
No Alentejo, a Primavera é tempo de tosquia e convida a reflectir sobre a situação — dramática — do sector da lã. Como fibra natural, a lã é constituída por cerca de 50% de carbono biogénico. Este carbono é parte de um ciclo natural, no qual foi previamente fixado por plantas que, através da fotossíntese, o capturaram quando estava na forma de dióxido de carbono (CO2) livre na atmosfera. Do outro lado da equação do carbono temos o metano (CH4) emitido pela fermentação entérica do processo digestivo dos ovinos, que se considera ter um potencial de aquecimento 25 vezes superior ao do CO2.
O resultado desta equação, na óptica do impacto sobre o estado do planeta, tem sido disputado e polarizado, com uns a considerarem a lã a bête noire das fibras, ao passo que outros se empenham numa defesa baseada num certo "naturalismo", em que tudo o que é natural tem, necessariamente, que ser bom.
Face à complexidade de fileiras como a da lã, aquelas perspectivas parcelares ficam necessariamente aquém do quadro geral para uma análise equilibrada. À luz do conhecimento actual, questões deste género só podem ser correctamente avaliadas com metodologias como a Avaliação do Ciclo de Vida (ACV), que avalia, de forma sistemática as entradas e saídas e os impactos ambientais associados a todas as etapas de vida de um produto, desde a produção das matérias-primas até ao destino final (reciclagem, eliminação, etc.).
Para produtos como a lã, as ACV consideram tipicamente quatro fases: (1) na exploração; (2) processamento e manufactura; (3) fase de uso e (4) fim de vida[1].
Existem diversos artigos publicados com ACV a várias fibras têxteis, nos quais se observa uma tendência para destacar a importância da fase de uso na estimativa dos impactos globais dessas fibras o que, trocado por miúdos, significa que, quantas mais vezes se usar uma peça, menor será o seu impacto ambiental.
Neste quadro, a lã, além das características de utilidade e conforto reconhecidas há milénios, apresenta uma série de outras características (é renovável, biodegradável, reciclável e tem baixo custo de manutenção) que a tornam particularmente adequada a uma vida longa, que pode reduzir o impacto ambiental daquilo que vestimos. Acontece que esta vida longa colide de frente com a tendência de fast-fashion que marca o tempo que vivemos e que representa, por si só, um problema.
A nível mundial, a lã representou, em 2023, apenas 0,9%[2] da produção de fibras têxteis, enquanto, na Europa, se estima que entre 50% a 80% da lã produzida não chega à indústria, ficando a apodrecer no campo, sendo enterrada ou, pior, queimada. A razão principal é o preço, não tomado absolutamente, mas por comparação com as fibras sintéticas, na sua maioria co-produtos da indústria do petróleo, o que garante, enquanto a humanidade depender do petróleo, abundância das matérias-primas que as constituem, a muito baixo preço, permitindo abraçar, sem limites e sem remorsos, a referida tendência para a fast-fashion.
No entanto, o preço baixo esconde uma face sinistra: sabe-se hoje que, além das fibras sintéticas estarem umbilicalmente associadas ao sector maior contribuidor (73,2%, em 2016) para a emissão de gases com efeito de estufa[3], são também um dos principais contribuidores (entre 16 e 35%) para a poluição por micro-plásticos que, além de problemas ambientais, influem negativamente na saúde animal e humana[4].
Por tudo isto, é vital informar os consumidores, para que, no momento da compra, saibam, de facto, a pegada ambiental do que estão a comprar. É aqui que se enquadra o desenvolvimento do método PEF[5] pela Comissão Europeia, em que se definem conjuntos harmonizados de regras para permitir avaliações fiáveis e transparentes dos impactos ambientais dos produtos.
As regras para vestuário e calçado estão em desenvolvimento[6], mas, para já, não incluem a questão dos microplásticos, por se considerarem as metodologias ainda em desenvolvimento. Sendo esta questão tão relevante e a tantos níveis, a sua omissão, além de enganadora para os consumidores, será muito lesiva, não só para a lã, mas para todas as fibras naturais[7].
Enquanto estas questões não se clarificam, podemos sempre, nas nossas compras, recorrer ao velhinho bom-senso, bem ilustrado no texto seguinte[8]:
Se hoje fosse anunciada uma nova fibra têxtil que:
- fosse produzida ao ar livre, com baixo consumo de energia, sem subprodutos nocivos ao ambiente, a partir de matérias-primas simples e inesgotáveis e com um leque amplo de comprimentos e espessuras
- fosse fácil de processar, de misturar com outras fibras, de tingir, que feltrasse naturalmente e que aceitasse prontamente tratamentos especiais;
- tivesse sido exaustivamente testada em todo o tipo de situações, quimicamente neutra, sem riscos de alergias desconhecidas, não tóxica, não irritante, capaz de confortar bebés e de eliminar úlceras de pressão em doentes acamados;
- que fosse arejada, elástica, flexível, resistente ao fogo, repelente de água, com propriedades de isolamento térmico e acústico e que naturalmente reduzisse os odores corporais e a electricidade estática;
- que fosse resistente à sujidade, ao amarrotamento e facilmente lavável a baixas temperaturas;
- que fosse durável, resistente ao bolor e à degradação bacteriana;
- e que, no fim, fosse facilmente reutilizável e completamente biodegradável.
Diríamos que esta fibra seria um milagre, a solução para muitos problemas. As fibras que obtemos das ovelhas são um milagre.
Engenheiro Agrónomo e Agricultor
[1] Wiedemann, S., Biggs, L., Nebel, B. et al. Environmental impacts associated with the production, use, and end-of-life of a woollen garment. Int J Life Cycle Assess 25, 1486–1499 (2020). https://doi.org/10.1007/s11367-020-01766-0
[2] TextileExchange - Materials Market Report (2025). Obtido em "https://textileexchange.org/app/uploads/2024/09/Materials-Market-Report-2024.pdf"
[3] Hannah Ritchie (2020) - “Sector by sector: where do global greenhouse gas emissions come from?” Published online at OurWorldinData.org. Obtido em: 'https://ourworldindata.org/ghg-emissions-by-sector'
[4] European Environment Agency (2022) - Microplastics from textiles: towards a circular economy for textiles in Europe. Obtido em "https://www.eea.europa.eu/publications/microplastics-from-textiles-towards-a"
[5] Product Environmental Footprint (consultar em "https://green-forum.ec.europa.eu/environmental-footprint-methods/about-environmental-footprint-methods_en")
[6] https://pefapparelandfootwear.eu
[7] Caso esta questão lhe interesse, pode saber mais e assinar uma petição em: https://www.makethelabelcount.org
[8] Texto em inglês, extraído do livro "Ull-hemligheter, möjligheter, färdigheter”, Gustafsson, K., Waller, A. 1988; tradução livre do autor. Um agradecimento especial a Marie-Thérèse Chaupin pela disponibilização da versão em inglês.