"Respeito profundamente a liberdade de expressão, mas não aceito falsidades especialmente ofensivas, que não fazem qualquer sentido." É Madalena Natividade, a presidente da Junta de Freguesia de Arroios, quem o diz ao SAPO, na sequência da queixa-crime que apresentou contra a dirigente da SOS Racismo e da Esquerda.net, Mariana Carneiro.
Em causa estão as acusações que Mariana Carneiro tem feito a Madalena Natividade, que chegou ao seu limite: "Quem não se sente não é filho de boa gente", explica a autarca ao SAPO, considerando que a insistência em "falsidades" é "ofensiva" da sua "honra e consideração", não apenas enquanto presidente da Junta mas mesmo enquanto pessoa, tendo-as sentido de forma profundamente "injuriosa e degradante".
A "falsidade" foi, lê-se na queixa-crime, repetida nomeadamente na Assembleia Municipal de dia 16 de abril, quando Mariana Carneiro afirmou já ter havido "várias tentativas de expulsão das pessoas" sem-abrigo, apontando o dedo diretamente à autarca: "A sr.ª Natividade esteve a ameaçá-los para que tivessem menos de 24 horas para sair dali, sem alternativa; foram as associações, foram os coletivos, foram os próprios migrantes e foi a comunicação social que o impediu."
"Não admito que ponham em causa o respeito que tenho pelas pessoas nesta situação", diz ao SAPO Madalena Natividade, vincando que as repetidas acusações falsas da dirigente do Esquerda.net a ofenderam ainda mais pela própria história.
"São especialmente ofensivas porque as pessoas em situação de sem-abrigo na Igreja dos Anjos são na sua maioria imigrantes. E eu, que também o fui, quando vim muito nova de Moçambique e vivi em condições muito difíceis quando cheguei, como muitos outros portugueses de famílias dos chamados retornados, não admito que ponham em causa o respeito que tenho pelas pessoas nesta situação", frisa ao SAPO a presidente daquela junta. E vai mais longe: "A forma e tom como foram proferidas as acusações, chamando-me 'Sr.ª Natividade', acrescentam-lhe um racismo muito mal-escondido. Não sei se o SOS Racismo mudou de nome para SOS Racista..."
Confrontada com as notícias do processo, a acusada revelou à Lusa estar "surpreendida", sobretudo porque o que afirmou sobre Madalena Natividade foi dito "não a um cidadão comum, mas do executivo da junta, que sabe estar sob escrutínio público e político". "Eu fiz as declarações num espaço público aberto aos cidadãos e aos fregueses”, disse Mariana Carneiro, citada pela agência Lusa. Diferente visão tem Madalena Natividade, que vê naquelas "declarações falsas" o lançamento de "suspeições e imputações sem concretizar, numa linguagem desbragada e ofensiva".
Nascida em Moçambique em 1975, Madalena Natividade chegou a Portugal com dois anos e cresceu entre um bairro de lata e o Portugal Novo, um dos bairros mais perigosos de Lisboa. Percurso que a levou a formar-se em assistente social e tornar-se juiz social no Tribunal de Menores de Lisboa, além de desenvolver uma série de programas de apoio social que acabaram por projetá-la, como candidata independente, à Junta de Arroios, nas listas de Carlos Moedas.
No processo que agora move à ativista da SOS Racismo, a autarca vinca que "a conduta ilícita de Mariana Carneiro tem sido reiterada", tendo ela inclusivamente "imputado, com fotografia da presidente da freguesia, comportamentos desumanos, ilícitos e discriminatórios (...) nomeadamente dizendo que fazia de Arroios um balão de ensaio para políticas de perseguição de migrantes". Citada pela Lusa, a ativista afirma que "foram os imigrantes" que a abordaram, "dizendo que a presidente da junta lá tinha estado e que teriam de sair até às 17 horas do dia seguinte", e que identificou a autarca pela descrição que lhe fizeram da pessoa e ao mostrar uma fotografia de Madalena Natividade.
Em recente entrevista ao SAPO, o presidente da Câmara de Lisboa acusara já "alguma extrema-esquerda" de transformar os sem-abrigo "quase num negócio". "Muitas vezes sinto que há partidos nos extremos que, de certa forma, quando estamos a tentar ajudar, não ajudam por razões políticas. No caso de Arroios, senti que há pessoas que usam como arma política a dignidade humana — e isso é muito feio. Por exemplo, quando nos acusaram de retirar as tendas (...) sabendo que estávamos a fazer a limpeza que todos os 15 dias fazemos naquelas zonas, em que se acumula muita sujidade. E que aliás aquelas pessoas muito nos agradecem."
Também a presidente da junta de Arroios tem dado conta de uma série de projetos que tem levado a cabo na freguesia para resolver a situação dos muitos sem-abrigo que ali se fixam. Neste verão, falava ao SAPO da criação de uma “República para Pessoas em Situação de Abrigo”, um "projeto inovador na cidade, que permite acolher pessoas que se encontrem em contexto de rua" em casas de renda paga a 100% pela própria junta. "Neste momento, temos duas repúblicas que permitem acolher até oito pessoas. Além da possibilidade de acolhimento, esta iniciativa assegura o acompanhamento social numa perspetiva de inclusão e integração social."
Ainda em declarações ao SAPO, a autarca confirmou que, "de acordo com os dados e a informação da Equipa do Plano Municipal para Apoio a Pessoas em Situação de Sem Abrigo (EPMPSA) da Câmara Municipal de Lisboa, que é responsável pela monitorização e aplicação deste mesmo plano, vivem neste momento aproximadamente 200 pessoas (dados do mês de julho) em situação de sem-abrigo em Arroios, num total de cerca de 283 pessoas que foram acompanhadas pelas Equipas Técnicas de Rua (ETR) de janeiro a junho de 2024".