
Mais de 60 líderes mundiais e 4.000 representantes da sociedade civil reúnem-se na próxima semana em Sevilha para relançar a ajuda ao desenvolvimento, que tem atualmente um défice de quatro biliões de dólares anuais, segundo a ONU.
Será a 4.ª Conferencia Internacional sobre Financiamento ao Desenvolvimento (FFD4) da Organização das Nações Unidas (ONU), que decorre em Sevilha, Espanha, de segunda a quinta-feira, dez anos depois da anterior, na Etiópia, em 2015.
O objetivo agora é "renovar o quadro do financiamento global ao desenvolvimento", num momento de "graves tensões geopolíticas e conflitos" e quando "estão gravemente atrasados" os objetivos acordados pela comunidade internacional na Agenda 2030, lê-se no texto "Compromisso de Sevilha", a declaração já negociada no seio da ONU que deverá ser formalmente adotada na próxima semana.
"Estamos a ficar sem tempo para atingir os nossos objetivos e enfrentar os impactos adversos das alterações climáticas. (...) O fosso entre as nossas aspirações de desenvolvimento sustentável e o financiamento para as concretizar tem continuado a aumentar, particularmente nos países em desenvolvimento, atingindo um valor estimado de 4 biliões de dólares anuais" (cerca de 3,4 biliões de euros), lê-se no texto que líderes de governo e de Estado de todo o mundo se preparam para assinar em Sevilha.
Segundo as contas da ONU, o défice atual na ajuda ao desenvolvimento é 1.500 mil milhões mais do que há dez anos e em 2024 a ajuda oficial ao desenvolvimento caiu pela primeira vez nos últimos seis anos, com previsão de nova queda de 20% para 2025.
Num mundo com mais conflitos bélicos e novas tensões e discursos geopolíticos, os recursos estão a ser desviados para orçamentos militares e de segurança, com especial impacto o corte das verbas para ajuda humanitária e a agências da ONU dos Estados Unidos, desde que Donald Trump voltou à Presidência do país, que representava até ao ano passado 42% do total de doações.
Os EUA não vão estar em Sevilha e serão mesmo o único país-membro da ONU ausente, depois de se terem retirado da negociação da declaração "Compromisso de Sevilha", embora não a tenham vetado exigindo uma votação.
"É lamentável que um estado-membro importante saia da sala perante temas tão importantes para milhares de milhões de pessoas", disse a vice-secretária-geral da ONU Amina Mohamed, numa conferência de apresentação do encontro de Sevilha, na quarta-feira passada.
Amina Mohamed acrescentou que, porém, a presença de mais de 60 líderes mundiais em Sevilha é um bom sinal e acredita que os EUA acabarão por se ver obrigados a abordar, de uma maneira ou outra, os compromissos que forem assinados pelo resto da comunidade internacional, de forma "a poderem fazer parte do êxito de retirar milhões de pessoas da pobreza e concretizar os objetivos de desenvolvimento sustentável [da Agenda 2030 da ONU]".
Entre os líderes confirmados em Sevilha estão a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen e o primeiro-ministro de Espanha, Pedro Sánchez, que será o anfitrião, ao lado do secretário-geral da ONU, António Guterres.
O primeiro-ministro de Portugal, Luís Montenegro, já confirmou a presença e estarão também em Sevilha líderes de outros países lusófonos, nomeadamente, os presidentes de Angola (João Lourenço), Cabo Verde (José Maria Neves), Guiné-Bissau (Umaro Sissoco Embalo) e Moçambique (Daniel Chapo).
Passarão ainda por Sevilha, durante os quatro dias da conferência, os líderes das principais organizações financeiras internacionais, como o Banco Mundial ou o Fundo Monetário Internacional, responsáveis de agências e programas de apoio ao desenvolvimento, organismos e protagonistas do setor privado e organizações não-governamentais (ONG).
Na declaração já negociada, a comunidade internacional assume compromissos para criar novos mecanismos de mobilização de ajuda ao desenvolvimento, de aplicação dos investimentos e de gestão das dívidas soberanas dos países mais vulneráveis ou em vias de desenvolvimento, reconhecida no documento como um dos grandes obstáculos para o desenvolvimento sustentável.
Ao longo de 68 páginas, o "Compromisso de Sevilha" enfatiza também que só o reforço do multilateralismo, da cooperação internacional e de instituições como a ONU pode responder à necessidade urgente de erradicação da pobreza e enfrentar os impactos das alterações climáticas, especialmente graves nas regiões do mundo mais pobres.
O documento deverá ser complementado com anúncios unilaterais de diversos países durante a conferência e de ações mais concretas a desenvolver no âmbito da "Plataforma de Sevilha para a ação", que será apresentada na próxima semana.
A conferência de Sevilha "é uma oportunidade única para reformar o sistema financeiro internacional", que é hoje obsoleto e disfuncional, disse recentemente António Guterres, acrescentando: "Neste contexto turbulento, não podemos deixar que as nossas ambições se evaporem".