
As impressões são tramadas e agarram-se com força às perceções, não com cuspo mas com cola, supercola aliás. É provável que um adepto português que ouça o nome Renato Sanches acenda dentro da cabeça a ideia de um jogador possante a correr com a bola, um trota-metros com ela no campo, capaz de levar tudo à frente. Logo de seguida, ou até antes, acordará a luz que o tem como um futebolista fadado às lesões. Quase uma década contada desde a erupção do médio na equipa principal do Benfica, o teimoso ideário a cercá-lo é muito o de um talentoso médio que nunca se mantém longe de mazelas.
Desde 2016/17, a época seguinte à sua estreia pelo Benfica, embelezada pela conquista do Europeu com Portugal quando ainda era um adolescente, Renato Sanches perdeu 169 encontros por estar indisponível ou a recuperar de problemas físicos entre os cinco clubes que representou além do que o fez brotar para o futebol. A sinuosa contabilidade, feita pelo portal “Transfermarkt”, não afere o lastro com que qualquer lesão contamina um jogador: mesmo quando se livra da dor, recebe alta do departamento médico e retorna aos treinos, o ritmo de jogo foi perdido, há que caçá-lo de novo e tal demora o seu tempo.
Em nove temporadas, Renato Sanches sofreu 26 lesões de cariz muscular ou tendinoso, excluindo problemas de outro cariz, como ser apanhado pela gripe ou ficar com traumatismos fruto de pancadas sofridos em jogo. Esta longa época que ainda decorre foi a mais arreliante para o internacional português: falhou 35 partidas e acumulou 176 dias indisponível devido a quatro lesões musculares.
Enquanto a generalidade dos jogadores das 32 equipas do Mundial de Clubes padece dos efeitos de uma época extenuante, o seu cansaço esturricado pelo calor dos EUA, palco do torneio que encurtará o tempo de descanso para todos, o médio surgiu fresco neste último tramo. Em duas partidas do Benfica, contra o Boca Juniors e o Auckland City, acumulou 90 minutos, quase metade dos que teve nas 34 jornadas do campeonato português (195 minutos). Pareceu solto no campo, sem quezílias no corpo, dado a correrias e a expor-se ao choque. Por coincidência, esta terça-feira, o jornal “Record” noticiou que o departamento médico dos encarnados terá descoberto a causa para as reincidentes chagas musculares que têm afetado o jogador.
Análises feitas a Renato Sanches terão concluído que o jogador possui uma deficiência de colagénio, um tipo de proteína produzido naturalmente pelo corpo e essencial, entre outras funções, para a formação muscular, tendinosa e articular.
A notícia do jornal desportivo assenta no pressuposto da relevância do colagénio para a prevenção de lesões, explicando-o com a ajuda de Henrique Jones, antigo médico da seleção nacional: “Se temos um atleta que faz várias lesões contínuas, sobretudo musculares, e não se deteta uma causa direta, se tem boa alimentação, treinos e recuperação cuidados, e não se percebe porque é que pode ter este tipo de lesões repetitivas, uma das coisas que pode acontecer é uma quantidade inferior ao normal de colagénio nos músculos e articulações.” Para o determinar, prosseguiu, recorre-se a biópsias.
O clínico, em concreto, falou do tipo 1 de colagénio, o mais comum e presente em tendões, cartilagens, ossos, ligamentos e vasos sanguíneos. Contribui para o fortalecimento das articulações e a resistência das cartilagens do corpo. Caso tenha realmente sido detetada uma carência em Renato Sanches, a solução mais óbvia será a suplementação, embora, de momento, o seu efeito no âmbito desportivo esteja por esclarecer, diz Pedro Carvalho. “A suplementação com colagénio apesar de não ter uma grande evidência, pode ser útil mais na recuperação de lesões do que propriamente na sua prevenção”, explica, à Tribuna Expresso, o nutricionista que chegou a trabalhar no FC Porto e no Rio Ave.
O especialista em nutrição desportiva sustenta a afirmação no mais recente estudo que reviu e cruzou os resultados de todos os anteriores (19, no total) que visaram os efeitos “a longo-prazo” da suplementação de colagénio em desportistas. “As descobertas indicam uma significativa, embora com certidão reduzida a moderada, evidência de melhorias (...) na morfologia de tendões, massa muscular, força máxima e recuperação de força reativa após danos musculares causados por exercício físico”, lê-se na sua conclusão.
Desconhecendo, por completo, o caso de Renato Sanches, mas como acrescento ao contexto a que se costuma recomendar a suplementação de colagénio, Pedro Carvalho expõe que é “mais utilizado em lesões ligamentares/tendinosas do que propriamente em roturas musculares”, ressalvando “não ter efeitos secundários”. Por isso, “na dúvida, suplementa-se”, conclui o nutricionista e também professor da Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica Portuguesa.
Renato Sanches foi titular no jogo inaugural do Benfica no Mundial de Clubes, diante do Boca Juniores, jogando 61 minutos, mesma freguesia do relógio na qual entrou em campo na segunda partida, frente ao Auckland City, tempo suficiente para marcar um golo. O derradeiro encontro dos encarnados na fase de grupos da prova é esta terça-feira à noite (20h, DAZN), contra o Bayern de Munique. Quer o médio pise o campo, ou não, a notícia de o departamento médico do Benfica seguir a pista do colagénio sugere, mais do que certezas ou panaceias, uma derradeira tentativas para se caçar a causa da insistência companhia que as lesões têm feito à carreira do jogador de 27 anos.