Economista, professor na Nova SBE e empreendedor, Pedro Santa Clara tem dedicado os últimos anos a garantir que as novas gerações têm acesso a formações que não existem no ensino tradicional mas que são essenciais para terem ferramentas que lhes permitam viver num mundo digital, abraçar empregos que talvez ainda nem tenham sido criados, mudar muitas vezes de carreira e tirar o melhor partido possível da Inteligência Artificial e novas tecnologias. É despertar a curiosidade, a alimentar a iniciativa e a passar a curiosidade pela aprendizagem que se desenham as bases disto. E é nessa fórmula que se apoiam modelos que tem trazido pelo país, como a Escola 42 (já em Lisboa e no Porto) e os centros TUMO (Coimbra e agora Lisboa).
No dia em que se inaugura o novo campus da Escola 42, em plena Fábrica de Unicórnios, no Beato Innovation District, onde em agosto chegará uma nova leva de alunos, Pedro Santa Clara fala ao SAPO sobre os desafios de preparar as novas gerações para o futuro. O presidente executivo da 42 Portugal e do TUMO aponta a necessidade de, mais do que "despejar matérias", ensinar a aprender, a fórmula que permitirá aos jovens encarar um futuro digital.
Com capacidade para receber 800 alunos de programação em formação gratuita, que é a imagem distintiva da Escola 42 e do TUMO, de forma a chegar a todas as classes e potenciar o elevador social, o espaço de 1200m2 na Factory Lisbon não á a única novidade que Pedro Santa Clara hoje apresenta (veja aqui o resultado de três anos de 42 no país). Em setembro, revela, abre portas o novo espaço TUMO, que depois de se estrear em Coimbra chega agora a Lisboa para propiciar a mil alunos entre os 12 e os 18 anos a hipótese de adquirir competências técnicas avançadas em áreas distintivas que vão da programação à animação, do desenvolvimento de jogos e design gráfico ao cinema, robótica, música ou fotografia.
Quando é que o TUMO Lisboa abre portas e qual é o perfil de jovens que tem aderido a este tipo de formação?
O TUMO vai arrancar com mil alunos no final de setembro. Ainda temos as inscrições a decorrer em alguns lugares, mas as vagas estão a desaparecer rapidamente. A nossa ideia é começar com mil e crescer para 1500 já no próximo ano, fazendo exatamente o que fizemos em Coimbra. O target são jovens dos 12 aos 18 anos e que procuram um programa que complementa a escola tradicional, portanto vêm cá duas horas, duas vezes por semana, e têm uma combinação de atividades de autoaprendizagem, workshops e labs de onde podem escolher o que querem aprender em áreas como a música, a fotografia, o cinema, a animação, a programação, a robótica e o desenvolvimento de jogos e de design.
Mas a que tipos de miúdos é que se dirige?
Acho que temos de tudo aqui, mas temos feito um esforço muito grande de atrair jovens de todos os grupos socioeconómicos, porque acreditamos muito que é dessa mistura que surge a possibilidade de haver progresso social, que é uma coisa que existe pouco em Portugal. A nossa escola tradicional promove pouco isto, porque como se baseia no código postal, acaba por misturar pouco as pessoas. E é nestas idades, com este tipo de experiências, que verdadeiramente pode haver uma partilha de aspirações e que também se cria um network de de amigos que ficam para a vida. Obviamente, quando se lança um projeto destes, as primeiras pessoas que sabem dele e se inscrevem são as pessoas que estão na nossa esfera; chegar aos outros obriga a um esforço maior e por isso andamos a falar com todas as escolas, em sessões de pais, com o Ministério da Educação, com a Ciência Viva e com as juntas de freguesia, no fundo, com todas as instituições sociais onde possa haver jovens disponíveis e interessados. Em Coimbra, isso correu muito bem e a ideia aqui é replicar esse modelo.
Porque no fundo o TUMO acaba por se substituir a essas instituições, garantindo uma série de vertentes que o ensino tradicional não tem. Já há reflexo dessa aprendizagem nos jovens que ali passaram, em Coimbra?
Ainda não, porque é uma experiência apenas de um ano, mas acredito que vai haver muitas revelações, talentos que vão ser descobertos. Ainda assim, a verdadeira intenção do projeto é formar estes jovens em áreas que lhes vão ser úteis, independentemente daquilo que vierem a ser. Eu gosto muito daquela história do Steve Jobs que na universidade foi aprender caligrafia, que não tinha nada que ver com a sua formação nem sabia para que lhe serviria, mas foi o que depois usou e lhe foi muito útil para desenhar o sistema operativo do Mac OS com ícones, tamanhos e cores, etc. Portanto, por um lado, eu acho que é essa vontade de aprender coisas diferentes, mas a um nível mais profundo, o que os alunos do TUMO vão fazer é aprender a aprender, aprender o próprio modelo de aprendizagem. E ganhando competências de autoaprendizagem, de trabalho em grupo, responsabilidade, etc. graças a um modelo suportado em workshops e com apoio de especialistas nas diferentes áreas, que os leva a escolher o seu próprio ritmo de progressão. Isto faz toda a diferença., ajuda-os a desenvolver sentido de iniciativa e responsabilidade, dá-lhes autoconfiança e resiliência e criatividade.
E as capacidades aí adquiridas acabam por expandir também o raciocínio, a capacidade crítica destes jovens?
Muito, sim. Todas essas competências são aquelas que verdadeiramente fazem a diferença. E isso será ainda mais verdade no futuro, numa geração que vai trabalhar com robôs, com inteligência artificial, e na qual é por isso importante enfatizar todas as características humanas e desenvolvê-las.
É aquilo a que se chamava soft skills que será a espinha dorsal das competências, o fator distintivo em empregos que provavelmente nem sabemos quais vão ser?
Sim, verdadeiramente.
Como é que se ensina aquilo que ainda não se sabe que vai ser necessário?
O que temos é de criar uma experiência que leve as pessoas a querer aprender. A competência mais fundamental para o futuro é aprender a aprender. Como disse, e muito bem, nós não fazemos ideia em que profissões eles vão trabalhar, mas até mais do que isso, eles vão trabalhar em muitas profissões diferentes. Vão ter de mudar muitas vezes o rumo na sua vida, e em cada uma dessas mudanças de rumo vão ter de aprender coisas novas. Por isso faz toda a diferença ganharem esta capacidade de dizer: "Agora apetece-me ir aprender isto", e irem, explorarem, pedirem ajuda, tentarem e falharem e tentarem outra vez, até conseguirem.
E isso faz mais diferença nesta idade, ou seja, esta é a idade certa para adquirir essas competências?
Sim, porque a adolescência é o tempo da mudança. É uma altura em que as pessoas desenvolvem a vontade própria, aquilo que muitas vezes se fala em educação, desenvolvem agência, ou seja sentir a responsabilidade e poder ter a iniciativa. "Eu quero ir aprender design e fotografia e programação, é a minha escolha." Isto pode parecer uma coisa muito simples, mas faz toda a diferença, porque ao estudar o que se escolheu vai-se logo com muito mais interesse, mas também muito mais responsabilidade. Eu dou muito este exemplo: eu sempre gostei imenso de História e de ler sobre História, mas quando tinha de estudar para um exame de História, a obrigação tirava-me completamente a vontade de ler sobre o assunto.
E é o que acontece ainda muito no ensino tradicional
Sim, porque tendemos a olhar para a educação como sempre olhámos, como um tema de oferta. Temos de dar educação, as pessoas têm de aprender isto e isto e aquilo, e entregamos currículos gigantes. Mas vivemos numa era em que toda a informação está livremente disponível. Se eu quiser, posso ir aprender Astrofísica ou Biologia Molecular ou Sociologia. Por isso o que faz diferença na educação é a procura, é estimular as pessoas a quererem aprender. E isso é pouco tratado na nossa escola. Continuamos a entregar livros, a obrigar a decorar para exames em lugar de procurar estimular a curiosidade e a vontade de aprender, obviamente dando as ferramentas às pessoas para que possam fazer essa aprendizagem.
E como é que são escolhidos os formadores?
A equipa de gestão do centro já está a trabalhar e estamos agora a selecionar e a treinar cerca de 15 learning coaches e 15 workshop leaders. E tivemos imensos candidatos. O que é que procuramos? Procuramos pessoas obviamente conhecedoras das suas áreas, ou seja, num workshop, o leader de robótica é verdadeiramente um especialista do tema, o mesmo no de cinema e em todas as áreas, mas sobretudo têm de ser pessoas com uma empatia especial, que verdadeiramente gostem de estimular os alunos, que sejam capazes de ampará-los quando for preciso.
O modelo de funcionamento do TUMO, que é também gratuito, é semelhante ao da Escola 42: há uma série de parcerias que garantem o financiamento das formações?
Obviamente, porque se pretende que tenha um grande impacto social, que consiga atrair todo o tipo de populações, por isso tem de ser gratuito. É gratuito para os alunos e financiado por uma série de mecenas, que neste caso são a Fundação La Caixa, a Fundação Galp, o Grupo José de Mello, a Vanguard Properties, a Claude and Sofia Marion Foundation, a Worten, a Fundação Santander Portugal, a Meo e a Fundação Altice, que financiam os os primeiros cinco anos de operação do TUMO Lisboa. São verdadeiramente os nossos companheiros nesta aventura.
O Pedro vem do ensino tradicional, superior, e tem-se entregado a estes projetos distintivos. É porque encontrou uma falha na educação?
É... Acho que estamos a viver uma época muito especial. O ensino tradicional vem do fim do século XVIII e acabou por só ter verdadeiramente impacto em Portugal mais ou menos nos anos 60. Mas o que continua a existir não respond já às necessidades de educação, porque a sociedade está a mudar. Este ensino tradicional tinha muito que ver com produzir os trabalhadores para a revolução industrial, para o escritório ou o chão de fábrica, era um tema de homogeneidade. Hoje em dia, há muito mais variedade de conhecimentos, de experiências, de interesses e precisamos muito mais de desenvolver estas competências pessoais do que simplesmente a memorização de um conjunto de matérias mais ou menos desconexas. Temos de desenvolver toda esta capacidade de usar tecnologia para descobrir novas áreas, para desenvolver novas áreas. E a nossa escola ainda não se adaptou a estas novas necessidades. Toda a gente fala disto há anos, mas depois nada acontece, continuamos com um ensino muito escolástico, de assistir a aulas, sentar, tirar apontamentos, e no fim do ano fazer o exame pouco experiencial, pouco colaborativo. Isto não leva ao desenvolvimento das pessoas. Finalmente, hoje a tecnologia permite-nos desenvolver novos modelos pedagógicos, criar uma experiência motivadora das pessoas que as leve a crescer como pessoas, a abraçar os desafios e ter curiosidade na solução.
Não há na sua lista de parceiros e mecenas de Lisboa nenhuma instituição pública. Porquê?
Infelizmente. Procurámos ter, porque acho que este é o tipo de projetos em que faz imenso sentido que se juntem públicos e privados a financiar o projeto, que é só impacto social. No caso da Escola 42, a Câmara do Porto apoiou-nos. No TUMO Coimbra, tivemos apoio da Câmara de Coimbra. Mas em Lisboa, até agora, não tivemos sucesso. Houve um processo mais ou menos conturbado, a Câmara de Lisboa queria apoiar, mas fomos apanhados no fogo cruzado da guerra política com a oposição. E também tentámos candidatar-nos a fundos públicos do PRR inclusivamente, mas curiosamente não havia linha nenhuma em tivéssemos cabimento, porque o dinheiro foi dirigido quase em exclusivo para instituições públicas. Por exemplo, havia muito dinheiro para transformação avançada em áreas digitais, que à primeira vista pareceria poder financiar a 42, mas depois esbarrava nos limites como ser uma linha destinada a instituições de ensino superior com mais de 6000 alunos.
Estava tudo desenhado para a formação tradicional?
Sim, nós passamos a vida a ouvir falar do PRR e de Portugal 2030, mas esse tipo de programas tem uma lógica de pensamento do burocrata que desenhou o programa, dentro do gabinete e sem ouvir as equipas no terreno, aqueles que sabem fazer projetos e que têm track recorde e são capazes de implementar de forma eficiente. O exercício que temos hoje é eminentemente teórico, é dizer, seria bom ter isto e não se faz caso nenhum de quais são os meios que existem, quais são as equipas capazes de os levar a cabo. E muitas vezes acabamos com projetos feitos à medida do financiamento, inverte-se a lógica. E depois há atrasos, linhas que se espera que vão abrir daí a nove meses e são adiadas constantemente, se precisar do dinheiro para executar o projeto, não faz nada. Ninguém consegue viver nesta total incerteza de planeamento. E depois todo o debate é feito à volta do dinheiro que há disponível e do que já se gastou ou está por gastar, em vez de se falar nos projetos e seus efeitos, não se mede nada. E ao nível autárquico acabamos a construir polidesportivos ou pavilhões multiusos.
Daqui a dez anos, ao olhar para os miúdos que saírem agora do TUMO, o que será preciso para sentir que cumpriu a sua missão? Onde é que quer que eles cheguem?
A nossa missão é muito grande e queremos contribuir para que a próxima geração seja um bocadinho diferente da minha. A minha geração é que já teve muitos recursos, é já uma geração que cresceu em democracia, num mercado europeu e com acesso a tanta coisa, mas não foi capaz de talhar as instituições para um desenvolvimento de progresso social. E aquilo que falta é muito esta iniciativa e responsabilidade das pessoas (continuamos todos à espera do Estado para fazer e pagar). Eu espero contribuir para desenvolver a cidadania de uma próxima geração. E cidadania não é uma coisa que se ensina numa cadeira, as coisas desenvolvem-se de uma maneira um pouco mais subtil e indireta, criando experiências que levem as pessoas a desenvolver essas capacidades. Se tivermos sucesso, espero abrir nos próximos anos mais dois ou três centros pelo país e chegar a anualmente a uns milhares de jovens.
E que sítios do país prioriza para a abertura de novos centros?
Neste momento estamos em conversas mais ou menos avançadas no Porto, em Braga e em Évora. Nenhum deles reúne ainda todos os ingredientes necessários, porque precisamos sempre de um espaço e de financiamento. Este projeto só faz sentido quando verdadeiramente a sociedade se envolve e se junta para os promover. Mas estamos a falar muito com autarquias, com empresas, com algumas pessoas, em nome individual.