O olhar cansado, exausto, sem alma, era, em si, uma explicação. Jürgen Klopp não tinha mais energia para dar ao Liverpool e, por isso, saiu do clube no final da temporada passada.

Depois de quase nove anos em que ressuscitou um gigante do mundo do desporto, forjando uma invulgar ligação com a cidade, o alemão abriu caminho à sucessão. Arne Slot, neerlandês que conquistara a Eredivisie com o Feyenoord, foi o escolhido.

Sem Klopp, e com referências como Trent Alexander-Arnold, Virgil van Dijk e Mo Salah em final de contrato, esperava-se uma época de transição, de reconstrução, uma campanha para lançar bases para o futuro. Não foi assim.

Na temporada de estreia, Slot iguala o total de triunfos na Premier League que Klopp conseguiu entre 2015 e 2024. Culminando um campeonato de claro domínio, o Liverpool sagrou-se campeão inglês pela 20.ª vez.

A quatro jornadas do fim, os reds fizeram uma festa que há muito se adivinhava batendo, em casa, o Tottenham por 5-1. O Arsenal, perseguidor mais próximo, mas ainda assim distante, está a longos 15 pontos de distância. O City, que em 2023/24 foi o primeiro tetracampeão inglês da história, cedo ficou fora da luta.

Ao chegar aos 20 títulos, o Liverpool iguala o Manchester United como clubes mais vezes campeões. Em terceiro está o Arsenal, com 13.

Liverpool amanheceu com a sensação de dia grande. Desde 28 de abril de 1990 que os reds não faziam a festa do título em Anfield. De então para cá, só uma vez o clube foi campeão, mas em 2020 a pandemia tirou os adeptos dos estádios e a equipa de Klopp foi campeã no meio do silêncio.

Desta feita, tudo foi diferente. O sol brilhava, a receção ao autocarro foi cheia de emoção, o "You'll Never Walk Alone" foi cantado em uníssono.

A selfie de Salah para festejar o 4-1
A selfie de Salah para festejar o 4-1 Liverpool FC

O Tottenham entrou com vontade de estragar a festa. Mais preocupado com a Liga Europa, onde está nas meias-finais e pode terminar o jejum de títulos que dura desde 2008, o emblema londrino adiantou-se no marcador aos 12', num cabeceamento de Solanke. A desvantagem não retirou entusiasmo aos locais, que empataram passados quatro minutos, por Luis Díaz.

A reviravolta chegou explorando a passividade do Tottenham. Primeiro foi Alexis Mac Allister, o campeão do mundo, a recuperar a bola à entrada da área e a disparar de pé esquerdo. O 3-1 chegou com o 17.º golo da época de Cody Gakpo, também após bater um adversário num duelo, no caso após canto.

O 4-1 foi um clássico. Salah, o rei egípcio, o rei de Anfield, recebeu descaído para a direita, puxou para o meio e rematou de pé esquerdo. 33.º golo de Mo na temporada e celebração com selfie incluída. Foi o 185.º golo do egípcio na Premier League, superando o registo de Sergio Agüero e tornando-se o melhor marcador estrangeiro da história da competição. Diogo Jota, que se junta ao grupo de portugueses que triunfaram num dos principais campeonatos do mundo, entrou mesmo antes do 5-1, que chegou através de um auto-golo de Udogie quando Liverpool inteira já era um delírio.

Olhando aos números, esta campanha nem foi muito diferente do que o Liverpool de Klopp fez em 2018/18, quando chegou aos 97 pontos na liga, ou em 2021/22, quando alcançou 92 pontos. Mas em ambos os casos havia um adversário de nível estratosférico, um City que era ainda melhor. Arne Slot teve o mérito de aproveitar a quebra competitiva do clube que vencera seis dos últimos sete títulos, preenchendo esse vazio para ganhar com grande margem.

O tal ano que se imaginava de transição também não culminou com tantas saídas de referências como se julgaria. Salah e Van Dijk, que foram os dois mais utilizados do plantel, já renovaram contrato. Só Arnold parece a caminho de Madrid.

Pela primeira vez em três décadas e meia, Anfield celebra uma liga com público. A primeira de Slot não deixa de ser, também, um louvor ao trabalho de Klopp, o homem que soube iniciar a transição, começar a reconstrução, cimentar bases para o futuro e, quando se sentiu esgotado, saiu para que entrasse energia nova. A energia é campeã inglesa.