"Pôr as barbas de molho"
Provérbio Português

No ano de 1898, Portugal vivia uma situação interna muito difícil. Esta situação decorria fundamentalmente de uma crise financeira quase crónica em que o país se atolara desde as invasões francesas a que a perda do Brasil dera depois um golpe profundo. As guerras civis e a agitação civil-militar que se lhe seguiram – e que verdadeiramente só terminaram, e não completamente, com a institucionalização do Estado Novo, em 1933 –  impediram qualquer recuperação séria. Para além da crise financeira havia uma crise política derivada da estrutura organizacional do Estado que impedia qualquer exercício de autoridade e, ainda resultante do péssimo comportamento dos partidos. Esta crise política tinha-se agravado a partir do “Ultimato” de 1890 e da deterioração das condições financeiras do país, a que se tem de juntar a agitação introduzida pela ação do Partido Republicano que fez subir o patamar da instabilidade. Era o próprio regime monárquico que passava a estar em causa.

A crise política e financeira causava, por sua vez, um enorme mal-estar social e uma estagnação da economia com um muito deficiente acompanhamento da evolução tecnológica. Os imperialismos emergentes vieram, por outro lado, pôr em risco todas as possessões ultramarinas portuguesas com especial incidência nas existentes no continente africano. De facto, talvez o principal evento internacional do século XIX – que se seguiu ao Congresso de Viena, de 1815 - a Conferência de Berlim, de 1884/5, veio questionar todo o direito internacional anterior, cujo grande pilar eram os direitos históricos inerentes ao descobrimento e à posse, obrigando à ocupação efetiva, quer dizer administrativa e militar, dos territórios e ao desenvolvimento e civilização dos indígenas, o chamado “fardo do homem branco”.

Tudo isto obrigou Portugal a um enorme esforço de mobilização diplomática, financeira, social e militar, que as grandes debilidades dos fatores que compõem o Poder Nacional tornavam precárias e muito difíceis de sustentar. Apesar de tudo o que se conseguiu salvaguardar roça quase o milagroso…

A SITUAÇÃO INTERNACIONAL

É neste contexto que deflagra a guerra entre a Espanha e os EUA. A Espanha tinha saído, como Portugal, muito depauperada por via da Guerra Peninsular, que os nossos vizinhos apelidam de “Guerra da Independência”. As guerras civis e as confrontações político-ideológicas seguiram-se quase num paralelismo assimétrico – relativamente a datas – com o que se passava em Portugal. Destas devem realçar-se as "guerras carlistas". Desde 1825 que a Espanha se vira impotente em travar a independência da maioria das suas colónias na América Central e Sul. Deste modo, no fim do século XIX, o vasto império espanhol estava reduzido a Cuba e Porto Rico e, no Pacífico, às Filipinas e às Ilhas Marianas, Marshall, Carolinas e Guam. A partir de 1868 e durante 10 anos, despontaram guerrilhas em Cuba, conhecidos como “manbices” que pretendiam a autonomia da Espanha. Esta guerrilha foi combatida pelas autoridades espanholas que a custo conseguiram controlar a situação.

A partir de 1890 novos desejos independentistas despontaram, tendo sido criado nos EUA, em 5 de Janeiro de 1892, por José Marti, o Partido Revolucionário Cubano. Marti retornou a Cuba, em 24 de fevereiro de 1895, para participar nas ações armadas, que tinham sido retomadas no mês anterior. Foi morto em 19 de Maio de 1895, mas a guerra continuou. Os espanhóis deslocaram vários contingentes militares para manter a ordem e não se pode dizer que tenham sido meigos para com os revoltosos.

Entre 1880 e 1890 foram criados, por porto-riquenhos, vários partidos políticos que defendiam a independência do território, porém sediados em Nova Iorque. A Espanha declarou a autonomia de Porto Rico, em 25 de Novembro de 1897, embora estas notícias, só atingissem a ilha, em 1898. Por sua vez, nas Filipinas também despontaram movimentos pró independência a partir de 1892. José Rizal, André Bonifácio e Emílio Aguinaldo e Famy, são as faces mais visíveis desse espírito, que escalou para uma revolta armada, a partir de 26 de agosto de 1896.

Os EUA que, é bom lembrar, fizeram a sua independência contra a Europa, sempre apoiaram a emancipação dos povos das Américas Central e Sul, da tutela das potências europeias. A doutrina que sustentava tudo isto teve o nome do presidente que a formulou, Monroe, e tomou forma em 1823. A par de um certo isolacionismo dos EUA das contendas mundiais, defendia a não influência de potências estrangeiras (leia-se europeias) no continente americano. Ao mesmo tempo que, também deve dizer-se, os novos americanos brancos iam expandindo-se para Oeste dizimando todas as tribos indígenas que encontravam pelo caminho e encerrando os sobreviventes em reservas. Ao mesmo tempo que se expandiam para Sul à custa dos mexicanos e tentavam comprar todos os territórios adjacentes ao que já possuíam.

Esta ideia de comprar território por parte de sucessivos governos americanos é muito curiosa e típica e não me parece que se encontre exemplo semelhante em mais nenhum país do mundo. Vale a pena ilustrar com alguns exemplos: Compraram a Louisiana aos franceses, em 1803; Compraram a Florida aos espanhóis, em 1819; Compraram ao México parte do sul do Nevada, em 1853; Compraram o Alaska aos russos, em 1867; Compraram as Filipinas à Espanha, pelo Tratado de Paris, em 1898.

Arrendaram ainda por 250 mil dólares ao ano, o Canal do Panamá a este país – que aliás tinham ajudado a criar – a fim de o poderem controlar. Em 1961, ofereceram ajuda económica e financeira ao governo português, para abrirmos mão de Angola… Mais tarde vieram a expandir-se no Pacifico e é tal expansão que leva à guerra com o Japão, a partir de 1941.

Porém, o facto de os EUA apoiarem as independências naquilo a que passaram a chamar o “seu quintal das traseiras”, não quer dizer que se aprimorassem em respeitar essas independências. O tempo veio a provar que tal aparente filantropismo se destinava a melhor permitir a penetração dos interesses económicos e estratégicos estado-unidenses como o vasto domínio económico-financeiro da maioria daqueles países, por parte de inúmeras multinacionais americanas e numerosas intervenções militares na defesa daqueles interesses, amplamente demonstram.

A oposição à soberania espanhola nas Filipinas e em Cuba colheram, de imediato, apoio e simpatia na opinião pública e no governo de Washington. E neste último caso a guerrilha cubana chegou a ser abastecida por expedições navais clandestinas com origem na costa dos EUA, que a marinha espanhola não conseguia impedir. Porém as verdadeiras razões americanas inseriam-se no âmbito das ambições imperialistas, cujo fulcro residia na proteção e desenvolvimento das explorações de açúcar e tabaco já em mãos de companhias americanas e no estabelecimento de bases que permitissem a transformação do Golfo do México num lago americano.

A guerra hispano-americana é justamente considerada aquela que marca o início do expansionismo norte-americano fora das suas fronteiras. A campanha nos media americanos recrudesceu e o presidente americano William McKineley decidiu-se pela intervenção. O pretexto surgiu com a explosão ocorrida a bordo do couraçado Maine, da U. S. Navy, em 15 de fevereiro de 1898, entretanto enviado em visita ao porto de Havana. A explosão onde pereceram 260 marinheiros foi atribuída a sabotagem espanhola. O que ocorreu está ainda envolto em mistério, mas tudo aponta para que o sucedido tenha origem em acidente a bordo, que teria sido ou não provocado. Mas a que seguramente o governo espanhol é alheio.

Também é curioso verificar, diria, muito perturbador verificar, que quase todos os conflitos maiores, em que os EUA se envolveram, foram antecedidos de incidentes, que primam pela falta de clareza e linearidade: convido-os a investigarem o que antecedeu a guerra com o México, a participação na I e II GM, mas guerras da Coreia e do Vietname, o bloqueio de Cuba, e na invasão do Iraque. A partir do ocorrido no “Maine” os acontecimentos precipitaram-se: a 19 de Abril os EUA lançaram um “ultimato” a Espanha para abandonarem Cuba e, a 25, declararam guerra àquele país. A Espanha vivia em decadência política, económica e social, mas mesmo assim ergueu-se para se defender. As hipóteses de sucesso eram praticamente nulas mas, apesar disso, dispuseram-se à luta. As razões prendiam-se com o enorme diferencial militar e industrial entre os dois países, as enormes linhas de comunicação marítima a percorrer e a falta de aliados com peso na cena internacional, por parte da Espanha. Além disso os EUA dispunham do apoio tático da Inglaterra que, ao tempo, ainda era a maior potência naval do mundo.

Além disso a marinha espanhola, à partida mais fraca que a americana, teve que se fazer ao mar sem ter tempo de se preparar minimamente e teve que se dividir, seguindo uma esquadra para as Caraíbas, que escalou Cabo Verde durante algum tempo, para reabastecer e fabricos, e outra destinada às Filipinas, que lutou com toda a espécie de dificuldades para garantir pontos de apoio na sua rota.

O ataque americano deu-se primeiro na baía de Manila, onde o Almirante George Dewey destruiu a frota espanhola; em 19 de maio o General Emílio Aguinaldo liderando as guerrilhas derrota o exército espanhol e declara a independência. A 20 e 21 de junho os espanhóis são vencidos na batalha de Guam. A 3 de julho a US Navy destrói a esquadra espanhola na batalha de Santiago de Cuba e, a 25 do mesmo mês, invadem Porto Rico. Entre 25 de julho a 12 de agosto, dá-se a última batalha da guerra, em Manila. Os espanhóis capitulam e entra em vigor um armistício. A 14 de agosto os EUA enviam 10.000 homens para ocuparem as Filipinas e durante esse mês anexam o Havai. A 1 de outubro de 1898, pelo Tratado de Paris, a Espanha cedeu Cuba, Porto Rico, as Filipinas (parcialmente comprada por 20 milhões de dólares), Guam e várias ilhas do Pacífico. Os espanhóis tiveram cerca de 2.500 mortos, mais 3.000 feridos e perderam 21 navios de guerra. Os EUA tiveram cerca de 510 mortos e 1.300 feridos, e apelidaram todos estes eventos com os significativos termos de “esplêndida guerrinha”.[1]

Cuba foi ocupada militarmente até 1903 e constituiu-se, na prática, colónia dos EUA, até Fidel de Castro se ter apossado do Poder. Mesmo assim restou a base de Guantanamo. Quanto Às Filipinas só foram “libertadas”, em 1946.

É pois no âmbito da guerra com a Espanha que os EUA ponderaram a ocupação dos Açores que representavam um ponto de apoio fundamental para as operações navais no Atlântico Central. Tal posição representava a possibilidade de estender enormemente as áreas de operações, garantindo o abastecimento de água, mantimentos e carvão, produto essencial aos navios de então. Permitia ainda proteger forças e fortificar posições, ao mesmo tempo que se negava tudo isto a eventuais inimigos. Além disso os EUA ponderaram o uso dos Açores pois chegaram a colocar a hipótese de enviar uma esquadra sua atacar portos espanhóis nas Canárias e na Península.

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A posição do governo português era muito delicada. Por um lado a opinião pública portuguesa mostrava simpatia pela causa espanhola que, de certo, modo associou ao “ultimato” de 1890. Por outro lado, o governo sabia que não teria qualquer hipótese de se defender eficazmente de retaliações americanas e não podia contar com a Inglaterra para o ajudar neste âmbito. Ponderou pois a declaração de neutralidade, que acabou por fazer, dilatando-a o mais possível no tempo até por saber da existência da esquadra espanhola em Cabo Verde que, obviamente, teria que zarpar após essa declaração. OS EUA não deixaram de enviar uma nota diplomática lembrando isso mesmo.

A declaração de neutralidade também envolvia os seus riscos pois era preciso fazê-la respeitar e o estado muito depauperado do Exército e da Armada nacionais causavam os maiores receios. [2] Na altura disponível no Continente só havia um navio minimamente capaz de se bater – o pequeno couraçado Vasco da Gama, de 1400 toneladas, e os arquipélagos atlânticos encontravam-se fracamente guarnecidos de forças militares. A conjuntura internacional veio porém, algo incrivelmente, salvaguardar os interesses portugueses.

De facto a Grã Bretanha que nos vinha fazendo a vida negra em África e nos tinha humilhado com o “ultimato” de 1890, impedindo-nos de levar a cabo o plano do “mapa cor-de-rosa”, favorecendo escandalosamente os interesses do seu súbdito e figadal inimigo de Portugal Cecil Rhodes – Já agora como curiosidade, um dos fundadores de uma das sociedades secretas mais poderosas nos dias de hoje. A cumular toda a sua ação de falso amigo e aliado de circunstância, o governo inglês acordou com o alemão, um empréstimo bancário a Portugal, cuja penhora eram as alfândegas ultramarinas, convencidos que estavam, que Portugal não iria conseguir pagar o empréstimo e, deste modo, aqueles governos se poderiam locupletar com os territórios portugueses ajudando, assim, a dirimir as suas contendas.

O governo francês, porém, ao dar-se conta deste plano ofereceu-se para emprestar o dinheiro para o fazer gorar. Noutro âmbito, a guerra do Transval travada contra os Boers, obrigou os ingleses a aproximarem-se do governo português pois necessitavam de sua ajuda para vencer os futuros afrikaners, através da passagem de tropas e meios logísticos pelo corredor de Lourenço Marques – ao mesmo tempo que este seria negado a outros.

Para além disto, a Alemanha depois de ter batido a França, em 1870, era já a primeira potência económica da Europa, expandia-se fora do Continente e não parava de se armar. Quando, em 28 de Março de 1898, se deu inicio através da lei do rearmamento naval do Almirante Von Tirpitz, à construção de uma grande esquadra de alto mar, as campainhas de alarme soaram em Londres. Este facto marca o apartamento das duas potências – até então sempre aliadas – o que se veio a concretizar com a "entente-cordiale" com a França – um inimigo de sempre – a partir de 1904.

Porém, na altura, os dois países que se digladiavam por causa do controlo do Egipto e do Sudão, estiveram para entrar em guerra por causa do incidente de Fachoda, o que só ficou resolvido diplomaticamente no ano seguinte.

Acrescia a tudo isto a rivalidade com a Rússia no Afeganistão e Turquia. Ora a Royal Navy, que ainda era a maior marinha do mundo, estava dispersa por vários mares e oceanos, tinha que fazer face a várias possíveis ameaças e, por isso, além de necessitar de garantir a utilização dos portos portugueses, tinha que se certificar da sua negação a quem deles podia fazer uso contra os súbditos de S. Majestade. E entre estas potências estavam os EUA, a França e a Alemanha. O perigo era ainda maior, pois havia a hipótese daquelas potências poderem vir a querer obter pontos de apoio nas Canárias, nas Baleares e na Costa Marroquina.

Neste contexto os Arquipélagos portugueses do Atlântico tinham uma importância vital. Tudo isto exigia a renovação da Aliança Inglesa, o que ocorreu através do Tratado de Windsor, de 1899, onde a Inglaterra se comprometia a defender os territórios ultramarinos portugueses em troca do apoio nacional na luta contra os Boers. Foi o que sucedeu. Daí para a frente cada vez que mudava o governo em Portugal, a Inglaterra solicitava garantias secretas de que os portos portugueses seriam negados aos seus inimigos.

SÚMULA DAS OPERAÇÕES CONTRA OS ESPANHOIS

Os EUA prepararam-se para a guerra antes de a terem iniciado. Quatro cruzadores estacionaram em Lisboa, desde fins de janeiro de 1898 até meados de março. Tal facto preocupou os espanhóis por ser inusitado. Oficialmente os navios dirigiam-se ao Oriente, via Canal do Suez. Uma ordem suspendeu a viagem e manteve-os na capital portuguesa. O facto é que o Secretario da Marinha Americana estava a preparar a frota para um conflito, muito antes de o “Maine” ter aportado a Havana: não licenciou os marinheiros que tinham acabado as comissões de serviço; armazenou muito e bom carvão e colocou navios em pontos-chave. Um desses pontos de concentração era Lisboa. Só os navios aí ancorados tinham um potencial superior a toda a esquadra portuguesa. A situação não deixava, pois, de ser intimidatória…

A presença de esquadra americana servia, também, para fixar meios navais espanhóis em defesa da sua costa e assim não serem enviados para o Caribe. Providenciavam ainda vigilância, dissuasão e coligiam informações.

Uma outra razão ponderosa para a presença da esquadra em Lisboa poderia ser a interceção da esquadrilha de torpedeiros espanhola (6 + 1 navio auxiliar), comandada pelo Capitão-de-fragata Villaamil, que se preparava em Cádis, para seguir para Havana. O Almirante Sampson e Roosevelt queriam considerar a ida dos torpedeiros um “Causus Belli” e atacá-los de pronto. Os americanos temiam a chegada desta força às Caraíbas pois iriam tornar mais difícil o bloqueio a Cuba que intentavam fazer. O presidente americano opôs-se a um ataque preventivo sem declaração de guerra, mas os espanhóis não sabiam disso. Apesar de tudo as ações americanas iniciaram-se antes dessa declaração que teve que ser feita retroativa para legalizar agressões já realizadas! A embaixada dos EUA em Lisboa não se coíbe de apoiar uma “Cuba livre” e mantêm-se o contacto telegráfico com o embaixador em Madrid, de quem recebem instruções.

Desertam, entretanto, 50 marinheiros (nenhum deles natural dos EUA) o que era indicação certa de que uma contenda se preparava.

A 15 de fevereiro deu-se a explosão no “Maine”. Com a notícia de que a esquadrilha espanhola saíra de Cádis, a Esquadra Americana zarpou de Lisboa, a 13 de março, com destino incerto. Devido a várias avarias os torpedeiros espanhóis acabaram por se reunir em Cabo Verde e a Esquadra do Almirante Cerveira recebeu ordem para se lhes juntar, em S. Vicente, a fim de os proteger. As autoridades portuguesas apoiaram discretamente a marinha espanhola.

O tempo passava. A legislação internacional impunha tempos máximos de permanência de navios beligerantes em porto de país neutral. A pressão da imprensa e dos governos dos EUA e da Grã-Bretanha (GB) pesavam sobre Lisboa a fim de se fazer uma declaração de neutralidade e assim obrigar a esquadra espanhola a sair de Cabo Verde. Porém o Almirante espanhol foi-se deixando ficar e só saíram a 29 de abril, um dia depois da declaração da neutralidade portuguesa.

Após o desastre naval de "Canite" ocorrido a 1 de maio (Filipinas), o novo ministro da marinha espanhol concebeu os planos de atuação futura: Os navios seriam divididos em três divisões: uma delas defenderia as costas espanholas; outra iria atacar a Costa Este dos EUA e a terceira iria sobre as costas do Brasil para atacar o tráfego americano que se dirigia para o Pacífico. Para executarem o plano os espanhóis montaram um sistema de informações no Canadá, nas Bermudas e outros locais. Porém os EUA descobriam o plano e denunciaram a rede de informadores.

À GB interessava conter o conflito e não prejudicar o comércio marítimo (de que sempre viveram). A Europa dependia dos cereais americanos. Ora a guerra de corso espanhola prejudicava estes interesses, além de que iria provocar uma alta de preços. Por tudo isto a GB opôs o seu veto direto às intenções espanholas e os planos foram abandonados. Sem embargo, os EUA não tinham a certeza do que iria acontecer e pensaram que os navios espanhóis só poderiam atingir as suas costas apoiando-se nos arquipélagos portugueses dos Açores e Madeira. E que o governo português encarava a ajuda de boa mente. Deste modo o seu embaixador em Lisboa foi instruído para protestar contra qualquer apoio logístico à frota espanhola, nos Açores. O que de resto não estava nos planos espanhóis, por compreenderem a posição delicada em que colocariam o nosso país. Uma das divisões espanholas foi enviada para as Filipinas, tendo que dar a volta a África por os ingleses terem proibido a utilização do Canal do Suez.

Foi então a vez, de os EUA planearem o envio de uma esquadra para águas europeias a fim de atacar a esquadra que se dirigia às Filipinas e a costa espanhola e forçar, desse modo, uma decisão no conflito. Para abastecer esta frota planearam enviar cargueiros com carvão para os Açores. Os planos americanos para atacarem as Canárias punham em perigo a Madeira, conforme avisou o embaixador português em Washington.

A esquadra espanhola do Almirante Câmara partiu para as Filipinas, a 16 de junho e, a 27, a marinha dos nossos vizinhos organizou e dispôs torpedeiros e outros pequenos navios a fim de fazer face a eventuais ataques às suas costas e ilhas. A probabilidade da esquadra americana chegar às costas espanholas, preocupou também o governo português que chegou a pedir a diferentes potências europeias para enviarem navios seus para portos nacionais a fim de garantirem a nossa neutralidade. O que aconteceu com alguns países. A Inglaterra concentrou meios navais em Gibraltar a fim de dissuadir os EUA.

Por outro lado, o facto de se comemorar o IV Centenário da chegada de Vasco da Gama à Índia e isso originar a permanência em Lisboa, de navios de outras nações, ajudava os intentos do governo português. A crise espanhola estendeu-se a Portugal. A redistribuição das colónias espanholas foi um facto e ainda podia ter havido piores consequências relativamente ao território europeu e norte africano da Espanha.

Portugal poderia ser afetado em todo este turbilhão tanto na Europa como em África. Daí ter havido uma reaproximação com a Inglaterra e, na sequência do Tratado de Paz de Paris, ter-se dado um esfriamento nas relações luso-espanholas. Receava-se, outrossim, que a Espanha despojada das suas colónias e ferida no seu orgulho, pudesse lançar um olhar imperialista sobre o nosso país a fim de se compensar daquela derrota. A situação das cobiças sobre os Arquipélagos Atlânticos também não eram de molde a sossegar o governo português que, ajudado pela ação notável do Rei D. Carlos, e com um entendimento pouco usual com o partido da oposição, manteve uma atitude muito equilibrada e positiva em toda a crise.

Recordou-se na altura que o primeiro apoio à independência dos Açores, pelos EUA, remontara a 1891, no âmbito das suas ambições expansionistas. O trânsito da esquadra americana para a Europa punha naturalmente em perigo os Açores e a Madeira. E havia até nos Açores vozes que defendiam a independência e a república, baseando-se em queixas de “exploração” por parte de Lisboa.[3]

Por outro lado, o senador McEnery pronunciou as seguintes palavras, a propósito da anexação do Havai: “Esta anexação do Havai será apenas o começo da extensão do nosso território. As Filipinas seguir-se-ão, depois Cuba, Porto Rico e as Canárias e as restantes possessões coloniais da Espanha. E, a muito curto prazo, nós teremos uma desculpa para tirar, os Açores a Madeira e as Ilhas de Cabo Verde, a Portugal”. A Inglaterra surgiu assim na altura, como o único garante da defesa dos arquipélagos portugueses da cobiça de outras potências.

O afastamento de Portugal do seu vizinho espanhol resultou, para além da reaproximação à Inglaterra, do temor que a ordem política constituída em Espanha fosse alterada e houvesse apoio ao Partido Republicano Português. O governo enviou tropas para a fronteira como medida de precaução, tendo-se até equacionado a hipótese de sofrermos um ataque militar.[4] A aproximação de Portugal à sua velha aliada e a reafirmação do tratado de defesa mútuo foi, ainda, considerada em alguns círculos espanhóis, como uma traição. O mesmo se pode inferir de alguns termos de uma informação do embaixador espanhol em Lisboa, Polo Bernabé, que a propósito do tratado de Windsor, lembra que para além deste tratar das questões do Sul de África, pode servir para poder proporcionar a Portugal uma repartição em Marrocos, o aumento do território de Macau e, em caso de guerra com a Espanha, a probabilidade de estender a fronteira de Portugal com a Galiza. Felizmente que as tensões se foram atenuando e nenhum dos piores cenários se concretizou.

Em julho de 1901 a Família Real Portuguesa realizou uma visita aos Arquipélagos dos Açores e da Madeira em que se fez acompanhar de quase toda a renovada esquadra nacional. Independentemente do carácter político económico e social interno, a visita visou, objetivamente, uma dimensão estratégica, tendo como fulcro uma afirmação de soberania sem tibiezas. Ter governantes assim é uma bênção dos céus.

CONCLUSÃO

Desde os fins do século XVI, isto é, desde que o Exército e, sobretudo, a Armada nacionais deixarem de se poder bater de igual para igual (ou até com superioridade tecnológica e em armamento) com os seus inimigos tradicionais, que Portugal está muito dependente da conjuntura internacional (logo da Diplomacia) para a defesa dos seus interesses e até da sua sobrevivência. Fracos líderes e descuidos clamorosos na preservação e reforço do Poder Nacional têm resultado em numerosas amputações territoriais, perdas humanas, destruições de património e humilhações várias, sempre muito dolorosas e enfraquecedoras da Nação dos portugueses.

Estas coisas não estão confinadas ao passado, podem voltar a acontecer no futuro. Lamentavelmente, parecem ser poucos os portugueses que aparentam ter, sobre esta tese, alguma concordância. A importância dos Açores não acabou. Aliás os EUA não descansaram enquanto não se instalaram por lá. Logo na IGG a ameaça submarina alemã, que tornou fundamental a entrada no conflito dos EUA ao lado dos Aliados (embora já no fim do conflito), levou a que a marinha americana estabelecesse uma base em Ponta Delgada, a que os ingleses não se opuseram por já não terem meios navais suficientes para arcar com essa responsabilidade.

Mais tarde, já durante a II Guerra Mundial, a mesma ameaça submarina levou ao planeamento da operação “Live Bouey” para ocupar aquele arquipélago dada a relutância portuguesa em quebrar a neutralidade, o que já se faz por invocação da Aliança Inglesa. Primeiro instalam-se os ingleses, nas Lajes e depois os americanos, em S. Maria.[5] Posteriormente foi renegociada a mudança de instalações das forças americanas para a Lajes onde se encontram ainda hoje. A base é portuguesa e o professor Salazar teve o cuidado de nem sequer permitir que a bandeira dos “riscos e das estrelas” tocasse diretamente o solo nacional. E tornando os EUA devedores da nossa amizade, não se lhes cobrou um tostão pela utilização das facilidades, porque no entender daquele estadista de craveira internacional e grande patriota, não ser admissível arrendar nenhuma parcela de território nacional…

Esta postura foi modificada durante o consulado do professor Marcello Caetano que mudou o acordo de modo a permitir a obtenção de réditos financeiros e cedência de armamento para o Estado Português. E quando da Guerra do Yon Kipur, em 1973, o governo português quis manter-se neutral na contenda (o que implicava que o território nacional não fosse usado em apoio de nenhuma das partes) logo a diplomacia americana fez saber a Lisboa que iriam utilizar a base das Lajes no apoio a Israel quer o governo português quisesse ou não…).

Lá se têm mantido (e estou em crer que jamais sairão) aumentando ou diminuindo a sua presença conforme intuírem as suas necessidades.

É preciso lembrar que os Açores continuam na zona de interesse e a ser Espaço de Interesse Estratégico dos EUA e também da Inglaterra, França e Espanha (e até da Alemanha, que muito estuda o mar confinante). E não há evolução de armamentos ou de conjuntura internacional que possa pôr em causa a importância estratégica de Arquipélago. Melhor dizendo, dos Arquipélagos, que só por si garantem uma extensão de mar superior em 14 vezes à nossa extensão territorial e onde Portugal tem soberania limitada sobre duas enormes Zonas Económicas Exclusivas (ZEE) e duas Zonas de Informação de Voo (FIR de Lisboa e Santa Maria) e o alargamento da Plataforma Continental, que alargaria a área de exploração do leito do mar das 200 milhas da ZEE até às 350 milhas. Que são fundamentais para o país.

Por isso é que tem sido um erro fatal (que já leva 50 anos), termos voltado as costas ao mar e andado a destruir alegremente a Marinha Mercante e de recreio; a frota de pesca; a indústria naval e a reduzir a Marinha de Guerra à ínfima espécie (e tudo o resto que estava ligada ao Mar). Hoje em dia até a ligação entre Faro e o Funchal se faz num “ferryboat” (...) espanhol.

Hoje os Arquipélagos Portugueses continuam a representar uma plataforma logística indispensável entre a América do Norte, a Europa e o Norte de África; espaço de vigilância fulcral, de trânsito de submarinos e mais-valia insubstituível do alargamento da plataforma continental, centro importante para o controlo das pescas e, até de importância acrescida para atividades do âmbito aeroespacial (e agora também para eventuais rotas aéreas e marítimas que atravessem o Ártico. Seguramente que não foi por acaso que o Presidente da China Xi Jing Ping acompanhado do vice-primeiro-ministro chinês e numerosa delegação civil e militar, aterrou nos Açores, no dia 24 de julho de 2014, sendo recebido pelo então ministro da Defesa, Paulo Portas. [6] Por cá tudo passou despercebido, mas quem no mundo tem interesses estratégicos, certamente que tal facto foi referenciado (daqui a uns anos será curioso ler a documentação diplomática que haja sobre o assunto…).

A Aliança Inglesa continua, porém, a ser o único bordão bilateral a que podemos deitar mão nos dias que correm. E bem faríamos em “projetar” o nosso “triângulo estratégico” para o Atlântico Sul, algo que o Brasil não acompanha e a CPLP, por ainda ser uma espécie de nado-morto, em nada pode ajudar. Mas, para isso seria necessário ter políticos capazes de levar a cabo uma politica nacional portuguesa, e não se comportarem como serventuários de poderes temporais internacionalistas e, ou, olharem com enfado para questões que não entendem.

Em síntese, relativamente à Gronelândia não há nada de novo debaixo do sol. Pôr as barbas de molho? Engano nosso, a nação dos portugueses, tem de as manter sempre molhadas. É uma questão de segurança e sobrevivência.

Oficial Piloto Aviador (Ref.)

[1] É pois natural que o sentimento antiamericano, em Espanha se tenha mantido até aos dias de hoje, por causa destes eventos.

[2] Uma realidade que nos persegue frequentemente…

[3] Como houve, nos idos de 1975/6, por parte da Frente de Libertação dos Açores (FLA), organização política surgida no Arquipélago, por via da grande instabilidade política e social existente em Portugal, e que procurava apoios nos EUA.

[4] Já antes tinha havido um surto de “Iberismo”, o que levou, por oposição, à criação da SHIP, Sociedade Histórica da Independência de Portugal, em 24/5/1861 (na altura com o nome de “Comissão Central 1.º de Dezembro), do qual o primeiro presidente foi Feliciano de Andrade Moura. Instituição ainda existente e cuja missão não perdeu acuidade e atualidade.

[5] Convém referir que não é neural quem quer, mas sim quem pode. Na altura o governo português sabia o que fazia e não só reforçou a defesa do Arquipélago com 25.000 e meios aéreos e navais, como se dispôs a lutar e a “vender cara a pele”, o que levou os EUA a pensar duas vezes na invasão do território; a intervenção diplomática inglesa fez o resto.

[6] Esta visita foi antecedida de uma outra e seguida de mais duas, sempre com altos dignitários. Curiosamente todas elas se seguiram ao anúncio da Administração Americana de que iam reduzir a sua presença nas Lajes.