“O primeiro ser humano que vai conseguir chegar aos 150 já está vivo”, afirmou em 2000 o biólogo Steven Austad, investigador que estuda os processos de envelhecimento de diferentes espécies animais. Jay Olshansky, outro especialista na área, discordou. Incapazes de decidir quem tinha razão, os dois decidiram fazer uma amigável aposta em dinheiro. Cada um deu 150 dólares a um fundo de investimento (em 2016, duplicaram a aposta, puxando o total para os 600 dólares), sendo que o prémio só pode ser reclamado pelo vencedor, ou pelos seus descendentes, em 2150. Uma aposta a longo-prazo que se pode revelar incrivelmente lucrativa: se a instituição que gere o fundo de investimento não falir até meados do século XXII, e se o dinheiro depositado continuar a crescer à mesma taxa de há cinco anos, estima-se que em 2150 o valor na conta poderá ascender a centenas de milhões de dólares. A aposta, contudo, estipula que Austad só a pode ganhar se o ser humano com 150 anos estiver em plena posse das suas faculdades mentais.
Quem tem mais hipóteses de arrecadar este chorudo prémio?
Um estudo recente, publicado na revista científica Nature Communications no final do passado mês de maio, concluiu que o máximo de longevidade que o nosso corpo biológico pode atingir é de 150 anos: entre os 120 e os 150 anos atinge-se um ponto crítico que “corresponde a uma total perda de resiliência”, indica.
Para chegar a este número, a equipa de seis investigadores russos – ligados a diferentes instituições académicas, incluindo uma empresa de Singapura que desenvolveu uma app que fornece dados sobre as alterações biológicas que ocorrem no nosso corpo – recorreu a dados obtidos entre 1999 e 2014, nos Estados Unidos, através da National Health and Nutrition Examination Survey. Mais conhecido pelo acrónimo NHANES, este programa de pesquisa destina-se a avaliar o estado de saúde e nutricional de adultos e crianças em terras do Tio Sam: todos os anos, cerca de cinco mil pessoas são clinicamente examinadas e submetidas a questionários, o que resulta em informação que vai depois integrar a base de dados da NHANES.
Para a investigação em causa, os cientistas russos fizeram uma análise longitudinal (as variações que ocorrem, ao longo do tempo, numa determinada amostra) aos dados de análises ao sangue que estão contidos no NHANES. Entre os dados escrutinados está a informação relacionada com o número de células sanguíneas ou, por exemplo, o nível de hemoglobinas – uma proteína que contém ferro e está presente nos glóbulos vermelhos, permitindo o transporte de oxigénio pelo nosso organismo –, assim como outros marcadores sanguíneos.
O passo seguinte consistiu em combinar todas estas variáveis para gerar uma única unidade métrica, a que chamaram de “indicador dinâmico do estado do organismo” (ou DOSI), tendo depois analisado a flutuação deste indicador ao longo de diferentes idades. Criaram, portanto, o que julgam ser um biomarcador fiável que é capaz de medir o envelhecimento de cada ser humano.
A partir dos resultados obtidos, o estudo concluiu que entre os 120 e os 150 anos ocorre uma “total perda de resiliência do corpo humano”, ou seja, a capacidade do mesmo para recuperar do mais diverso tipo de maleitas, refere a equipa de cientistas através de comunicado de imprensa. Ainda segundo o mesmo, observou-se uma redução desta resiliência mesmo em pessoas que não sofriam de doenças crónicas, como o cancro.
“A prevista perda de resiliência, mesmo nos indivíduos mais saudáveis [e que envelhecem sem grandes percalços], pode explicar por que não vemos um claro aumento da idade máxima de vida, enquanto a esperança média de vida cresceu continuamente, nas últimas décadas”, assinala o texto.
Face a este ‘muro’ biológico na nossa longevidade, os investigadores fazem uma interessante e audaciosa extrapolação no artigo científico que publicaram, na secção em que discutem os resultados e as implicações do que dizem ter descoberto:
“O aparente limite do tempo de vida humano não será melhorado, provavelmente, através de terapias direcionadas a doenças crónicas específicas ou à síndrome da fragilidade [fisiológica]. Deste modo, nenhum aumento substancial no tempo máximo de vida e, consequentemente, uma maior extensão da vida [humana] será possível apenas com a prevenção e cura de doenças”, começam por explicar. Ou seja, a única forma de conseguirmos viver para além dos 150 anos implica, necessariamente “intercetar o processo de envelhecimento”, ou, dito de outra forma, travá-lo ou retardá-lo, pois é por causa dele que se observa a “perda de resiliência” do organismo humano.
“Não vemos nenhuma lei da natureza que proíba tal intervenção”, acrescentam. “Assim sendo, um maior desenvolvimento do modelo de envelhecimento apresentado neste trabalho pode ser um passo em direção à demonstração, experimental, de uma terapia que prolongue de forma considerável a vida”.
O que se está a dizer, por outras palavras, é que se deixarmos a biologia do corpo humano ao seu próprio destino, chegar aos 150 anos é o melhor que podemos almejar, a menos que se consiga intervir nos vários relógios internos (biológicos) que determinam o nosso envelhecimento, o que implica abraçar toda uma nova visão: o envelhecimento passa a ser encarado como uma doença e os problemas que lhe estão associados são meros sintomas.
Afinal, quem vai ganhar a aposta em 2150?
Esta nova investigação significa que Steven Austad tem boas hipóteses de ganhar a aposta que fez com Jay Olshansky, mesmo que não se faça qualquer tipo de ‘engenharia’ que mexa com o nosso processo de envelhecimento?
Nem por isso. Antes de mais, o estudo publicado na Nature Communications ainda precisa de ser revisto por outros cientistas e os seus resultados replicados por outros, além de que a metodologia (que inclui a criação de uma única métrica para medir o envelhecimento) tem de ser escrutinada pela comunidade científica. Já agora, é preciso ter em conta que a análise apenas se cinge a uma amostra da população dos EUA.
Atualmente, não existe um consenso científico em torno da questão sobre se há, ou não, um limite para a idade máxima de vida de um ser humano, tampouco (a existir um limite) onde se situa ele.
Em 2016, por exemplo, Jan Vijg, da Escola de Medicina Albert Einstein, ligada à Universidade Yeshiva de Nova Iorque, liderou uma investigação cujos resultados, divulgados na revista Nature (não confundir com a já mencionada Nature Communications, apesar de pertencerem ao mesmo grupo editorial), deram muito que falar.
De acordo com a análise feita pela equipa de Jan Vijg, a qual estudou dados demográficos de vários países do globo, apesar da esperança média de vida ter aumentado devido a melhores e mais eficazes tratamentos na área da saúde, os efeitos destes últimos “tendem a declinar a partir dos 100 anos”. Uma prova disso, refere o estudo, está no facto de desde 1997 nunca mais ninguém ter ultrapassado os 120 anos: a francesa Jeanne Calment morreu nesse ano, alguns meses após ter celebrado o seu 122º aniversário. Neste momento, a pessoa mais velha do mundo é a japonesa Kane Tanaka, com 118 anos.
“Os nossos resultados sugerem fortemente que a idade máxima de vida dos humanos está fixada e sujeita a constrangimentos naturais”, indica o estudo. Qual é, portanto, o limite intransponível que descortinaram entre os dados que lhes chegaram às mãos? De acordo com Jan Vijg, a biologia do nosso corpo não nos deixa passar dos 125 anos.
Esta conclusão foi recebida com uma boa dose de cautela, ao ponto de outros cientistas terem usado os mesmos dados da equipa de Jan Vijg e chegado a conclusões diferentes, embora usando uma diferente metodologia. Foi precisamente o que fizeram dois australianos, em 2017, num artigo científico em que contra-argumentam que a idade máxima de vida dos seres humanos é “historicamente flexível e está a aumentar”.
A partir dos 105 anos, o risco de morrer deixa de subir e estabiliza, diz estudo italiano
Entretanto, a demógrafa Elisabetta Barbi, da Universidade La Sapienza de Roma, e o especialista em estatística Francesco Lagona, da Universidade de Roma TRE, foram mais longe e asseguram que não existe um limite natural para o tempo de vida dos humanos. Numa investigação por eles liderada, e publicada pela revista Science em 2018, procedeu-se a uma análise estatística de cerca de quatro mil idosos italianos que tinham 105 anos ou mais, entre 2009 e 2015. Não se espante com o número, pois a taxa de centenários na população de Itália é uma das maiores do mundo.
Para tornar os resultados mais robustos, chegaram ao ponto de analisar os certificados de nascimento e óbito da amostra estudada, para minimizar o número de casos em que a idade dada pelos idosos não corresponde à realidade – um problema muito comum entre os idosos, pois, quando questionados, estes tendem a exagerar na idade que têm, o que pode sabotar qualquer extrapolação científica. Ao mesmo tempo, os pesquisadores seguiram as suas trajetórias de sobrevivência de um ano para o outro (isto para cada um dos indivíduos da amostra), em vez de ‘arrebanhar’ as pessoas em intervalos de idade e tentar tirar ilações gerais através da contraposição de diferentes grupos, tal como era costume fazer em estudos anteriores.
Ao perscrutar toda a informação que recolheram, os cientistas italianos deram de caras com um resultado estatístico muito curioso: apesar de o risco de morte aumentar com a idade, a partir dos 105 anos essa taxa de risco estabiliza (não sobe, nem desce), com o estudo a frisar que, uma vez atingida essa estabilização, a probabilidade de alguém morrer de um ano para o outro anda à volta de 50%.
De momento, tal como frisam investigadores não envolvidos neste estudo, são precisos dados estatísticos de outros países, dotados da mesma robustez (a nível de metodologia), para se perceber se, a nível mundial, surge o mesmo padrão. Jean-Marie Robine, demógrafa do Instituto Nacional Francês de Investigação em Saúde e Medicina, resumiu à época, em declarações para o site de notícias da Nature, o que está em causa: “se existir um planalto na [taxa de] mortalidade [dos idosos acima de 105 anos], então não existe um limite para a longevidade humana”.
Respostas para esta peculiaridade estatística? Siegfried Hekimi, geneticista da Universidade de McGill, no Canadá, lançou a hipótese de que as células do corpo, a certo momento, podem atingir um ponto em que os seus mecanismos de reparação conseguem compensar os danos adicionais que vão surgindo. Uma especulação, até porque, tal como frisou, ninguém consegue mesmo explicar por que ocorre esta estabilização no risco de mortalidade, tampouco o que pode isso dizer sobre o processo de envelhecimento dos humanos.
Resumindo. De um ponto de vista estatístico, e a crer nos resultados da equipa de italianos, é sempre possível que alguém com mais de 105 anos consiga, ano após ano, sobreviver e, quiçá, até viver para sempre, mas, na prática, é extremamente improvável. É como lançar um dado mil vezes seguidas e sair, sempre, o número seis: é possível, estatisticamente, mas seria preciso uma sorte quase sobrenatural para o conseguir.
Apesar deste jogo de possibilidades, para Jay Olshansky – ele mesmo, o que fez a aposta com Steven Austad – existe uma impossibilidade biológica que compromete as conclusões do estudo feito com os centenários italianos, e que é fruto de limitações básicas impostas pela forma como o nosso corpo está desenhado. Um desses exemplos, indica, são os neurónios, pois são células incapazes de se replicar e, em alguns tipos de neurónios, de se regenerar. No fim, acabarão por morrer, à medida que uma pessoa envelhece.
Face à falta de consenso, a única solução é esperar por mais e melhores pesquisas. Serão elas capazes de nos dar uma resposta concreta antes que o dinheiro da aposta tenha de ser entregue ao vencedor?