

A história do basquetebol, seja na NBA ou em qualquer outra liga de topo, está marcada por momentos de glória e feitos heróicos. Mas está também, de forma indelével, assombrada por silêncios abruptos — jogadores que desapareceram antes do tempo, carreiras que se esfumaram por entre ligamentos rompidos, ossos partidos e articulações gastas. A evolução do jogo, do treino e da medicina não foi suficiente para travar uma realidade: no basquetebol moderno, a longevidade é uma exceção, não a regra.
Ao longo das últimas décadas, assistimos a uma transformação radical no modo como os atletas de elite cuidam do corpo. Hoje, um jogador da NBA é um ativo milionário rodeado por uma equipa técnica multidisciplinar — fisioterapeutas, nutricionistas, especialistas em biomecânica, psicólogos desportivos. Há um investimento quase clínico no desempenho. Ainda assim, a lista de lesões graves não pára de crescer.
Kevin Durant perdeu quase dois anos entre o tendão de Aquiles e problemas no joelho. Derrick Rose, o mais jovem MVP da história, viu a sua ascensão ser cortada por uma sucessão devastadora de lesões nos joelhos. Klay Thompson regressou recentemente após dois anos parado — primeiro com um ACL, depois com uma rotura no tendão de Aquiles. E há mais: Zion Williamson, Joel Embiid, Ja Morant, Lonzo Ball — uma geração onde a explosividade física vem muitas vezes acompanhada por fragilidade estrutural.
A explicação não é simples. Se por um lado a preparação é mais rigorosa do que nunca, por outro o calendário competitivo é brutal. Com 82 jogos na época regular, playoffs exigentes e um verão muitas vezes preenchido com seleções ou compromissos comerciais, o corpo raramente descansa. E não é só a quantidade — é a intensidade. O jogo atual é mais rápido, mais vertical, mais físico, com deslocações explosivas constantes e contactos em alta velocidade. O basquetebol de hoje pede ao corpo humano algo que talvez ele não tenha sido desenhado para oferecer durante tanto tempo.
Vivemos numa cultura desportiva centrada na exibição constante. A pressão mediática, os contratos publicitários, os números fantasiosos do fantasy ou da estatística avançada, tudo empurra os atletas para o desempenho máximo — já, hoje, sempre. Há menos espaço para o tempo, para o repouso, para a gestão inteligente da carga. Jogadores como Kawhi Leonard — que aplicam uma estratégia de load management — são, por vezes, criticados por não jogarem todos os jogos. Mas Leonard sabe algo que muitos só percebem tarde demais: a carreira é uma maratona, não um sprint.
O problema é que nem todas as organizações têm essa paciência. E nem todos os jogadores têm poder suficiente para imporem os seus próprios ritmos. Muitos jovens entram na liga com um corpo ainda em desenvolvimento e são obrigados a adaptar-se a um jogo de homens. Forçam o corpo além do limiar e pagam o preço. Por vezes, um preço irreversível.
A ciência ao serviço da longevidade
Mas nem tudo são más notícias. Há uma nova geração de atletas que está a quebrar o molde. LeBron James, por exemplo, com 40 anos e mais de 20 épocas nas pernas, continua a competir ao mais alto nível. Chris Paul, Stephen Curry, Brook Lopez, Al Horford — são exemplos de como é possível prolongar uma carreira em contexto de exigência extrema.
Como? Através de um controlo rigoroso da dieta, sono, recuperação, e um profundo conhecimento do próprio corpo. O investimento em tecnologia — desde câmaras de tracking ao uso de inteligência artificial para prevenir lesões — é cada vez mais comum. Equipas como os Phoenix Suns e os Toronto Raptors destacaram-se nos últimos anos precisamente pelo seu departamento médico e pelo foco na prevenção.
No plano nacional, embora os recursos sejam mais limitados, também se começam a ver sinais positivos. Clubes da Liga Betclic têm investido em fisioterapia e planeamento físico com base em dados, sobretudo entre os escalões de formação. A consciência de que a longevidade começa a ser trabalhada aos 15 ou 16 anos — e não apenas quando se chega ao topo — está finalmente a enraizar-se.
Uma carreira curta pode ser uma vida longa
Há ainda uma outra reflexão a fazer: o que acontece depois? Muitos atletas, mesmo os que tiveram carreiras relativamente breves, enfrentam dificuldades na transição para a vida fora do campo. Lesões antigas tornam-se dores crónicas. A falta de planeamento para o “pós-jogo” acarreta desafios psicológicos e financeiros. Há uma responsabilidade — por parte das federações, clubes e agentes — de preparar os atletas não só para a longevidade no jogo, mas para a vida depois dele.
O basquetebol é, por natureza, uma celebração do corpo em movimento. Mas também é um teste brutal à sua resistência. O ídolo que se eleva num afundanço transcendente pode, num segundo, desaparecer do palco por meses — ou anos. Viver com essa realidade, e combatê-la com inteligência, ciência e estratégia, é talvez o maior desafio do jogo moderno.
Porque, no fundo, todos queremos que os nossos ídolos fiquem. E que, se partirem, seja apenas porque decidiram parar — e não porque o corpo os obrigou a sair.