A economia russa tem sido alvo de discussões acaloradas desde o início da guerra na Ucrânia e a subsequente imposição de sanções pelo Ocidente. São muitas as vozes que tentam prever o colapso da máquina económica de Vladimir Putin, enquanto outras questionam como é possível que um país sob tanta pressão consiga manter a sua estabilidade. No entanto, o que parece evidente é que a situação está longe de ser linear, com contradições emergentes tanto nas análises económicas como nas respostas do Kremlin.
Por um lado, observamos uma narrativa que aponta para a “quase estagnação” da economia russa, como referem vários economistas ocidentais. A Business Insider, citando Anders Åslund, destaca que as sanções estão a reduzir o crescimento do PIB russo em 2 a 3% ao ano, o que poderia condenar o país a um futuro económico sombrio. A NATO, por sua vez, acusa a China de fornecer à Rússia o apoio económico necessário para manter viva a sua economia e para continuar a sua ofensiva contra a Ucrânia “durante muitos anos”.
Se olharmos para os números, vemos que o PIB russo cresceu 3,6% em 2023, uma taxa consideravelmente superior à de muitos países europeus. De acordo com as estimativas do Fundo Monetário Internacional, a Rússia poderá continuar a crescer a um ritmo de 3,2% em 2024, comparando-se favoravelmente com a previsão de apenas 1% de crescimento para a União Europeia. Este desempenho, para muitos analistas, resulta do esforço concentrado na produção militar, que levanta questões sobre a sustentabilidade de tal crescimento. Mas não podemos ignorar as exportações energéticas.
Parte significativa destes resultados deve-se ao papel central que China e Índia desempenham no novo alinhamento económico da Rússia. Forçada a afastar-se do Ocidente, a Rússia encontrou nos mercados orientais um espaço de crescimento e de escoamento das suas exportações de petróleo e gás. Atualmente, cerca de 90% das exportações de petróleo russo têm como destino estas economias, que têm um potencial de crescimento quase ilimitado. As exportações de gás natural para a China, por exemplo, deverão atingir um recorde histórico em 2024, consolidando a Rússia como um dos principais fornecedores de energia da potência asiática.
Ainda assim, é inquestionável que a economia russa enfrenta desafios significativos. A produção industrial, que tem crescido em grande parte devido ao esforço de guerra, oferece apenas vantagens de curto prazo, principalmente na criação de emprego. O desemprego na Rússia estava em 2023 num mínimo histórico de 2,9%. No entanto, esta aparente estabilidade laboral deve-se também à mobilização de centenas de milhares de homens para o exército e à fuga de muitos outros do país para evitar o recrutamento. Este fenómeno pode, a longo prazo, comprometer a sustentabilidade do mercado de trabalho e a vitalidade da economia civil.
Outro fator que não pode ser ignorado é a parceria crescente entre a China e a Rússia. O secretário-geral da NATO alertou recentemente para uma “parceria ilimitada” entre os dois países, que poderá prolongar a guerra na Ucrânia por muitos anos. O apoio da China não se limita ao campo energético; há também um fornecimento contínuo de equipamento militar, essencial para manter a base industrial militar russa operacional. Este apoio tem sido um pilar fundamental para a sobrevivência económica do Kremlin, mas levanta preocupações sobre a dependência excessiva que a Rússia está a criar em relação à China.
A longo prazo, resta saber se a Rússia conseguirá transformar a sua economia para além do esforço de guerra. A transição para novos mercados pode representar uma reconfiguração estratégica, mas a falta de investimento em setores não militares e a fuga de cérebros podem comprometer o futuro do país. Ainda assim, subestimar a capacidade de resiliência da economia russa seria um erro. A história recente demonstra que, mesmo sob sanções e pressão externa, a Rússia tem conseguido adaptar-se e encontrar novos aliados. É disso exemplo o bloco BRICS, que continua a ganhar relevância no panorama global.
A economia russa está num ponto de viragem. Embora o crescimento atual aparente não ser sustentável a longo prazo, o Kremlin tem mostrado uma capacidade ímpar de adaptação, reforçando parcerias estratégicas e reorganizando o seu modelo económico. O futuro da Rússia permanece incerto, mas a guerra e as sanções parecem não ter o impacto devastador que muitos previram inicialmente.
Resta-nos continuar a monitorizar os desenvolvimentos da Rússia. Só o futuro nos dirá se a economia russa colapsa ou se reconfigura com sucesso.