Desde os primeiros desembarques de pessoas escravizadas vindas de África em solo português até aos dias de hoje passaram quase 600 anos. Estávamos no início de uma era imperial, e também colonial, que terminou– pelo menos esta última – há escassas 5 décadas.

Nesse período de tempo, a presença africana em Lisboa, que desde cedo perfazia cerca de 10% da população, deixou marcas indeléveis na capital portuguesa, que perduram, por exemplo, em nomes de ruas, como a do Poço dos Negros, cujo sentido ainda hoje se debate. Mas desapareceu praticamente de outros locais, como o Mocambo, considerado o primeiro bairro africano da Europa.

Nuno Fox

Hoje é o bairro da Madragoa, mais conhecido pela memória das varinas, as antigas vendedoras de peixe, oriundas de cidades da costa atlântica como Ovar: daí resulta o nome (o)varinas.

De forma pragmática, os descendentes de africanos foram integrados, não sem conflitos e sofrimento próprio, na vida económica e social da cidade. A mão de obra tornou-se indispensável ao funcionamento da cidade.

Os homens faziam trabalhos pesados e degradantes, habitualmente indesejados pelo resto da população. São os varredores, caiadores ou distribuidores de água. Das mulheres, diz-se que corriam “Lisboa de ponta a ponta” como vendedoras (de carvão, pescado ou bens alimentares que elas próprias confecionavam), para além de trabalharem como criadas domésticas que, entre as muitas funções, figurava a de levarem diariamente os calhandros com dejetos domésticos para o rio Tejo, o que lhes valeu a alcunha de calhandreiras.

Ao longo de quase seis séculos, há também casos excecionais de descendentes de africanos bem sucedidos: mulheres que chegaram a possuir casa próprias como Violante Fernandes; homens integrados nas confrarias religiosas como a da Nossa Senhora do Rosário dos Pretos.

Mais de 2.000 africanos negros lutaram, em 1580, contra a ocupação castelhana de Portugal. Poucas pessoas sabem que o médico Sousa Martins, com estátua venerada junto à Faculdade de Medicina, no campo Mártires da Pátria, era descendente de africanos.

E no início do ano, foi descerrado um busto do Pai Paulino, figura popular na Lisboa do século XIX, condecorado combatente da causa liberal. Esta é uma das raras representações da presença africana em Lisboa e fica no largo de São Domingos, ainda hoje local de reunião da comunidade.

Nuno Fox

No terceiro episódio de Histórias de Lisboa, Miguel Franco de Andrade conversa com a historiadora Isabel de Castro Henriques, pioneira nos estudos contemporâneos do tema africano em Portugal, e um dos temas incontornáveis é a história por detrás do painel de azulejos que compõe a imagem e capa deste podcast. Oiça aqui a entrevista.

Expresso

Histórias de Lisboa é um podcast semanal do jornalista da SIC Miguel Franco de Andrade com sonoplastia de Salomé Rita e genérico de Nuno Rosa e Maria Antónia Mendes.

A capa é de Tiago Pereira Santos em azulejo da cozinha do Museu da Cidade - Palácio Pimenta.

Ouça aqui as ‘Histórias de Lisboa’: