Para a ex-ministra da Saúde da Guiné-Bissau, o financiamento de 175 mil milhões de euros ao continente africanos durante 20 anos, anunciado esta semana em Adis Abeba, capital da Etiópia e sede da União Africana, por Bill Gates, é "uma notícia muito positiva" e há que "ter a noção de que a maior parte dos países africanos vai continuar a precisar da cooperação internacional para reforçar os seus sistemas de saúde".

No entanto, na opinião da presidente e cofundadora do Instituto para a Saúde Global e Desenvolvimento da Guiné-Bissau, "o que não pode continuar a acontecer é a dependência absoluta" do financiamento externo ao continente.

Segundo a médica, os países africanos precisam de ter planos próprios para financiar "a maior parte" dos seus programas.

"Por isso, é preciso desmistificar a questão da ajuda externa. Nós vamos continuar a precisar, e é bem-vinda, mas ela tem que ser negociada noutros termos", frisou a ex-diretora de Doenças Transmissíveis na Organização Mundial da Saúde em África.

"Ela [a ajuda externa] tem que ser negociada nos termos das prioridades dos países, que têm de assumir a liderança dos seus sistemas de saúde (...), e têm de não ter medo de dizer não quando a ajuda externa não é necessariamente aquela de que precisam ou que vai de encontro às suas prioridades", reforçou a especialista em saúde pública. 

Para Magda Robalo, existe a tendência global de se fazer um diagnóstico "muito redutor daquilo que são as necessidades da saúde".

A médica defende que é preciso acabar com a corrupção e melhorar e eficiência dos serviços, mas existem também outros fatores que precisam de ser desenvolvidos.

"Esquecemo-nos que, enquanto não houver desenvolvimento de infraestruturas rodoviárias, para que as pessoas tenham um acesso mais facilitado aos cuidados de saúde, água potável, energia, uma boa educação" (...) os sistemas de saúde também não se vão desenvolver", contextualizou.

De uma forma geral, Magda Robalo defende que os países africanos têm de crescer economicamente para que os orçamentos estatais possam ter margem de financiamento para a saúde.

Por outro lado, muitos países africanos estão focados em pagamentos de dívidas, o que os impede de "criar um espaço fiscal para investir", lamentou.

"Por isso, é preciso, a nível macro, a nível global, reformas no sistema financeiro e que os termos de empréstimo para os países africanos sejam mais justos", aconselhou.

Na sua opinião, tem de haver "mais disponibilidade para dívidas concessionais [em condições mais favoráveis e para áreas específicas] - para que se possa investir nos setores que trazem crescimento económico e que haja, portanto, utilização do excedente para investir nos setores vitais, como a saúde e a educação" - e também mais trocas comerciais dentro do continente, acrescentou.

Outra questão a ser melhorada é as condições de trabalho dadas aos profissionais, porque "as pessoas não têm boas condições e os hospitais não estão bem adaptados".

É preciso melhorar o setor para prestar "cuidados à população que sejam dignos" e, para a infeciologista, as mulheres são o pilar da área da saúde, pois constituem "a maioria dos profissionais".

No entanto, "infelizmente, as mulheres ainda se debatem com problemas de remuneração inferior" e são-lhes negados cargos de liderança, indicou.

Essa foi uma das razões para a criação do grupo Mulheres Lusófonas na Saúde, em 2023.

Magda Robalo defende a necessidade de lideranças femininas porque estas aplicam "uma diferença enorme na gestão e nas preocupações básicas daquilo que são as necessidades da população". 

"O grupo das mulheres lusófonas existe para isso, para trabalhar junto à sociedade e aos governos para ajudar na elaboração de políticas que se afastem das práticas que têm sido as mais usadas até agora", concluiu.

 

NYC // MLL

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