
O investigador Manuel João Ramos considera que a verdadeira autonomia relativamente ao poder colonial vai chegar agora às antigas colónias, que no caso de Portugal, foi um processo encetado há 50 anos.
"Nestes 50 anos das independências, é possível que finalmente cheguemos ao momento em que haja independências de facto em relação aos poderes coloniais. Estamos a ver isso com a França, muito claramente. E acho que Portugal vai seguir esse caminho", destaca Manuel João Ramos, professor no ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL).
Porque, defende, o continente africano "está em processo de descolonização em relação ao neocolonialismo euro-americano, sobretudo europeu", vincando que isso "pode ajudar a limpar o cadastro".
Manuel João Ramos reconhece a dificuldade para que os processos de descolonização económica sejam efetivos, e que existe "uma capacidade de agenciamento de líderes africanos, das elites africanas, em relação à possibilidade de escolha dos parceiros".
"Seja na Guiné-Bissau, seja em Angola, seja em Moçambique. Em Angola, evidentemente, há uma luta entre chineses e americanos. Claríssimo. Na Guiné-Bissau, os chineses estão lá", acrescenta, considerando que no continente africano existem agora "novos centros de poder".
"Sejam eles económicos, políticos ou militares. E isso é muito importante", salienta.
O investigador acredita, por outro lado, que "as relações de Portugal com os países africanos vão ser determinadas por um desinvestimento evidente nas relações, na ajuda financeira".
Questionado quanto à caracterização do regime colonial português ter sido o último do século XX, Manuel João Ramos é ambivalente na resposta.
"Sim e não. É a última potência colonial a sair? Sim e não. Porque também é verdade que o Banco Central em Paris continua ali a gerir as moedas do CFA até hoje. Ainda não saíram, mas sim. Ainda não saíram, mas onde encontraram uma alternativa", responde, referindo-se ao franco CFA da África Ocidental, moeda de oito estados independentes, sete antigas colónias francesas e a ex-colónia portuguesa Guiné-Bissau.
Considerando a descolonização portuguesa, em que o debate suscita sentimentos contrários consoante a perspetiva com que o processo é avaliado, Manuel João Ramos considera uma inevitabilidade a forma e os resultados que teve.
"Era inevitável. Era impossível manter aquele 'status quo'", defende, recordando que coincidiu praticamente com a cimeira realizada em Vladivostok, entre os líderes soviético, Leonid Brejnev, e norte-americano, Gerald Ford.
Manuel João Ramos considera que essa cimeira, realizada a pretexto de negociações para limitação e controlo de armamento nuclear, consolidou o princípio das chamadas guerras por procuração em África, em que a então União Soviética e os Estados Unidos se digladiavam por intermédio de 'proxys' abstendo-se de confrontos diretos, com as duas superpotências a concertarem a partilha de influências à escala global.
"Sim. E isso parece-me um dado, uma carta fundamental. Ou seja, Portugal não podia sair da NATO. O Álvaro Cunhal não podia chegar ao poder. E isso foi parte do que foi decidido em Vladivostok. A guerra ia continuar em Angola e Moçambique. E a guerra fria ia aquecer em Angola e Moçambique. O que é que Portugal podia fazer? Não podia fazer nada. Ou seja, o Governo português, na verdade, estava muito, muito, efetivamente muito preso aos interesses americanos", considera.
"O que é que aconteceu em 1975 em Angola e em Bicesse? Quem se sentou à mesa das negociações foram os movimentos de guerrilha. Os partidos políticos também existiam. Os partidos políticos podiam ter disputado poder, mas foram todos cilindrados. Ou seja, a legitimidade para o poder político estava nas forças das armas", sintetiza.
Quanto ao percurso das antigas colónias africanas portuguesas, uma vez independentes, Manuel João Ramos aborda o papel das elites africanas, herdeiras do poder colonial.
"Eu acho que o que se mantém como linha estável é a recorrência, enfim, da relação colonial que Portugal teve, que é um colonizador fraco, que confiou na criação de elites crioulas uma parte substancial da administração e das relações económicas", sustenta.
"As elites crioulas perderam o pé na Guiné-Bissau, como se sabe, com a expulsão dos cabo-verdianos, mas nos outros casos parece-me que se manteve a mesma linha. Não há propriamente uma especificidade, mas é uma tendência que os países lusófonos levaram a cabo. Muito mais presente nos países lusófonos do que noutros países em África: essa permanência da elite crioula na condução dos negócios políticos e financeiros", diz.
"O poder é capturado por identidades étnicas", frisa o investigador.
No caso de Angola, "as elites em Luanda, hoje em dia, continuam a lidar com o povo como os seus antepassados lidavam com o povo. E quem eram os antepassados? Os antepassados eram os escravizadores do povo. Aqueles que detinham as mesmas famílias continuam lá. Desde o século XVII que se criou uma elite crioula que lida com o povo como potenciais escravos", salienta.
"E, de certa maneira, esse é o problema das elites crioulas. Sentem-se diferentes", conclui.