No início do seu mandato, há três anos, identificou cerca de duas mil casas vagas em propriedade municipal e estabeleceu como prioridade reabilitá-las para as famílias que mais necessitavam de habitação. Ontem entregou a chave da casa 2 mil. Mas houve muito mais famílias impactadas pelos programas de habitação que lançou. Que investimento total foi feito?
É verdade, foram três anos de muito trabalho e se houve um objetivo que prosseguimos desde o início foi o da habitação. Assinámos com a Comissão Europeia um acordo de 560 milhões de euros, que utilizámos de várias formas. Até aqui, o que a Câmara fazia era construir de novo e eu detetei, ainda em campanha, que havia grande número de casas municipais que estavam vazias. Então fizemos logo um movimento com a Gebalis (Gestão do Arrendamento da Habitação Municipal de Lisboa, que assegura a gestão dos bairros municipais) para recuperar essas 2 mil casas que estavam desocupadas, abandonadas ou fechadas. Já vamos em 1300 casas recuperadas — dessas, houve 300 famílias que passaram de uma para outra casa, por isso não estamos a contabilizá-las nas mil famílias que apoiámos neste mandato. Depois há ainda mais mil que vêm de nova construção, portanto agora, simbolicamente entregámos a chave 2.000.
É um marco.
Sim e tem grande significado para nós, porque durante muitos anos a CML entregava muito poucas chaves. Entre 2000 e 2010, foram construídas 17 casas por ano. Nós conseguimos entregar, de quinze em quinze dias, cerca de 30 chaves que mudavam a vida das pessoas. Construir demora três anos, mas reabilitar ainda leva seis meses, oito meses, e portanto dei-me conta que fazia falta outro instrumento, que permitisse uma resposta imediata. Então desenhámos o Apoio à Renda, que já existia de certa forma mas não era seriamente utilizado, e que prevê que se possa ajudar famílias que não têm rendimentos muito altos a pagar a sua renda. Por exemplo, se a pessoa recebe mensalmente mil euros e paga 500 ou 600 de renda, não aguenta. Então, o que fazemos é pagar tudo o que é acima de um terço do seu rendimento: neste caso, ela pagaria 300 e nós completaríamos com a diferença entre isso e a renda devida, pagávamos os 200 ou 300 euros a mais.
Com um teto.
Exatamente. E com isso conseguimos chegar a professores, enfermeiros, polícias, a famílias que tinham rendimento mas também tinham uma renda acima das suas possibilidades. Dessa forma chegámos a outras 1400 pessoas. Portanto, somando tudo, estamos a ajudar mais de 3.400 famílias que antes não estavam a ser ajudadas.
E de diferentes estratos sociais e necessidades.
Sim, porque havia casos de pessoas com rendimentos tão baixos que não poderiam pagar renda ou só poderiam despender um valor simbólico, que varia de 5 a 50 euros — estamos a falar de pessoas que recebem 400 ou 500 euros... —, as mais vulneráveis. Depois, tínhamos famílias na renda acessível, que andavam pelo patamar acima dos 700/800 euros, jovens profissionais que conseguíamos ajudar. Mas havia um grupo que estava entre estes dois e não tinham ajuda nenhuma; por exemplo, pessoas que viviam numa situação terrível de vulnerabilidade, com 500 euros, e que arranjavam um part time que lhes dava mais 100 ou 200 euros por mês, ficavam com rendimentos de 600 euros e perdiam apoios. Então construímos um concurso específico para esse intervalo dos 500 euros ao salário mínimo, que permite responder a esses casos mas também aos jovens profissionais que já não conseguiam pagar renda em Lisboa. Hoje, um jovem que estudou anos e arranja emprego a ganhar 900 euros não consegue pagar casa. Agora já tem soluções. E temos muitos casos desses.
Somando todos os apoios na habitação, estamos a ajudar mais de 3.400 famílias que antes não estavam a ser ajudadas.
Muitos?
Sim, sobretudo professores e polícias municipais, que já não se fixavam em Lisboa.
E vai continuar? Que outras medidas tem a CML em curso para melhorar o problema da habitação?
Ainda temos um caminho muito longo, são 560 milhões que vêm do PRR mas também com o programa Primeiro Direito, temos ido a todos os recursos, e ainda estamos a meio caminho desses 500 milhões. A partir de agora o caminho passará também muito pela construção.
Mais direcionado para famílias jovens e classe média?
Será metade metade, parte para os mais carenciados e parte para essas pessoas, jovens profissionais que já não conseguem pagar a renda e que têm sido muito castigados e não têm ajudas. São pessoas que estão em situações que, ao olhar do esquema tradicional das câmaras, não preenchem os requisitos porque ambos têm rendimentos de 800 euros, juntos ganham 1600 euros... mas não chega. E quero ajudá-los mais, porque nós precisamos desses jovens quadros em Lisboa, não podemos ter uma cidade que não tem esses jovens professores, jornalistas, polícias... Temos de os ter cá. Aliás, a crise de segurança que estamos a viver — não temos suficientes PSP em Lisboa — também decorre disto. E faço uma vez mais o apelo ao governo, porque precisamos de mais polícias em Lisboa. Mas se eles não conseguem pagar renda aqui, não vêm. Temos de conseguir ajudar muito essa parte da população.
E isso passa agora muito pela construção?
Sim, vamos construir muito mais, em muitas partes da cidade. Recordo que conseguimos finalmente lançar o plano de urbanização do Vale de Santo António (o investimento de 750 milhões foi aprovado em maio) e só aí serão construídas mais ou menos 2.500 casas, no centro da cidade, ali na zona de Santa Apolónia. E nós queremos e temos margem para trabalhar esta malha, garantindo que a cidade tem toda a gente em todos os sítios: tem os mais vulneráveis, os que têm mais dinheiro, os jovens profissionais. E todos vivem na mesma cidade, em vez de se criar uma cidade em que um bairro é para uns e outro para outros. Isso é sempre um problema. Nós não queremos separar grupos, queremos bairros onde todos vivam, que haja habitação acessível e municipal em todos os bairros. E temos, olhe: na Rua das Amoreiras, em bairros caros. Hoje, mais de 12% dos lisboetas vivem em bairros municipais. Eu oiço muitas discussões políticas sobre este tema, mas a verdade é que Lisboa tem dado e continua a dar o exemplo neste campo da habitação municipal; é das cidades da europa com maior percentagem de pessoas a viver em bairros sociais.
Não queremos separar grupos, queremos bairros onde todos vivam, que haja habitação acessível e municipal em todos os bairros.
E quando estará pronto o Vale de Santo António?
Tivemos a aprovação do projeto, agora estamos na fase de avançar com as infraestruturas, mas são projetos de longo prazo, de sete a dez anos. É o caso também da zona por trás das Olaias. Era preciso começar, arrancar com as infraestruturas e equipamentos, fazer as ruas. Até para depois conseguirmos trazer também privados para os projetos. Mas eu estou numa situação política muito difícil.
Porquê?
Porque, por exemplo, para eu ter capacidade de construir no Vale de Santo António tenho de poder vender terrenos a privados, de forma a ter dinheiro para esses projetos. E neste mandato, a oposição decidiu não me deixar vender ativos; sou um presidente da câmara que, ao contrário de todos os outros, tenho menos um poder. Todos os autarcas do país têm capacidade de vender lotes de terreno ou edifícios que já não são usados para com isso angariar tesouraria e construir habitação. Infelizmente, esta oposição desde o início bloqueia tudo quanto são vendas patrimoniais. Portanto, eu ainda tenho dinheiro da Europa, mas quando acabar vou ficar com um problema que diria que é único no país. Seja a câmara do PS, da CDU ou de qualquer partido, pode vender património; eu não posso. Espero que isso mude, que a oposição entenda que quando eu quero vender é para poder construir mais, para fazer projetos para a cidade. E que deixe esta visão ortodoxa de que a cidade não pode vender património.
Mas imagino que o explique nas reuniões.
Sim, mas é a política no seu pior: eles sabem que se me bloquearem as vendas não me deixam realizar os projetos. O Vale de Santo António é exemplo. E sempre se fez assim, mesmo com vereadores de todos os partidos e governos de cores diferentes, a CML tinha vendas de património que chegavam a 100 milhões de euros. Eu tenho pessoas nos bairros municipais que choram porque gostavam de comprar as casas onde vivem há 20 anos e das quais pagaram todas as rendas e não podem. Isso já foi feito, mas não me deixam fazer.
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A oposição bloqueia a venda?
Sim. É um exemplo. Estas pessoas não conseguem comprar as suas casas porque a oposição não deixa. Eu espero que a oposição entenda que não podem continuar a ter essa atitude porque é prejudicial às pessoas.
Para eu ter capacidade de construir, tenho de poder vender terrenos a privados, de forma a ter dinheiro para esses projetos. E neste mandato, a oposição decidiu não me deixar vender ativos; sou um presidente da câmara que, ao contrário de todos os outros, tenho menos um poder.
E para desenvolver os projetos não poderia recorrer-se a parcerias público-privadas (PPP)?
Sim, isso tem sido trabalhado, mas também bloqueado. Para que se entenda o que está em causa, estamos a falar por exemplo de um privado receber um lote de terreno para fazer mil apartamentos, vender 700 como quiser, para ter lucro — porque as empresas privadas têm de dar lucro —, e fazer mais 300 em que terá de aplicar rendas baixas, respeitando a vontade da câmara. Um privado aceitará fazê-lo, mas não se perder dinheiro; nenhuma empresa privada aceita entrar num projeto para delapidar-se. Eu conheço muitos promotores que até estavam dispostos a ganhar pouco, mas perder dinheiro, não. No tempo anterior da autarquia, criou-se um modelo em que eles perdiam dinheiro, por isso nunca aceitaram. Nós começámos a fazer um novo modelo, que lhes trouxesse algum retorno, mas também esse caminho, que é essencial, tem sido bloqueado. Não podemos pedir aos privados que entrem para perder... Vamos ver se conseguimos dar a volta a isso; tem sido uma grande batalha da vereadora Filipa Roseta e ainda temos mais um ano pela frente. Claro que há partidos da extrema-esquerda que acham que tudo o que é privado é mau, mas estou aqui a falar de um centro moderado em que de um lado está a minha coligação, Novos Tempos, e do outro o PS, que sempre teve uma atitude de um partido de esquerda mas moderado.
E agora não está a sê-lo?
Neste momento não está, apenas para bloquear a governança do presidente da câmara. Ainda assim, em três anos fomos capazes fazer muita coisa.
Mas qual é a solução que a oposição defende em alternativa?
A extrema-esquerda só tem uma solução: tem de ser tudo público. Mas a habitação não se resolve só com a parte pública, também tem de envolver os privados. Eles não aceitam nada que seja privado e penso que o PS se deixou ir também por esse caminho, que nunca tinha sido o seu, para de certa forma agradar. E só com dinheiro público não se vai resolver o problema; aliás, sem a Europa estávamos muito mal. Com o PRR conseguimos avançar, mas o esforço conjunto devia envolver todos nesta batalha. Penso que temos feito um trabalho incrível no urbanismo e a vereadora Joana Almeida tem feito imenso no licenciamento: diziam-nos que estavam anos há espera de uma licença e hoje estamos a licenciar em três meses as obras mais pequenas, em cinco a sete as médias e nas grandes também reduzimos. E isto também baixa o preços das casas, porque esse preço refletia cinco anos à espera de licença, a pagar os juros aos bancos pelos terrenos.
Há partidos da extrema-esquerda que acham que tudo o que é privado é mau, mas há um centro moderado em que de um lado está a minha coligação, Novos Tempos, e do outro o PS, (que podia ajudar a chegar a soluções) que também se deixou ir por esse caminho de bloqueio.
Tem sentido também pressão para reduzir o número de Alojamentos Locais (AL) ou vê também espaço para eles na cidade?
O número de AL, de 2010 a 2021, subiu de 500 para 19 mil. Quando eu entrei para a câmara, eram 19.320. Neste mandato, diminuímos esse número, até porque o suspendemos na cidade toda — que, aliás, foi algo com que não concordei. Porque repare, em Santa Maria Maior, por exemplo, há 60 AL por cada 100 casas: isto não é normal, tem de se proibir. Mas proibir em Benfica ou Santa Clara não faz sentido. Podia haver em certas freguesias. Mas acabámos por congelar em toda a cidade porque não consegui passar a minha ideia pela oposição.
Que era o quê?
Era simples. De zero a cinco AL por cada 100 casas, a freguesia podia ter AL. De cinco a 15 AL por 100 casas, estaria em contenção relativa, ou seja, não era permitido mas podia avaliar-se. E de 15 para cima seria proibido. Isto seria muito razoável. Mas com o nosso mandato a verdade é que o AL diminuiu. Mas veja: hoje o AL representa cerca de 30% das dormidas de turistas em Lisboa; se eu de um momento para o outro proibisse todos, onde é que esses turistas iam dormir? É que os hotéis não têm essa capacidade... O populismo de esquerda e de direita é feito de um pensamento mágico, como se as coisas pudessem ser A ou B, 1 ou 0. A vida não é assim. Além disso, o AL deve ser contido, como foi, mas é preciso ver que também representa muitas famílias que ao fim do mês ali vão buscar rendimento, não são grandes empresas. São famílias que ficaram desempregadas nos períodos da crise e nunca mais arranjaram emprego e que vivem de um ou dois AL.
Também há grupos empresariais e até de hotelaria.
Sim, mas é uma minoria. Por isso digo que temos de regulamentar, de conter, como temos feito.
O AL representa cerca de 30% das dormidas de turistas em Lisboa; se eu de um momento para o outro proibisse todos, onde é que esses turistas iam dormir? Os hotéis não têm essa capacidade. O populismo de esquerda e de direita é feito de um pensamento mágico, como se as coisas pudessem ser A ou B, mas a vida não é assim.
E os hotéis? Até 2026, deverão abrir 40 em Lisboa, um crescimento de 15% na oferta hoteleira da cidade...
Eu acho sempre interessante ver partidos que quando estavam no Executivo aprovaram um Plano Diretor Municipal (PDM) que definia o que se podia construir em cada parte da cidade, se hotéis ou casas, e agora são contra...
Poder-se construir não significa que se vai construir.
Sim, mas eram projetos que já vinham do Executivo anterior, projetos cujo licenciamento estava a demorar na câmara. A questão aqui é de Direito, é de lei. Nós tivemos um grupo hoteleiro cujo projeto de hotel para licenciar foi a reunião camarária e a oposição uniu-se e votou contra; no dia a seguir, esse promotor pôs a câmara em tribunal (n.r. caso do Convento das Mónicas). Porque há regras. Se queremos mudar o paradigma dos hotéis em Lisboa, então temos de mudar o PDM.
Em democracia, o direito à habitação é um direito fundamental, mas o direito à propriedade também. Senão, estamos na Venezuela.
E já tentou fazê-lo?
Seria impossível nestas condições. Era preciso uma câmara em que houvesse acordo. Porque há muitas coisas a mudar, por exemplo, a construção em zonas que deviam estar permeáveis e não estão (o que causa cheias). Mas neste mandato, seria impossível chegar a acordo. Agora, todos temos de assumir responsabilidades: se há um PDM e pessoas que compraram terrenos até já com uma pré-aprovação (o chamado PIP, Pedido de Informação Prévia), nós não podemos agora negar-lhes isso. Nós vivemos numa democracia e em democracia o direito à habitação é um direito fundamental, mas o direito à propriedade também. Senão, estamos na Venezuela. Não há uns direitos que são fundamentais e outros que não são. A democracia é assim, temos de respeitar os direitos. Eu gostava de ter mais habitação em Lisboa, por isso investimos 560 milhões; aliás não temos feito senão investir. E gostava que os promotores também o fizessem, mas para os convencer, precisamos destes contratos de concessão de que há pouco falámos e que nunca conseguimos passar na oposição.