No passado dia 21 de junho, os magistrados do Ministério Público reunidos em Assembleia Geral Extraordinária do Sindicato dos Magistrados, recomendaram à Direção a realização de uma greve nacional nos dias 9 e 10 de julho e regional nos dias 11, 14 e 15 de julho (Lisboa, Porto, Coimbra e Évora).

Esta decisão não foi tomada de ânimo leve pelos magistrados, tendo resultado da postura inflexível do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) e do Procurador-Geral da República. Antes disso, foi entregue à Procuradoria-Geral da República uma carta aberta, subscrita por 75% dos magistrados do Ministério Público, a solicitar a anulação da deliberação do CSMP relativa ao movimento anual de magistrados, tendo ainda sido realizada uma reunião com o Procurador-Geral da República.

Importa salientar que foi a primeira vez que uma carta aberta reuniu o apoio de um número tão significativo de magistrados, o que demonstra claramente o descontentamento gerado pela referida deliberação. No entanto, a vontade expressa pela larga maioria dos magistrados foi ignorada, não tendo sequer sido submetida a votação no CSMP a possibilidade de anulação ou suspensão do movimento.

Contudo, esta greve não se dirige contra a hierarquia do Ministério Público, nem contra o Procurador-Geral da República, o Conselho Superior do Ministério Público ou sequer o Ministério da Justiça. Trata-se, antes, de uma greve em defesa do cidadão, que é o destinatário final do trabalho desenvolvido pelo Ministério Público e a quem deve ser assegurada uma intervenção de qualidade e especializada nas diferentes áreas em que esta magistratura atua (trabalho, família e menores, cível, comercial, execução, penal, administrativo e tributário).

É, assim, um apelo dirigido à Procuradoria-Geral da República, ao Conselho Superior do Ministério Público e ao Ministério da Justiça para que reconheçam a realidade vivida no seio do Ministério Público: a exaustão dos seus magistrados — muitos deles em situação de elevado ou mesmo extremo risco de burnout —, a inexistência de medicina no trabalho, a precariedade agravada pela extinção de lugares e pela transformação de lugares de efetivo em auxiliar, bem como a importância fundamental da especialização, que não pode ser negligenciada. É imperativo garantir aos cidadãos um serviço público de excelência, qualificado e especializado.

Esta greve é também uma luta pelo bem-estar físico e psicológico dos magistrados do Ministério Público, que se encontram no limite das suas capacidades e correm o risco de já não conseguirem responder a necessidades básicas da sociedade. Não se trata de um capricho: perante o volume de trabalho atual, os magistrados já não conseguem garantir a proteção eficaz das vítimas de violência doméstica — havendo procuradores responsáveis por centenas de processos desta natureza — nem das crianças. A sobrecarga é tal que a vida de pessoas está, efetivamente, em risco.

Com a recente deliberação do CSMP, que introduz uma mistura de competências, a situação tende a agravar-se ainda mais. Deixaremos de ter uma magistratura especializada em áreas cruciais, como a família e menores, para passar a contar com uma magistratura multifuncional e generalista, a quem é exigido que trate processos de naturezas muito distintas. Um procurador que, nos últimos 15 anos, se dedicou à proteção de crianças e jovens não está preparado para despachar inquéritos de violência doméstica ou de criminalidade económica complexa. O resultado será a perda de qualidade no trabalho especializado que antes era desenvolvido, comprometendo-se, em simultâneo, a resposta na área criminal. Não queremos um dermatologista a fazer cirurgias cardíacas nem um professor de português a dar aulas de matemática.

Esta greve é, de forma inequívoca, legítima, pertinente e absolutamente necessária. Surge em defesa da dignidade do Ministério Público, da sua especialização e qualificação, do Estado de Direito Democrático e do papel essencial que o Ministério Público desempenha na proteção dos direitos dos cidadãos e na salvaguarda da legalidade democrática.

Esta greve é, igualmente, uma forma de contestação a uma deliberação do Conselho Superior do Ministério Público ilegal, injusta e errada. É ilegal porque usurpa competências do poder legislativo, viola princípios constitucionais e estatutários, nomeadamente os princípios da igualdade, inamovibilidade, segurança, estabilidade, bem como os deveres de consulta pública e de fundamentação. É injusta, pois agrava de forma significativa a carga de trabalho da grande maioria dos magistrados do Ministério Público. É errada porque compromete, de modo irreversível, a capacidade de resposta e a qualidade do trabalho dos magistrados do Ministério Público perante o cidadão e prejudica a boa administração da Justiça, afetando gravemente a qualidade do serviço especializado prestado à comunidade — em clara divergência com o programa do XXV Governo Constitucional.

É expectável que, nos próximos tempos, surjam as habituais críticas ao SMMP, vindas de quem revela dificuldade em aceitar, em democracia, a existência de um Sindicato com 50 anos de história, reconhecido e respeitado tanto a nível nacional como internacional, cuja voz tem sido — e continua a ser — incómoda para alguns poderes instituídos.

Compete ao SMMP não apenas a defesa dos interesses profissionais dos magistrados, mas também a salvaguarda coletiva da dignidade das suas funções e das instituições democráticas da justiça.

Esta é uma greve que os magistrados do Ministério Público não desejavam, mas que se veem obrigados a realizar em defesa de todos e pela qualidade da justiça.