"Isto é verdadeiramente incrível", começou por dizer Daria Navalnaya, filha de 20 anos do dissidente russo Alexei Navalny e estudante de política na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, que se revelou "bastante honrada" mas também "apavorada" com o prémio atribuído ao pai.

"Este prémio é o reconhecimento do preço alto que o meu pai pagou pelo seu trabalho e pelo trabalho que continua a ser feito por ele e pelos seus colaboradores", afirmou. "É um símbolo do trabalho de dezenas de milhões de cidadãos do meu país que continuam a lutar por um melhor destino da Rússia".

O Prémio Sakharov para a Liberdade de Pensamento distinguiu este ano o principal opositor ao regime russo, Alexei Navalny, num cenário de tensão na Europa devido ao estacionamento de cerca de 100 mil tropas russas na fronteira com a Ucrânia, junto à região de Donbass, a segunda mais povoada a seguir a Kiev.

Crítica ao "pragmatismo" dos líderes

A filha do opositor russo, que está preso desde janeiro, criticou o pragmatismo dos líderes internacionais na forma como lidam com Vladimir Putin, Presidente russo, e a falta de ação contra as suas ações dentro do país e ameaças internacionais. "O apaziguamento dos ditadores e tiranos nunca funcionou", avisou.

"Quanto custará à Europa uma guerra com a Ucrânia?", questionou a ativista que destacou a falta de ação internacional perante uma invasão iminente da Ucrânia por parte do exército russo.

Sakharov
Sakharov Daria Navalnaya, David Sassoli e Leonid Volkov, no Parlamento Europeu, em Estrasburgo créditos: © European Union 2021 / MATHIEU CUGNOT

"Sabemos que uma força terrorista fui criada sob alçada das forças especiais de Putin, que pretende matar cidadãos do meu país sem os ouvir, que quase matou a minha mãe e o meu pai", expressou.

Daria Navalnaya criticou ainda aqueles que pretendem apaziguar os ditadores com conversações, insistindo ao mesmo tempo que a Europa deve permanecer fiel aos seus ideais.

"Com o pragmatismo, há cinismo, hipocrisia e corrupção", alertou Daria Navalnaya que pediu sanções internacionais que afetem os políticos russos para travar a repressão do regime de Putin contra oposição política no país.

Navalny deixou mensagem para a UE

"Quando escrevi ao meu pai, perguntei-lhe: ‘O que exatamente queres que eu diga no discurso?’. Ele respondeu: Diz que ninguém pode ousar comparar a Rússia ao regime de Putin. A Rússia faz parte da Europa e nós esforçamo-nos para fazer parte dela. Mas também queremos que a Europa se esforce por si mesma, por essas ideias incríveis que estão na sua essência. Esforçamo-nos por uma Europa de ideias, a celebração dos direitos humanos, da democracia e da integridade", revelou.

"Não queremos líderes que sonham em ter um lugar em empresas estatais russas controladas por Putin", acrescentou Daria Navalnaya, referindo-se ao antigo chanceler alemão Gerhard Schröder, que aceitou depois de abandonar o cargo em 2005 um cargo de topo na Nord Stream AG, uma subsidiária da Gazprom, a maior empresa de energia da Rússia.

"Porque é que tão difícil libertar as pessoas que lutam pelos direitos humanos?", questionou a filha do opositor no seu discurso de agradecimento do Prémio Sakharov. "Porque é que continuam presos não em todo o mundo e também em países localizados na Europa?", perguntou.

"Cada vez mais pessoas que lutam como o meu pai estão ser postas atrás das grades", relembrou, sendo que a Rússia tem atualmente centenas de opositores políticos que permanecem detidos ou exilados.

Daria Navalnaya
Daria Navalnaya Daria Navalnaya, durante o discurso no Parlamento Europeu, em Estrasburgo créditos: EPA/JULIEN WARNAND

"Este ano [o prémio] é entregue a Alexei Navalny que está injustamente preso numa prisão russa", comentou David Maria Sassoli, presidente do Parlamento Europeu, no arranque da cerimónia.

"Alexei Navalny é um político prisioneiro", considerou. "Como presidente do Parlamento Europeu, peço a sua libertação imediata e incondicional", asseverou, recebendo uma salva de palmas do hemiciclo em Estrasburgo.

David Sassoli recordou que Navalny "foi ameaçado, torturado, envenenado, preso, encarcerado, mas não conseguiram calá-lo".

"Como ele próprio disse uma vez, a corrupção prospera onde não há respeito pelos direitos humanos, e eu acredito que tem razão", comentou o líder europeu a propósito do trabalho de Alexei Navalny, que se dedica a denunciar casos de corrupção em solo russo.

"A luta contra a corrupção é também uma luta pelo respeito dos direitos humanos universais. É certamente uma luta pela dignidade humana, pela boa governação e pelo Estado de direito", referiu Sassoli.

Veja fotografias da cerimónia

Alexei Navalny permanece preso em Pokrov, na Rússia, onde foi detido em janeiro de 2021 para cumprir uma pena de prisão de mais de dois anos.

O dissidente russo já tinha sido nomeado para o prémio que homenageia o trabalho dos defensores dos direitos humanos e a liberdade de pensamento em 2019.

Navalny é uma das vozes mais ouvidas internamente na Rússia, mas também fora de portas. Há mais de uma década, dedica-se à divulgação de informações sobre a extensão da corrupção na Rússia, sobretudo nas elites próximas de Putin. Tem milhares de seguidores nas redes sociais e os seus vídeos somam milhões de visualizações.

Alexei Navalny
Alexei Navalny Alexei Navalny, líder da oposição russa e ativista anticorrupção, em Moscovo, Rússia, em fevereiro de 2020, numa vigília a propósito dos cinco anos da morte de Boris Nemtsov, um político liberal russo que foi assassinado nas proximidades do Kremlin créditos: EPA/YURI KOCHETKOV

Navalny ganhou notoriedade internacional depois de concorrer às eleições russas em 2018, mas já antes era internamente um alvo político para Putin.

Esteve várias vezes detido por organizar manifestações pacíficas pró-democracia em várias cidades russas.

Envenenado durante ação de campanha

Em 2020, sobreviveu a um envenenamento com uma substância semelhante ao Novichok, um agente neurotóxico produzido em laboratórios dos serviços militares russos, quando fazia campanha na Sibéria.

Navalny e a comunidade internacional acusaram Vladimir Putin pela tentativa de assassinato, algo que o Kremlin rapidamente se apressou a desmentir acusando o líder da oposição de "mania da perseguição".

O Prémio Sakharov para a Liberdade de Pensamento, no valor de 50.000 euros, foi lançado em 1988 e é entregue todos os anos a defensores da liberdade de pensamento e direitos humanos.

Um grupo de mulheres afegãs e a ex-Presidente boliviana Jeanine Áñez eram as outras finalistas da edição do prémio em 2021.

O jornalista Nuno de Noronha está em Estrasburgo e acompanhou a cerimónia de entrega do Prémio Sakharov a convite do Parlamento Europeu.

Reveja a cerimónia da entrega do prémio (em italiano e inglês)