Há dias li o que apelido de insulto disfarçado à identidade da Língua Portuguesa ou um atentado ao direito humano, literalmente, relacionado com o direito da voz portuguesa de Portugal. Numa notícia, em finais de agosto de 2024, deparei-me com o deslumbramento de um autor que vale escrutinar. Publicou uma teoria – “Assim nasceu uma Língua” – com uma eugenia de laivos perigosos. E ainda defende um oráculo que condena o Português Europeu ao seu fim, substituído por “brasileiro”.
Foi isso que me chamou a atenção e me apelou à veia científica e de comentadora/analista. Recorri a uma das minhas áreas de formação – licenciatura em Ensino de Português, Latim e Grego. Depois, fiquei de espírito crítico mais vívido neste tema, porque me ajudou esta toda minha formação especializada e multiplicada em Psicologia que cultivei sol a sol na carreira, nunca descurando a análise psicológica da identidade da linguagem e da Língua Portuguesa. Ainda, no domínio do jornalismo televisivo, fico atónita se o oráculo tiver muitos ouvintes.
Não sou nacionalista, mas tenho plena consciência e conhecimento sobre o erro crasso na teoria do Doutor Venâncio, sobretudo nas suas alegações nada científicas e que quase insultam a identidade do Português Europeu. O tal perigo da Eugenia.
Isto espoleta algo perigoso porque parece que se tenta afogar um direito humano – porque, na minha objetiva, a língua materna é um direito humano porque nos permite expressar personalidade, sentimento e comunicar a todo o tempo numa comunidade equitativa e ativa. Se nos estrangularem o Português de Camões, o Europeu, estarão a instituir uma discriminação – aliás já está a iniciar-se – sem precedentes.
Costumo dizer – para vários campos da vida e mereça-se entender que a vida é feita de um tecido campal extenso – que há lugar para todos. E isto aplica-se às línguas também. Claro está que há ajustes que as vão modificando, mas de forma ligeira. Não são ajustes que matem uma língua em prol de uma teoria de extremo nacionalismo (não de Portugal) ou até de uma ideologia que deve ser analisada com preocupação: o Português Europeu, de berço de Portugal, deverá ser "brasileiro" num futuro assustadoramente precoce?
De forma nada prosaica, a teoria do especialista linguista Venâncio, e sendo escritor português, porém de nacionalidade holandesa, pode expressar uma opinião. Todos o podemos fazer. Uns com mais ou menos língua acertada. Mas expressar não é espremer a realidade da posição justa do Português de Portugal. Há quatro variantes da Língua Portuguesa, uma é a brasileira. Temos de respeitar as quatro por igual e não colocar soberania por causa de escalas ou réguas na geografia dos países.
E vamos à análise, com acurácia, de factos.
Primeiro facto falso: assim como a escrita começou com a civilização suméria; também o Português (sem variantes, na altura) descende do Latim, tais como as outras seis línguas românicas. Com a longa coexistência galega antes do Condado Portucalense ter soltado amarras para ser o país à beira-mar que o é até hoje, naturalmente a herança espanhola se sente e se assume sem problemas. O autor da suposta teoria refere que temos uma espécie de querela com Espanha, especialmente Galiza. Por essa situação de encontros linguísticos de origem.
Outro facto falso, pois se há "duelos" com Espanha não os são na Língua. Nem em nada. A não ser na ocupação atual (agosto de 2024) dos Portugueses quando decidem férias nas praias de Vigo com para-ventos (ou para parar o sol, fiquei na dúvida) a marcar posto no areal. E por falar em ventos, já conhecemos o ditado espirituoso: “de Espanha nem bons ventos, nem bons casamentos.”
Talvez o linguista não conheça o ditado por ser uma expressão idiomática do Português Europeu e da sua História de relações com Galiza e outras regiões da bela Espanha.
Terceiro facto falso: nunca o português do Brasil foi descurado ou até negligenciado por nós, os portugueses de Camões, como o teórico sugere a viva voz. Nem vou replicar as suas palavras porque são ofensivas e coloca um segundo conflito que chega a ter efeitos geopolíticos: Portugal-Brasil. Efetivamente até a realidade sociológica e económica demostra o contrário franco: adaptámo-nos e cedemos bastante da nossa língua no momento do Novo Acordo Ortográfico.
Aqui não há busílis, há erros a serem esclarecidos (que, aqui, se pretende), e há uma teoria de perigo contra a nossa língua e nação. Quando li um pouco mais as notícias na imprensa escrita e no CV do linguista, senti que me estavam a roubar um direito, uma identidade, uma herança. No plural, aos portugueses.
Reitero: há lugar para todos e língua para todos, mesmo com as suas nuances distantes. Afinal é da diversidade que surge a cor bonita das nações e da inclusão. Até aqui, só tentei combater um delito.
Assumido e vendido em oito edições de um livro que exclui o Português Europeu e já lhe teceu uma certidão de óbito com seres falantes cheios de sopro para falarem... em Português Europeu. Olhai que chega aqui uma espécie de caravela com uma nova descoberta: afinal estamos vivos e falaremos Português Europeu sempre, com muito apreço pela diversidade das variantes do Português e dos seus países tropicais do Ocidente ao Oriente, e sem precisarem de nos matar a voz, em Portugal.
Professora universitária, investigadora científica e escritora