Este é um projeto que custou 1,4 mil milhões de dólares e que tem um orçamento anual de 100 milhões de dólares, gerido pelo Observatório Europeu do Sul (o ESO) – do qual Portugal faz parte desde 2000 –, o Observatório Nacional de Radioastronomia (NRAO) dos Estados Unidos e o Observatório Astronómico Nacional do Japão (NAOJ).
Basicamente, ao combinar todas as suas antenas, o ALMA, situado no seco e árido planalto de Chajnantor, uma das regiões do deserto chileno de Atacama, consegue captar sinais vindos do espaço ao longo de uma superfície de 6569 metros quadrados, o equivalente a pouco mais do dobro do tamanho da área metropolitana de Lisboa.
Eis a lista das principais descobertas que o ALMA fez desde que começou a perscrutar o céu, há precisamente dez anos.
Buracos negros: a descoberta mais importante do ALMA não se vê nesta imagem, mas ela está mesmo lá
A primeira imagem visível de um buraco negro supermaciço – ou melhor, do gigantesco disco de matéria que se forma em torno deste fenómeno – foi divulgada a 10 de abril de 2019, uma data que ficou na história da ciência e que contou com o contributo do ALMA e de sete outros radiotelescópios de observatórios situados fora do Chile. Até ao momento, constitui a descoberta mais importante em que esteve envolvido.
Trata-se da evidência direta de que existe um buraco negro supermaciço no centro da galáxia Messier 87, situada no Aglomerado de Virgem, um local do Universo que, estima-se, tem entre 1300 a 2000 galáxias. Um dos aspetos mais extraordinários é que este objeto, dotado de uma massa 6,5 mil milhões superior à do Sol, está a 55 milhões de anos-luz da Terra (sendo que cada ano-luz corresponde a uma distância que ronda os… 9.400.000.000.000 quilómetros).
No centro da imagem obtida, ou melhor explicando, na zona que corresponde ao buraco negro, apenas se vislumbra uma escuridão absoluta: isto sucede porque nada no Universo consegue escapar à sua força de atração, tudo é sugado para o seu interior, incluindo as partículas de luz (os fotões), daí que não seja capaz de emitir luminosidade como todos os outros objetos que existem no espaço. Contudo, é possível encontrar a radiação eletromagnética emitida pelo disco de acreção (o anel cheio de matéria) que se forma ao seu redor, criado pela sua força gravitacional, e que funciona como um marcador para a existência de um buraco negro. No caso da galáxia Messier 87, o disco de acreção do seu buraco negro tem um diâmetro de 40 mil milhões de quilómetros.
Apesar de este diâmetro parecer grande, face à vastidão do Universo acaba por passar despercebido: é o equivalente a tentar encontrar e medir, a partir da Terra, um cartão de crédito que está na superfície da Lua.
Para se conseguir o registo visual deste buraco negro foi preciso que oito radiotelescópios – incluindo o ALMA –, espalhados pelo globo e situados em locais de grande altitude, combinassem os seus esforços. Basicamente, recorreu-se ao ao método de interferometria para fazer a descoberta, com os oito radiotelescópios perfeitamente sincronizados e a operar como se fossem um só radiotelescópio (algo possível graças aos seus relógios atómicos) enquanto perscrutavam o céu ao longo de 2017, em busca de radiação com 1,3 milímetros de comprimento de onda capaz de indiciar a existência de buracos negros. Os dados de todos os radiotelescópios – por dia, cada um reunia 350 terabytes de informação – foram combinados e analisados por supercomputadores, recorrendo-se a inovadoras ferramentas computacionais para depois converter o que se observou em imagens visíveis a olho nu.
Todo este processo acaba por ser uma súmula, em ponto grande, de como opera o ALMA, já por si um projeto de radioastronomia de grande envergadura.
A colisão de galáxias provoca o nascimento de novas estrelas
Somente alguns dias após ter começado a fazer ciência, ainda durante a fase de testes iniciais do observatório, a equipa que opera o radiotelescópio de Chajnantor, usando apenas 12 das suas antenas, obteve uma impressionante imagem que não pode ser vista através da luz visível (a radiação eletromagnética que os nossos olhos captam) ou recorrendo a telescópios que observam na banda do infravermelho: a dança de duas galáxias em colisão, a 70 milhões de anos-luz da Terra, com a atração gravitacional de uma sobre a outra a gerar as formas distorcidas que têm.
A imagem das Galáxias Antena, nome que se deu ao duo de galáxias NGC 4038 e NGC 4039, foi combinada com observações obtidas pelo telescópio espacial Hubble, tendo sido revelada ao público a 3 de outubro de 2011. O que podemos ver nela (em baixo)?
A radiação visível, que surge a azul, mostra as estrelas recém-nascidas nas galáxias. Todavia, o ALMA consegue captar aquilo que não pode ser visto no comprimento de onda desse tipo de radiação. Falamos das nuvens de gás denso e frio a partir da qual essas estrelas se formam, e que surgem nesta imagem a vermelho, rosa e amarelo. Para conseguir registar estas nuvens foi preciso fazer observações com comprimentos de onda dentro do espectro da radiação milimétrica e submilimétrica, as quais são capazes de detetar as moléculas de monóxido de carbono das nuvens de hidrogénio em que se formam as novas estrelas.
Este tipo de observações, apenas possíveis através dos comprimentos de onda de um radiotelescópio como o ALMA, são fulcrais para ajudar a compreender como é que as colisões de galáxias dão origem a novas estrelas.
Todavia, a imagem divulgada no início de outubro era somente o aperitivo para o que o ALMA iria ser capaz de fazer, até porque com mais antenas em funcionamento (o resto ainda estava em vias de ser instalado) o resultado seria sempre uma imagem com maior nitidez do par de galáxias, ainda mais do que as fotografias obtidas pelo telescópio espacial Hubble.
Coisas nunca antes vistas no espaço: estrelas jovens que têm açúcar à sua volta e estrelas velhas que se desfazem sob a forma de uma espiral
Desde então, que outras descobertas de monta protagonizou? Em abril de 2012, o observatório apontou um quarto das suas antenas para um dos pontos mais brilhantes do céu, a estrela Alpha Piscis Austrini, mais conhecida por Fomalhaut, localizada a 25 anos-luz de nós. Os astrónomos envolvidos na investigação conseguiram obter imagens nunca antes obtidas do disco de matéria que rodeia essa estrela, dotadas de uma enorme nitidez. Esse nível de detalhe, obtido graças a comprimentos de onda com cerca de um milímetro de diâmetro, revelou que as bordas interior e exterior do disco de poeira se encontram muito bem delineadas, o que permitiu concluir – após combinarem os dados observados com simulações de computador – que tal ocorre devido à existência de dois planetas: um entre a estrela e o disco e outro na região exterior ao disco.
Mais. Conseguiram calcular que o tamanho provável dos dois planetas é maior do que o de Marte, mas não muito superior ao da Terra. Isto significa que são muito mais pequenos do que os astrónomos tinham previsto para este sistema planetário. Se fossem maiores a sua atração gravitacional teria acabado por destruir o anel de poeira.
No mesmo ano, o ALMA encontrou moléculas de glicoaldeído (uma forma simples de açúcar) numa nuvem de gás que rodeia uma jovem estrela binária, com uma massa semelhante ao Sol – o sistema chama-se IRAS 16293-2422 e está a 400 anos-luz.
Foi a primeira vez que se encontraram moléculas de açúcar – neste caso, a radiação que emitem – em torno de um sistema tão novo, composto por duas estrelas que orbitam um centro de massa comum. Este achado ajudou a reforçar a teoria de que alguns dos químicos necessários para o aparecimento de vida (tal como a conhecemos na Terra) podiam já existir no Sistema Solar, na época em que os planetas ainda se estavam a formar em redor do Sol.
Alguns meses depois, e numa altura em que o ALMA ainda só conseguia usar menos de metade das suas antenas, investigadores do observatório publicaram a extraordinária imagem da estrutura em espiral, feita de matéria expelida, que circunda uma estrela que está a morrer. Trata-se da gigante vermelha R Sculptoris, a cerca de cem anos-luz da Terra.
No final da sua vida, estrelas como a R Sculporis, com uma massa oito vezes superior à do Sol, transformam-se em gigantes vermelhas e começam a libertar enormes quantidades de massa, formando grandes conchas de poeira e gás em seu redor. A grande novidade, pois já antes tinham sido observadas este tipo de conchas em torno de estrelas semelhantes, é que a imagem – ainda por cima tridimensional – obtida da R Sculporis pelo ALMA mostra uma espiral de matéria a sair da estrela.
Especula-se que estas conchas em espiral tenham sido criadas por uma estrela vizinha, ainda não encontrada, que orbita a gigante vermelha.
Perceber ao pormenor como é o estertor final de estrelas como a R Sculporis é importante por uma razão muito simples: ejetam imensas quantidade de poeira e gás que, mais tarde, servirão de matéria-prima para o nascimento de futuras gerações de estrelas, de novos sistemas planetários e, talvez, de formas de vida.
Uma das imagens obtida pelo ALMA foi “suficiente para revolucionar as teorias de formação planetária”
Em 2014, já com todas as 66 antenas montadas no deserto do Atacama, foi possível movê-las (usando camiões de 135 toneladas construídos para esse propósito) e espaçá-las até distâncias que chegaram aos 15 quilómetros, abrangendo, deste modo, uma área maior. Com esta configuração das antenas conseguiu-se obter uma das imagens astronómicas mais espetaculares dos últimos anos, na qual se vê, com enorme detalhe, a estrutura concêntrica e brilhante do disco de matéria que circunda a HL Tauri, uma estrela igual ao Sol mas que só tem um milhão de anos, a 450 anos-luz de nós.
Esta observação representou, tal como explicaram na época os investigadores do ALMA, “um enorme passo em frente na compreensão de como é que os discos protoplanetários se desenvolvem e como os planetas se formam” no seio desses mesmos discos de matéria. “Assim que vimos esta imagem ficámos estupefactos, sem palavras. A HL Tauri não tem mais do que um milhão de anos e, no entanto, parece que o seu disco está já repleto de planetas em formação [que surgem nos espaços entre os anéis]. Só esta imagem já é suficiente para revolucionar as teorias de formação planetária,” explicou Catherine Vlahakis, cientista do observatório.
E o que dizer da imagem, revelada em 2015, de um anel cósmico formado por uma galáxia situada a uns impressionantes 11,7 mil milhões de anos-luz da Terra? A luz que agora vemos dessa galáxia, batizada de SDP.81, data de quando o Universo apenas tinha 15% da sua atual idade (que é de 13,8 mil milhões de anos). À primeira vista, pode não parecer impressionante, mas foi a imagem de maior resolução que o radiotelescópio no Atacama conseguiu obter até então, já que é preciso ter em conta a dantesca distância a que está a galáxia.
O aspeto anelar com que a galáxia é vista a partir da Terra deve-se ao efeito de lente gravitacional, um fenómeno que ocorre quando duas galáxias, uma mais distante do que a outra, se alinham quase perfeitamente: a luz emitida pela que está mais longe é amplificada e distorcida pela massa da galáxia que está mais perto do ponto de observação (o nosso planeta, neste caso), fazendo com que a sua luminosidade surja sob a forma de um anel. Se tal não sucedesse, a galáxia longínqua nem sequer seria vista, pois estaria tapada pela que está mais perto do observador.
Este fenómeno vai ao encontro da Teoria da Relatividade de Albert Einstein, a qual postula que uma grande massa pode distorcer os raios de luz emitidos por um objeto – quase como se a luz contornasse o objeto que está no meio.
Neste caso em particular, a galáxia que está no meio e que amplifica e nos revela a SDP.81 está a quatro mil milhões de anos-luz da Terra.
Confuso? Eis uma analogia bastante prática: se pegar num copo de vinho em vidro que tenha um pé, espreite para o seu interior e repare na distorção que surge ao fundo, no centro, na zona onde o pé se conecta com o balão do copo. Desloque o fundo do copo ao longo de uma mesa e veja como ele magnifica e distorce os objetos que vai encontrando.
Outra observação de grande impacto científico foi a que se conseguiu da superfície do asteroide 3 Juno, um dos maiores corpos rochosos da Cintura de Asteroides (situada entre as órbitas de Marte e Júpiter), com um diâmetro de 270 quilómetros. O conjunto de imagens, sem precedentes, que o ALMA obteve do asteroide, quando este estava a cerca de 300 milhões de quilómetros da Terra, mostraram a capacidade do observatório para estudar com pormenor e monitorizar estes objetos que viajam pelo Sistema Solar: e que podem ver a as suas órbitas desviadas devido a fenómenos que os afetam.
Até ao momento, e apesar de a pandemia de COVID-19 ter levado a uma abrupta desaceleração da investigação científica realizada pelo observatório no Chile, o ALMA está constantemente a revelar novidades e a publicar imagens impressionantes sobre os mais diversos fenómenos que ocorrem no nosso Universo, ajudando a explicar como ele nasceu, cresceu e evoluirá.