaspar, psicóloga e docente da Universidade Lusófona, revela ainda que o burnout afeta transversalmente a comunidade académica, num cenário de escasso apoio psicológico e pressões académicas crescentes.
O estudo intitulado “Ecossistemas de Aprendizagem Saudáveis nas Instituições de Ensino Superior em Portugal”, ao qual a agência lusa teve acesso, envolveu 2.339 estudantes entre os 17 e os 35 anos, de diversas instituições e áreas de formação. A investigação focou-se em várias dimensões do ambiente académico, com destaque para os impactos da organização institucional e da cultura universitária na saúde mental dos alunos.
As conclusões são contundentes: os consumos de substâncias psicotrópicas não se limitam a contextos recreativos, mas funcionam frequentemente como mecanismos de regulação emocional e de combate ao ‘stress’ académico, especialmente durante épocas de exames e entrega de trabalhos. Além disso, o uso de anfetaminas e estimulantes é particularmente elevado entre estudantes das áreas mais exigentes em termos de carga horária e desempenho.
Para os investigadores, a ausência de estruturas eficazes de apoio psicológico dentro das instituições é uma das principais fragilidades do sistema. Muitos estudantes não recorrem a ajuda profissional devido à falta de serviços gratuitos, acessíveis e com resposta rápida, agravando situações de ansiedade, depressão e exaustão crónica.
A coordenadora do estudo sublinha que os dados devem servir de ponto de partida para uma reforma urgente nas políticas de bem-estar académico. “O ensino superior tem de deixar de ser um campo de sobrevivência e ser um espaço de crescimento pessoal e equilíbrio emocional”, defende Tânia Gaspar.
O relatório propõe medidas concretas para reverter esta tendência, incluindo a integração de gabinetes de saúde mental em todos os campus universitários, a formação dos docentes em saúde emocional e a reformulação das dinâmicas avaliativas, atualmente consideradas por muitos estudantes como fontes permanentes de angústia.
A investigação vem reforçar aquilo que vários sinais já vinham indicando nos últimos anos: o aumento de episódios de ansiedade, depressão, insónia e abandono escolar precoce por motivos de saúde mental.
Portugal acompanha uma tendência europeia de crescente alerta quanto ao estado psicológico da população universitária, mas os autores alertam que o país continua atrasado na implementação de soluções de base institucional, que protejam os estudantes sem estigmatizar a procura de ajuda.
Este estudo lança um alerta público sério e exige ação política imediata, sobretudo numa altura em que o Governo promete apostar na educação e na juventude como pilares estratégicos do futuro do país. Para já, os dados falam por si: milhares de jovens ultrapassam os limites em silêncio, numa espiral de exaustão e dependência invisível.