O ciclismo, mais do que um desporto, é uma narrativa contínua de esforço, tática e superação. Ao longo das últimas duas décadas, duas gerações muito distintas deixaram a sua marca no pelotão internacional. De um lado, a chamada “geração Contador” — com nomes como Alberto Contador, Andy Schleck, Denis Menchov e Damiano Cunego — dominou as Grandes Voltas entre meados dos anos 2000 e o início da década de 2010. Do outro, a atual “geração Pogacar”, onde brilham Tadej Pogacar, Jonas Vingegaard e Remco Evenepoel, representa um novo paradigma de talento e versatilidade.

A geração Contador: domínio nas grandes montanhas

A era de Contador foi marcada por uma abordagem clássica ao ciclismo de três semanas: resistência, ataques nas montanhas e gestão de esforço ao segundo. Contador venceu sete Grandes Voltas entre 2007 e 2015, incluindo dois Tours, dois Giros e três Vueltas — um feito que poucos conseguiram replicar.

Andy Schleck, embora com uma carreira mais curta, destacou-se pela elegância na montanha e pela rivalidade com Contador, vencendo o Tour de 2010 (atribuído após a desclassificação do espanhol). Menchov somou três Grandes Voltas — duas Vueltas e um Giro — sempre com um estilo frio, metódico e eficaz. Cunego, por sua vez, tornou-se um fenómeno precoce ao vencer o Giro de 2004 com apenas 22 anos.

Em conjunto, esta geração somou 12 vitórias em Grandes Voltas e moldou uma era marcada por duelos montanhosos e etapas épicas. Era um ciclismo de fundo, em que o desempenho durante três semanas era o critério máximo de grandeza.

A geração Pogacar: o ciclista total

Tadej Pogacar representa um novo tipo de campeão. Venceu o Tour de França por duas vezes ainda antes dos 23 anos e, em 2024, juntou o Giro ao seu currículo. Soma já quatro Grandes Voltas, um título mundial de estrada e nove Monumentos — um feito impressionante para alguém com apenas 26 anos.

Jonas Vingegaard, o seu principal rival no Tour, venceu a prova rainha em 2022 e 2023, consolidando-se como o grande especialista da terceira semana. Já Remco Evenepoel, ainda à procura de um Grand Tour, tem-se afirmado em clássicas e contrarrelógios, com dois Monumentos e múltiplas vitórias de prestígio.

Esta geração distingue-se não só pelos títulos, mas pela versatilidade. Pogacar, por exemplo, é capaz de lutar pelo Tour e, semanas depois, vencer o Tour das Flandres ou o Giro da Lombardia. É um estilo mais agressivo, menos preso ao guião tradicional das Grandes Voltas.

Comparar gerações exige mais do que contar vitórias. O ciclismo mudou — e muito. A geração Pogacar beneficia de avanços enormes em aerodinâmica, nutrição, treino por potência e análise de dados. A ciência do rendimento tornou-se central, e os atletas são hoje produtos de um ecossistema altamente otimizado.

Por outro lado, o calendário também se tornou mais exigente. Além das Grandes Voltas, os ciclistas disputam mais clássicas, campeonatos mundiais, e convivem com uma pressão mediática diária. A gestão da carga, a planificação rigorosa e até o marketing digital passaram a fazer parte da equação.

Se a geração Contador era feita de escaladores e especialistas em esforço contínuo, a atual geração é feita de atletas completos, preparados para vencer em qualquer terreno e com múltiplos picos de forma ao longo do ano.

Se olharmos apenas para os números das Grandes Voltas, a geração Contador ainda leva vantagem — 12 triunfos contra 6 da geração Pogacar (até maio de 2025). Mas se alargarmos o olhar para os Monumentos, os Campeonatos do Mundo e a variedade de provas, Pogacar e companhia estão a mudar o que significa ser um campeão no ciclismo moderno.

Contador inspirou uma geração em Espanha, venceu todas as Grandes Voltas e sobreviveu a polémicas com um estilo combativo e romântico. Pogacar está a inspirar uma nova visão de ciclismo total, em que o mesmo atleta pode brilhar em montanha, contrarrelógio e em provas de um dia, com um calendário intenso e uma presença global.

Duas épocas, duas identidades

A geração Contador foi a última grande era dos puros especialistas das Grandes Voltas. A geração Pogacar é a era da polivalência, da performance total e da longevidade antecipada. Uma marcou a década com hegemonia nas rampas dos Alpes e dos Pirenéus. A outra está a transformar o ciclismo num espetáculo mais amplo, mais dinâmico, mais imprevisível. A escolha entre uma e outra não é apenas uma questão de títulos — é uma questão de estilo, contexto e visão do que é, ou pode ser, o ciclismo de elite.