
O tema água em Portugal segue um ciclo mediático: atenção durante situações de seca e cheias, e quase esquecimento quando tudo parece correr bem. Talvez por isso, a recente estratégia “Água que Une”, que irá informar o Plano Nacional da Água 2025-2035, passou quase despercebida apesar de ser um documento relevante e com um título inspirador. Mas se a palavra-chave é unir, então que se una verdadeiramente.
A estratégia prevê um número impressionante de medidas - 294. Leu bem: duzentas e noventa e quatro medidas, embora muitas constem já de outros documentos, como por exemplo dos Planos de Gestão de Região Hidrográfica, entre outros. É necessária uma articulação mais efetiva entre as medidas para que o documento transpareça a tão desejada visão de união, que traduza de forma coerente a abordagem integrada que a estratégia propõe.
Conseguir unir os usos de água dentro do mesmo território é um desafio, e esta estratégia não se manifesta sobre os constrangimentos inerentes aos potenciais conflitos entre a agricultura, o turismo, a indústria e a proteção e restauro dos ecossistemas, nem apresenta soluções para os ultrapassar ou para criar sinergias entre as várias utilizações.
Mais atenção deveria ser dada à eficiência e resiliência dos sistemas de abastecimento. Devem equacionar-se, de forma mais efetiva, origens alternativas de água, como a reutilização de águas residuais tratadas, a importância da dessalinização e a relevância da recolha e utilização de águas pluviais com a vantagem de terem uma distribuição menos irregular no tempo e no espaço.
O nosso sistema político é prolífero em planos. Mas sem uma articulação coerente, a mera existência de planos não garante uma política efetiva e mobilizadora. A “Água que Une” falha na promoção de uma política da água mais coerente. Acresce que as medidas incidem sobretudo na água superficial e costeira, cruciais para a produção alimentar sustentável, enquanto as águas subterrâneas, apesar de reconhecidas, surgem com menos destaque, quando a sua sobre-exploração está documentada e a interdependência com a água superficial exige uma governança articulada.
A estratégia une água e energia, mas poderia ir mais além e ser mais exigente relacionando água–energia–alimentos–ecossistemas permitindo, assim, uma melhor gestão e conciliação dos diferentes usos, assegurando simultaneamente, as necessidades dos ecossistemas terrestres e costeiros, também determinantes na produção alimentar. Ignorar este objetivo torna mais difícil resolver crises como as que derivam, por exemplo, dos impactos das alterações climáticas, muito significativos a sul do Tejo. A componente ecológica, bem como a relação água-solo carecem de medidas suficientemente robustas e visíveis para responder aos desafios que solucionem os problemas.
A estratégia promete unir todos os atores, mas, apesar das auscultações realizadas, o papel das comunidades locais permanece pouco visível como agentes ativos na implementação. A estratégia reconhece a complexidade da governança da água, mas a sua concretização exigirá uma verdadeira operação diplomática ainda por clarificar. Uma governança clara e participada do recurso água requer saber como, quando e com quem. Mais operacionalização é necessária.
Para que um Plano Nacional da Água 2025-2035 se constitua como um instrumento de mudança, é preciso que a estratégia considere uma atuação mais efetiva relativamente às vulnerabilidades que as projeções climáticas indicam. A política da água deverá integrar conhecimento e inovação, soluções de base natural, e perspetiva territorial de forma sistémica, com uma visão de longo prazo que não esqueça que entre palavras e ações vai um longo curso de água...
*Alexandra Teodósio, Carla Antunes, Luís Chícharo, Margarida Ribau-Teixeira, Sara Raposo (Universidade do Algarve)
Ana Fialho, Ana Isabel Mendes, António Chambel, Carlos Alexandre, Diogo Costa, Helena Novais, Manuela Morais, Pedro Anastácio (Universidade de Évora)
Maria José Roxo, Paulo Diogo, Pedro Santos Coelho (Universidade NOVA de Lisboa)