
Coruche acolheu recentemente uma jornada técnica dedicada à valorização do pinheiro-bravo, promovida pelo Centro PINUS, que juntou proprietários, resineiros, técnicos florestais e diversos agentes do setor numa partilha de conhecimento sobre o presente e o futuro da resinagem em Portugal. A ação inseriu-se num roteiro nacional que pretende aproximar a investigação, a inovação e a prática florestal no terreno, dando particular destaque ao potencial económico e ecológico desta espécie, especialmente em zonas como o Ribatejo, onde o pinheiro-bravo coexiste com outras formações florestais e práticas agropecuárias.
A visita de campo decorreu na Herdade de Pegos e Pingalim, um espaço com sistemas florestais mistos onde o pinheiro-bravo surge de forma espontânea entre sobreiros, pinheiros-mansos e zonas de pastoreio extensivo. Foi neste contexto que se demonstraram diferentes métodos de extração de resina — desde a técnica tradicional até às novas abordagens mecanizadas, menos invasivas e mais eficientes. Após a visita, João Gonçalves, presidente do Centro PINUS, sublinhou a importância do momento, não apenas pelo que se mostrou no terreno, mas pela mensagem que se pretende fazer chegar a todo o setor.
“O que estamos a tentar fazer é devolver ao pinheiro-bravo o protagonismo que merece, com base no conhecimento e na inovação”, afirmou João Gonçalves. “A resinagem faz parte da nossa história e tem agora uma oportunidade única de se reinventar. Vimos hoje técnicas que podem tornar esta prática mais competitiva, mais sustentável e com mais valor para o produtor.” Segundo o presidente do Centro PINUS, a recuperação da resinagem pode contribuir para reforçar o rendimento das propriedades florestais, promover a gestão ativa do território e ajudar a fixar população nas zonas rurais. “É uma atividade que tem de voltar a ser encarada como viável. A resina portuguesa tem enorme qualidade e mercado. Falta agora criarmos as condições para que volte a ser colhida com regularidade.”
João Gonçalves recordou ainda que o pinheiro-bravo é responsável por cerca de 80% dos postos de trabalho nas indústrias florestais, empregando diretamente mais de 60 mil pessoas e sustentando 8.497 empresas — dados que ilustram o peso real desta fileira, frequentemente subvalorizada. “A floresta portuguesa precisa de opções que sejam economicamente sustentáveis e ambientalmente responsáveis. O pinheiro-bravo oferece isso mesmo, e mais: oferece oportunidades. Desde a madeira, que está a atingir valores recorde, até à resina, que está novamente a despertar interesse, passando pelo papel cada vez mais relevante dos serviços de ecossistema e dos créditos de carbono. O proprietário que souber gerir bem o seu pinhal pode encontrar várias fontes de rendimento e, por isso, acreditamos que esta árvore tem futuro.”
No terreno, foi possível observar a aplicação de duas técnicas distintas. A tradicional, ainda usada pela maioria dos resinadores, recorre a incisões mais profundas, exigindo maior perícia e tempo. Já a técnica mecanizada, em demonstração na Herdade do Pingalim, aposta em incisões superficiais e uma aplicação mais rápida, com impacto visual e fisiológico reduzido nas árvores. Embora a nova abordagem tenha despertado algum ceticismo entre os operadores mais experientes, João Gonçalves considera isso natural. “É preciso tempo. Quem resinou da mesma forma durante 30 ou 40 anos precisa de ver para crer. Mas quando lhes mostramos que há ganhos de produtividade e menos danos na árvore, começam a perceber as vantagens. A mudança leva o seu tempo, mas é inevitável quando os benefícios são claros.”
A escassez de mão de obra foi outro dos temas abordados no encontro, com João Gonçalves a reconhecer as dificuldades, mas a defender soluções: “É um problema real e não só da resinagem. O setor primário, em geral, enfrenta uma grande falta de trabalhadores. Precisamos de tornar estas atividades mais atrativas, apostar na formação, na qualificação, na melhoria das condições de trabalho. E temos também de ser inclusivos. Há um potencial enorme no recrutamento de mulheres para funções florestais, algo que já está a acontecer em algumas áreas e que queremos ver crescer.”
O presidente do Centro PINUS destacou ainda o potencial da região de Coruche e do Ribatejo para o desenvolvimento da fileira do pinho. “Esta é uma zona privilegiada, com grande presença de pinhal espontâneo. Basta olhar para as bermas das estradas ou para os terrenos agrícolas abandonados e vemos pinheiros a crescer naturalmente. Há aqui uma base que deve ser aproveitada. O que vimos hoje nesta herdade é um excelente exemplo: sem plantar, o proprietário está a tirar rendimento da madeira e poderá, com as condições certas, tirar também da resina. Isto é economia florestal no seu melhor.”
Questionado sobre a eterna comparação entre o pinheiro e o sobreiro, João Gonçalves foi diplomático. “O sobreiro é, de facto, a árvore nacional. Mas se olharmos para o país de norte a sul, o pinheiro está por todo o lado. Tem uma presença histórica fortíssima, esteve ligado aos Descobrimentos, à construção naval, à indústria. O que defendemos é que não precisamos de eleger uma só espécie — precisamos é de reconhecer o valor de todas e de fazer boa gestão. E o pinheiro, sem dúvida, merece o seu lugar.”
A jornada técnica em Coruche terminou com a certeza de que a valorização do pinheiro-bravo não é apenas uma ideia — é uma realidade em construção, ancorada no conhecimento técnico, na inovação e na ligação profunda entre quem trabalha a terra e quem estuda a floresta. Como resumiu João Gonçalves no final da visita à Herdade do Pingalim: “Quem tem pinheiro, tem dinheiro. E quem tem conhecimento, tem futuro.”