Com o cair da noite, o Le Bleu – Fish Bar ganha um encanto especial. Avista-se a fachada em Art Déco e uma luminosidade, branca e azul, que convida a entrar ou, já que este é um restaurante exclusivamente de peixe e marisco, a mergulhar. O espaço é pequeno, com o bar à esquerda e respetivo balcão com quatro lugares, e as mesas a rodearem o restante da sala e a acomodarem perto de três dezenas de clientes.
Sente-se uma tranquilidade inesperada. O branco das paredes, onde se desenham motivos marinhos, e o azul de sofás e cadeiras, transportam para um mar tranquilo, sem ondulação ou nortadas. Este, talvez seja o primeiro dos enganos do novo restaurante de Kiko Martins, ou chef Kiko, como é mais conhecido. O Le Bleu – Fish Bar é afinal um anzol e o isco tudo o que chega a mesa, dos cocktails ao finger food, e dos principais às sobremesas.
“Nem tudo é aquilo que parece”
De porta aberta desde o verão de 2024, o Le Bleu – Fish Bar não é um restaurante de bairro, mas sim um restaurante cosmopolita deste afamado bairro lisboeta. Campo de Ourique é o chão para o engodo: “nem tudo é aquilo que parece”. Feito o aviso à navegação, os sentidos ficam alerta, mais ainda quando o chef Kiko anuncia uma cozinha experimental e divertida. “É um restaurante que tenta mostrar produto, que tenta mostrar técnica, mas, acima de tudo, tenta brincar um bocadinho com a nossa maneira de ver as coisas”, explica enquanto lança a rede ao cliente: “Resolvi que não iria fazer nada que já tivesse feito. Não que quisesse uma rutura com o passado, mas queria estimular-me. Tinham de ser coisas diferentes”.
Ainda sem uma bússola real sobre a experiência, a equipa de sala sugere um par de cocktails da casa: “Bianconi” (um Negroni branco com tequila em vez de gin) ou “Fluffy Mary” (uma versão de “Bloody Mary” preparado com espuma de ostras). Ao mesmo tempo, na mesa aterra um pequeno amuse-bouche, oferta do Le Bleu – Fish Bar, de cavala marinada sobre uma base gelada que se come à mão (Dica: não se perca na conversa que derrete…). O entretenimento continua com o couvert, com espargos para mergulhar no dip de anchovas, brioche folhado para acomodar a manteiga do Pico, e Gougère de comté, a remeter para o brasileiro pão de queijo.
A pescaria segue em bom ritmo e sem necessidade de qualquer boia salva-palato. Nas entradas, entra-se no jogo inglório de adivinhação ou, por outras palavras, da abordagem criativa do chef Kiko a receitas que raramente se questionam ou que popularmente são de resultado previsível. Desengane-se, caso escolha o “Nigiri de lírio e marshmallow” (€8,40), em que o clássico corte japonês do peixe não é servido com arroz, mas sim montado num marshmallow que é afinal uma nuvem de espuma preparado com um caldo dashi. Chegam duas unidades para comer à mão.
“Pastel de nata de enguia”
Outras abordagens nesta experiência “nem tudo é o que parece” são a “Sanduíche de barriga de atum” (€13,70) que, em que o pão é substituído por um suspiro, e o tártaro do tunídeo acomoda ovo de codorniz e alface Iceberg; o “Bacalhau à Brás” (€9,30), que são afinal dois rolinhos de textura crocante que concentram os sabores do fiel amigo, da batata e da azeitona e comem-se em duas dentadas; e a “Gamba do Algarve com tapioca crocante” (€8,60), mais uma vez em dose dupla, que estas experiências merecem ser partilhadas, em que o dado (nova inspiração brasileira, país onde nasceu em 1979) cozinhado em bisque de marisco serve de suporte ao crustáceo. No topo, uma espinha comestível de tinta de choco, que olhos também comem.
A lista de entradas integra ainda “Pastel de nata de enguia” (€5,80), “Sashimi de lírio e tomate” (€13,40) e “Ostras da ria Formosa” (€8,90), com concha comestível e envoltas em creme e espuma do próprio bivalve, com chalota e final picante devido ao uso de jalapeños.
Antes dos pratos principais e fazendo um intervalo a esta odisseia pelos sabores marinhos do Le Bleu – Fish Bar, explique-se que este projeto de Kiko Martins tem também um os olhos no futuro. O chef prepara-se para entrar no competitivo mundo do fine dining em Lisboa, com a abertura de um novo restaurante no Príncipe Real. Até lá, é tempo de criatividade, experiências e afinações para um desafio nunca experimentado em nome próprio. Recorde-se que no portefólio do chef estão atualmente os restaurantes O Talho, A Cevicheria, O Poke, Las Dos Manos e O Boteco, todos em Lisboa.
Weelington de carrinho…
Novo aviso à navegação: nos pratos principais da ementa do restaurante Le Bleu – Fish Bar, que também podem ser partilhados, “a ilusão mantém-se”. No caso do “Risotto de black cod e aipo” (€14,70), o arroz está na salada e o aipo faz de cereal, enquanto no “Tagliatelle nero com lagostim” (€39,40), a pasta é afinal lula. Já no “Polvo e enguia no carvão” (€28,60), ilude-se o olhar dando a entender que os ingredientes estão queimados. A lista sugere ainda “Tagliolini al limone com gamba violeta” (€29,30) e obrigatório – nas palavras de Kiko Martins – “Salmonete com alho-francês” (€29,80).
O grande destaque, pela técnica, ousadia e pelo “tempo que levou para ficar no ponto desejado”, é o já famoso “Wellington de pregado e camarão Black Tiger” (€76,30) servido exclusivamente para duas pessoas. A abordagem marinha ao clássico “Beef Wellington”, com a típica massa estaladiça e espinafres, é levada até à mesa num carrinho e fatiada à frente do cliente. Acompanha com coração de alface grelhada, castanha do Pará, framboesas, finalizada com uma glace de enguia.
O menu termina com quatro opções de sobremesas que, mais uma vez, não são exatamente o que parecem. Destacam-se “Mousse de crème fraîche e granizado de romã” (€7,70), cujo segredo está no véu e na salada de espargos brancos, e “Mont-blanc de chocolate e cereja de avelã” (€9,40), inspirado na icónica criação “Floresta Negra” do chef Heston Blumenthal (Kiko Martins passou pelo restaurante Fat Duck durante a formação como cozinheiro). Nesta sobremesa, a cereja no topo é, afinal, avelã, com uma haste de tomilho tostado… Também como possível sobremesa, a equipa do Le Bleu – Fish Bar (Rua Saraiva de Carvalho, 131, Lisboa. Tel. 211370107) sugere dois cocktails de assinatura: “Crème Brûlée” e “Pain au Chocolat”, com o desafio de encontrar os sabores anunciados.
“Obrigado! Divirta-se!” convida o Kiko Martins nesta nova aventura por mares nunca antes navegados pelo conhecido chef de cozinha, de porta aberta apenas ao jantar, com exceção de sexta-feira e sábado, em que também serve almoços. Domingo e segunda-feira são dias de descanso.