Marta Temido declarou-se "perplexa" pela contratação de uma consultora para definir estratégias de governação. Pedro Nuno Santos ficou mesmo chocado e quis saber se essa tal empresa teria tido acesso a dados dos doentes. Distraídos que andam, quer a antiga ministra da Saúde e agora cabeça-de-lista às europeias pelo PS quer o ex-governante e hoje líder socialista nem se aperceberam que a dita companhia era recurso habitual dos governos de António Costa, de que ambos fizeram parte.
Durante a governação de Costa, essa mesma empresa que não lhes soa na memória faturou ao Estado mais de 2,2 milhões de euros, acrescidos de IVA, em 55 ajustes diretos, com valores a ir dos 11,3 mil euros até perto de 120 mil euros para serviços de consultoria e programação de software, todos eles assinados com estruturas do universo do Ministério da Saúde, todos eles trabalhando dados dos portugueses.
Mas Pedro Nuno Santos ficou desconfortável com esse imiscuir de privados nas estruturas do Estado, é coisa que não aprova. Apesar de, enquanto foi ministro de Costa, o governo socialista ter desembolsado perto de 1 milhão de euros em cinco dezenas de contratos só com aquela empresa. Apesar de o seu primeiro-ministro ter contratado um amigo para fazer o que cabia ao Estado nas negociações sensíveis e ter arregimentado outro para desenhar a distribuição da maior quantidade de fundos europeus que Portugal alguma vez viu e até ter pago 64 mil euros por oito meses de serviços de propaganda, apesar de ter em casa dezenas de assessores.
Marta Temido também não se recordava de tal coisa. Disse até, sacudindo qualquer responsabilidade que pudesse caber a outros e acabar nas suas costas — onde já repousam justamente a desastrosa gestão da pandemia e o caos que trouxe ao SNS —, que só falava por ela, pelos tempos em que geria a Saúde, e que desses dias não tinha memória de coisa tão inenarrável. Como aceitar um contrato de 9 mil euros para um outsorcing em Saúde? Ainda que durante os seus quatro anos como ministra tivessem sido pagos àquela mesma empresa perto de 1 milhão de euros para financiar prestações de serviços àqueles que tutelava.
A falta de memória, já o sabemos, é condição que tem afetado fortemente os socialistas. Um problema de saúde, diria mesmo. Senão, veja bem que não se lembram de aprovar indemnizações de meio milhão de euros a administradores da TAP por SMS; que não se lembram que não podem ultrapassar o chefe de governo em decisões estruturais como a construção de aeroportos; que não se lembram de ter dito que "adoravam ser autarcas" quando são empurrados para ir antes às europeias; que não se lembram de instruir os responsáveis de empresas públicas sobre o que devem dizer aos deputados; que não se lembram das repetidas vezes que anunciaram os mesmos fundos sem obra que se visse; que não se lembram de ter arrastado o Plano Ferrovia 2020 para pelo menos mais uma década além do prazo; que não se lembram que Portugal foi, entre 48 nações europeias, o 11.º pior em casos covid e o 15.º em total de mortes causadas pela pandemia.
Bolas, mas como haviam de recordar-se, se bem se vê que nem sequer têm já memória de terem estado eles mesmos, Temido e Pedro Nuno, aos comandos do país durante os últimos anos? Se não se lembram já que a sua gestão da Saúde, da Habitação e das Infraestruturas deixou os portugueses à beira de um ataque de nervos (a par do caos gerado pela extinção do SEF. Obrigada, Eduardo Cabrita e António Costa pelo vosso trabalho...)? Se tivessem memória, nem cara teriam para exigir que se curassem as feridas que eles próprios abriram e infetaram. É um caso de saúde, digo-vos.
Alguém faria um serviço ao país se mandasse entregar no Rato uns suplementos para a memória. E já agora, um chazinho de noção.
Diretora editorial