A desgraça externa une internamente. A máxima política é antiga, mas a sua tradução prática não podia ser mais atual. Quando acontece uma catástrofe, natural ou humana, como uma guerra, por exemplo, e cujas razões fogem ao controlo de um governo ou de uma sociedade, geralmente, assiste-se a um fenómeno de união e sentido patriótico muito mais apurados do que em circunstâncias ditas normais. Foi assim nas duas Grandes Guerras, como noutras, e é assim sempre que um desastre atormenta um povo. A Ucrânia não foi exceção.

O sentimento em torno de uma nação atraiçoada pela História uniu os ucranianos porventura de uma forma que nunca antes as gerações vivas viram. O mesmo se viu pela Europa. A onda de solidariedade europeia em torno da questão ucraniana e dos ucranianos fugidos da guerra foi brutal. E essa, sobretudo, jamais foi vista anteriormente. Mas os três longos anos do conflito na Ucrânia obrigaram a cisões ao longo do tempo, quer entre governantes, quer entre governados. A fadiga da guerra é um fenómeno real. O Presidente Zelensky não escapou a ele. Foi vítima de questionamentos internos quando as coisas começaram a correr pior no campo de batalha; levantaram-se as vozes das alas mais radicais da política ucraniana contra a gestão de guerra de Zelensky; e, mais tarde, chegou mesmo a estar em causa a sua legitimidade, por conta da falta de eleições (por sua vez relacionada com a lei marcial em vigor desde o início da guerra).

A popularidade do Presidente ucraniano viu melhores dias nos primeiros tempos do conflito. Depois, começou a decair. Mas um episódio concreto redirecionou esta tendência.

Se a Ucrânia já estava nas bocas do mundo, depois do encontro de Zelensky com Donald Trump, a 28 de fevereiro, o país passou a estar nos corações do mundo. A vergonha alheia dominou aquela conversa para quem a viu de fora. Zelensky foi apanhado numa emboscada que mais não serviu se não para acordar imediatamente a Europa para a necessidade urgente de se rearmar e pôr mãos à obra em direção à sua independência face ao comummente denominado chapéu americano.

Trump e Vance protagonizaram um dos momentos mais decadentes da política e diplomacia norte-americanas, sem sonhar que estavam a colocar o Presidente ucraniano - aquele que pretenderam espezinhar - no elevador da popularidade. Veja-se que até a farda de Zelensky, que fora um dos pontos que levou Trump e Vance a exercer bullying sobre o homólogo ucraniano, atingiu níveis astronómicos de procura e encomendas. Mas isso não é certamente o mais importante.

Antes, o que de melhor se conseguiu neste encontro aparentemente desastroso (mas quiçá bastante proveitoso para o herói ucraniano) foi uma subida de 10 pontos percentuais na taxa de aprovação do Presidente Zelensky entre os ucranianos. Uma sondagem levada a cabo pelo Kyiv International Institute of Sociology, entre 24 de fevereiro e 4 de março, revela que esta taxa de aprovação atingiu os 68%, contrastando com os anteriores 58%. O grande salto aconteceu justamente após a reunião de 28 de fevereiro na Sala Oval, razão pela qual vale sempre a pena ver o copo meio cheio.

A mesma sondagem demonstra que, antes de 24 de fevereiro, eram 37% os ucranianos que não confiavam em Zelensky. Depois do encontro em Washington, esta percentagem desceu para 29%.

Enquanto Zelensky recuperou parte da confiança dos seus conterrâneos, na Europa soaram alarmes acerca do fim confirmado da direção da política externa norte-americana em relação à guerra na Ucrânia. Afinal de contas, ao humilhar o Presidente ucraniano, Trump estava a fazer uma escolha na dinâmica global do conflito. Infelizmente para a Ucrânia, para a Europa e para as relações transatlânticas, essa escolha oferece à Rússia razões para a crer que, sempre que puder avançar no terreno, cada vez menos forças a impedirão – o que é confirmado pelos ataques massivos da Rússia na madrugada de 8 de março.

Cabe agora à Europa trabalhar para cobrir as fissuras abertas por Trump, mais do que ceder perante a chantagem americana ou lamentar-se fingindo, como sugeriu o Presidente do Conselho Europeu, que “entre amigos pode haver problemas”. Trump não anunciou um problema, mas o fim da amizade. O preço a pagar pela manutenção dessa amizade é a total submissão de um amigo perante o outro e a isso chamamos bullying.