Se calhar a solução era mesmo assar o borrego. Queimá-lo nos 30 e muitos graus da Carolina do Norte, esturricá-lo verdadeiramente. Começar a todo o gás, preparar logo bem o cozinhado de início, e depois aguentar, resistir, rematar a refeição nas mãos seguras de Trubin.

Depois de três empates e 10 derrotas, seis delas sofrendo quatro ou mais golos, o Benfica bateu o Bayern Munique pela primeira vez. O 1-0 dá o triunfo no grupo, relegando os alemães para o segundo lugar e dando muito importantes injeções de confiança e moral ao projeto Bruno Lage. Depois do campeonato perdido, do Jamor, das intermitências contra o Boca, do caso Kökçü, uma vitória histórica para assar a besta negra e lançar-se para os 16 melhores do Mundial de Clubes.

Antes do apito inicial, Lage falou na intenção de colocar “os baixinhos” no jogo. Ao 59.º compromisso da campanha, as águias apresentaram um onze inédito, com Prestianni, Barreiro e Renato de início em simultâneo pela primeira vez e Schjelderup e Di María como titulares em conjunto, algo que não sucedia desde janeiro.

Cedo se percebeu que o ouro inicial estaria em aproveitar o adormecimento bávaro, explorando as dificuldades na transição defensiva. Na melhor jogada das águias em todo o torneio, o 1-0 que decidiu a tarde quente chegou aos 13’. Di María aguardou pela subida de Aursnes, que serviu o compatriota Schjelderup para o golo. A celebração de Bruno Lage, reivindicativa, como uma pessoa que esperou numa fila de uma repartiação pública para pagar uma multa indevidamente cobrada, mostrava a importância do momento. Pouco depois, em novo ataque rápido, Pavlidis ficou perto de dobrar a vantagem.

O calor intenso marcou o jogo
O calor intenso marcou o jogo Kevin C. Cox

O Mundial de Clubes consegue ser um universo cheio de pequenos mundos dentro de si. Tanto pode parecer um pseudo-encontro de Libertadores, como no Benfica-Boca, como soar a uma colisão de universos, profissionais contra amadores, como nos encontros do Auckland City.

Em Charlotte, os 36.ºC a meio da tarde e o ritmo sonolento que o Bayern, com várias segundas linhas, utilizou frequentemente na circulação fizeram que o primeiro tempo, a espaços, fizesse lembrar um amigável de pré-época, um dos muitos compromissos nos tours que se fazem nos EUA. Lento, previsível, perfeito para os interesses do Benfica. International Champions Cup, lembram-se? Na primeira parte, só num bom lance de Gnabry em cima do intervalo é que os bávaros ameaçaram, mas Sané atirou sem direção.

O estádio da Carolina do Norte, mais um gigante deste Mundial de Clubes (capacidade: 74.867), massacrou quem a ele se deslocou com bancadas sem sombra, expostas ao sol das 15h00. A pausa para hidratação, a meio do primeiro tempo, parecia mais a imagem de 22 homens a tentarem sobreviver no meio do deserto do que uma breve interrupção num jogo de futebol. Os grandes planos das faces dos protagonistas eram de quem parecia rezar para que as ocasionais nuvens tapassem o sol, dando algum conforto momentâneo.

Pela canícula, Prestianni chegou a sentir-se mal, tendo de sair de campo durante alguns instantes. O descanso chegou sem remates do Bayern à baliza de Trubin e, com o Boca a ganhar apenas por 1-0, uma sensação de situação controlada para os lisboetas.

A segunda grande defesa de Trubin perante Sané
A segunda grande defesa de Trubin perante Sané picture alliance

Para o segundo tempo, Kompany trouxe outra partida. Do banco vieram os passes e a visão de Kimmich, a ousadia e o drible de Olise e a referência ofensiva e o perigo de Kane e, com eles, outra equipa. Em cinco minutos, o Bayern criou mais do que em 45, com Sané, isolado, a não conseguir bater Trubin, que também travou Müller, que continua a ir-se despedindo do seu emblema de sempre, ao serviço do qual somou, em Charlotte, a 754.ª presença. Os alemães demoraram 50 minutos a rematar à baliza adversária mas, quando o fizeram, obrigaram o Benfica a aguentar.

Depois da polémica de há dias, Kökçü foi suplente e lançado no segundo tempo para tentar equilibrar as operações no miolo. Numa dupla substituição turca que também incluiu Aktürkoğlu, foi Kerem a trabalhar bem depois de entrar, mas incapaz de bater Neuer. Do outro lado, um guardião 16 anos mais novo que o parceiro de posição também brilhava, com Trubin, com um defesa digna de exercício de ginástica de solo, a tirar o 1-1 a Pavlovic.

A derradeira nota de destaque do forno de Charlotte foram mesmo as defesas de Trubin. Exibindo-se perante a lenda Neuer, ainda teria mais uma grande intervenção na manga, literalmente na manga, já que usou o braço para voltar a negar um mano a mano a Sané. O escaldante cozinhado da Carolina do Norte era, assim, servido nas mãos do ucraniano. A besta negra está morta, o Benfica está vivo no Mundial de Clubes.