

O Sporting concluiu a pré-temporada com uma vitória no Troféu Cinco Violinos diante do Villarreal. Entre a novela de Viktor Gyokeres, um mercado travado pela saída do sueco e sistemas e dinâmicas em mudança, há uma certa reticência sobre a forma como 2025/26 se desenrolará para os leões.
A saída das duas principais referências dos últimos anos pelos lados de Alvalade – Ruben Amorim em novembro passado e Viktor Gyokeres neste julho – torna as mudanças obrigatórias. Rui Borges deu passos nesse sentido em dezembro, quando chegou, deu um passo atrás e voltou agora a procurar uma reaproximação ao seu sistema base numa fórmula que hibridiza o 3-4-3 e o 4-2-3-1, ponto de partida.
Ainda assim, o nível exibicional do Sporting na pré-temporada não foi de luxo. É necessário relativizá-lo porque se trata, precisamente, de um período de pré-época. Há espaço, no entanto, para certos apontamentos não definitivos que podem funcionar como linhas orientadoras para perspetivar o arranque de uma época desafiante para o conjunto verde e branco.
Ousmane Diomande e a defesa a quatro

O Sporting já apresentava um modelo algo híbrido na última temporada, uma tendência que se acentua claramente com a disposição das peças numa base de 4-2-3-1 que permite montar a pressão em 4-4-2. Face à construção do plantel para um modelo com três centrais, nesta nova abordagem há um defesa indiscutível: Ousmane Diomande.
Para o sucesso da época do Sporting, é importante segurar o defesa no mercado. Nenhum dos outros muitos – e bons – centrais do Sporting tem o mesmo conforto a jogar em parelha atrás, estando mais desprotegido nos duelos e nos encaixes individuais. Em sentido contrário, o central costa-marfinense tem todas as condições para se assumir como líder da linha defensiva.
Contrariando uma tendência para o erro, o defesa oferece o complemento ideal para todos os colegas que poderá ter ao lado, menos sólidos do ponto de vista defensivo e nos duelos. Não treme no choque, garante duelos contra adversários muito fortes do ponto de vista defensivo e é uma mais-valia aérea. Quando jogam apenas dois centrais, é importante que os perfis não se anulem e Ousmane Diomande é uma obrigatoriedade.
O posicionamento e a forma de Pedro Gonçalves

Pela grave lesão, Pedro Gonçalves passou algo ao lado da última época. Os lampejos de felicidade no último jogo da Primeira Liga diante do Vitória SC, que coroou o Sporting como bicampeão nacional, mostram a importância que o médio-extremo-sem posição pode ter nos leões. Ainda não se verificou na pré-época.
O primeiro ponto de reflexão sobre Pedro Gonçalves está no posicionamento. Diante do Celtic foi usado como 10, geralmente a cair no centro-direita, zona também ocupada por Francisco Trincão. Se aproximar os dois jogadores poderá possibilitar combinações e associações fáceis, também significa posicionamentos semelhantes. Numa lógica de encaixe, é na meia-esquerda que o internacional português mais pode render, podendo aproximar-se da bola ou atacar o espaço em ruturas curtas. Falta para isso um ala (ou lateral) mais profundo que Matheus Reis, perante as lesões de Nuno Santos e Maxi Araújo.
Ainda assim, mais do que as questões táticas e posicionais, o maior ponto de interrogação que paira sobre Pedro Gonçalves está na forma. Fisicamente o jogador já recuperou da lesão, mas continua a mostrar-se muitos furos abaixo da melhor versão. A pré-época tem algum peso nesta equação, mas não justifica tudo. Pelas características do jogador, o Sporting precisa do melhor Pote para chegar ao ouro.
Conrad Harder e a sucessão a Viktor Gyokeres

O mercado – que vai ser o próximo tema – ainda não terminou e Luis Suárez está fechado como jogador do Sporting para fazer a transição e suceder a Viktor Gyokeres. Enquanto o colombiano – mais associativo e com capacidade para fazer movimentos dentro-fora e permitir a chegada dos médios – não chegou, foi Conrad Harder a aposta de Rui Borges.
Entre o dinamarquês e o saudoso sueco, perdido entre influências de agentes e uma atitude contrária aos mais básicos princípios de humanidade e da vida coletiva, procura-se uma aproximação que, depois de uma abordagem superficial, não existe. Tanto Conrad Harder como Viktor Gyokeres são explosivos, atacam espaços, portentos físicos e visam a baliza. Para lá destas características e da nomenclatura, têm diferenças que se fizeram notar.
Viktor Gyokeres permitia ao Sporting estar confortável longe da baliza adversária e tinha um nível de autossuficiência para segurar bolas, atacar espaços e progredir com a bola. Conrad Harder não tem esses atributos ainda e, sempre que acionado sob pressão para dominar a bola e a entregar aos colegas, não foi bem sucedido. Cabe aos leões encontrar uma nova forma de enquadrar um avançado diferente, mas muito forte nas diagonais curtas e no ataque à baliza adversária.
Mercado e ausências

Há, essencialmente, quatro pontos de interrogação no novo Sporting. Um deles não deverá passar pelo mercado, mas pela recuperação de Maxi Araújo e Nuno Santos. De outra forma, não haverá justificação para o papel profundo de Matheus Reis. As outras terão de passar pelo mercado numa abordagem cirúrgica por três posições.
A Iván Fresneda, mais preso a posições baixas no terreno, faltam recursos para desequilibrar como os têm Eduardo Quaresma (condução), Zeno Debast ou Gonçalo Inácio (passe). Georgios Vagiannidis, por outro lado, tem um perfil mais solto, de envolvimento na manobra ofensiva e ataque a espaços que não coaduna com o papel de lateral baixo.
Alisson Santos é uma aposta de futuro e tem potencial na forma como consegue acionar a mudança de velocidade e ganhar metros. A pouca fiabilidade técnica em alguns momentos e, principalmente, na decisão, tornam prioritária a chegada de um novo extremo esquerdo, capaz de alterar as características de Pedro Gonçalves sem deixar cair o nível. Falta ainda um nome capaz de devolver Conrad Harder à sombra que o ajudará a desenvolver.
Reforços e novidades

O mercado do Sporting está parado a aguardar pela entrada dos milhões de Viktor Gyokeres. Ainda assim, entre novidades e nomes da casa que ganham protagonismo nas pré-épocas há destaques, todos eles no meio-campo.
Não deixa, de resto, de ser curioso ver como a zona mais fragilizada do Sporting na última temporada tem agora nomes em abundância. A Morten Hjulmand e Hidemasa Morita, habituais titulares, junta-se Giorgi Kochorashvili, João Simões, Zeno Debast (que também já é médio) e o reforço Rayan Lucas, ainda que deva ser usado na equipa B. Daniel Bragança ainda recupera de lesão, mas também tem olhos no regresso.
Entre as novidades, nenhum jogador se destacou tanto como Giorgi Kochorashvili, embora tenha somado poucos minutos na pré-época aberta ao público. Tem um perfil técnico e raio de ação que vai buscar algo a Hidemasa Morita, mas um perfil de liderança com muito de Morten Hjulmand na agressividade defensiva e na vocalização. Há um espaço interessante para João Simões na função de chegada à área e de ataque a espaços, mais condizente com as suas características, e uma chegada em bom nível de Rayan Lucas, com características interessantes numa primeira análise.
A evolução na continuidade

Parece claro que Rui Borges não tem ainda certezas definitivas do sistema que servirá de base à exploração das dinâmicas por parte do Sporting. É também possível que tal nunca venha, de facto, a acontecer e que os leões se tornem camaleões. O (Cama)leão pode ser o novo animal a querer rugir em Alvalade.
Ainda assim, mesmo numa abordagem de 4-4-2, as dinâmicas do Sporting são semelhantes às que tinha no 3-4-3, principalmente no momento ofensivo. Iván Fresneda ficou baixo, Matheus Reis projetou-se no corredor. Com isto, Pedro Gonçalves jogou por dentro, Geny Catamo abriu à direita e deu a meia direita a Francisco Trincão. Os dois “extremos” aproximaram-se do meio-campo e Hidemasa Morita gozou de liberdade para lateralizar sobre a esquerda. O avançado procurou segurar bolas e ser usado como opção para saída mais direta e Morten Hjulmand segurou as molas no estendal do meio-campo. Podia ser um resumo do Sporting em 2024/25, mas são conclusões do jogo diante do Villarreal, último confronto da pré-época 2025/26.
Nada é definitivo, mas poucas são as coisas que mudam radicalmente de um dia para o outro. No caso do Sporting, a evolução fez-se na continuidade por mais que a base tenha mudado e obrigado a alguns ajustes.
P.S: Não entra no tópico do artigo, mas Dani Parejo e Alberto Moleiro entendem muito bem a arte do futebol.