
As vivências que experienciamos pela primeira vez têm o condão de nos fazer desconfiar da realidade. Por momentos, quase nos esquecemos que somos meros terráqueos num mundo em que a fantasia fica encaixotada em livros e filmes e nenhum dos seus formatos é de usufruto dos humanos. Ainda bem, sabe-se lá o que podiam fazer com ela. Em algumas circunstâncias, só a existência de testemunhas garante que não nos sentirmos culpados por termos diante dos olhos inimagináveis acontecimentos. Vamos a exemplos.
É verdade que St. Juste, central do Sporting, quando estava na linha do meio-campo se lembrou de atrasar a bola em balão para o guarda-redes, Rui Silva, e que este, de mãos mais fidedignas do que os pés, colocou-a on interior da própria baliza?
O polígrafo confirma: é verdade e toda gente no Estádio de Alvalade viu.
Talvez este tenha sido o caso mais inóspito da receção dos leões ao Arouca e foi ele que ditou o tom de um jogo com um fluxo anormal, mas que assegurou 90 minutos bem passados. É a mesma lógica da indústria do entretenimento que leva anos a lucrar com assuntos que parecem metade reais, metade fictícios.
Rui Borges nem podia acreditar no que estava a ver. Depois de já estar em desvantagem, St. Juste, o defesa de cristal, saiu lesionado pela enésima vez. Seguiu-se Daniel Bragança naquele que se tornara num desfile de inválidos. Ainda estava Rui Borges a tentar virar o marcador e já sabia que ia continuar a lidar com uma enfermaria atulhada.
Também invulgar, mas neste caso em benefício do Sporting, foi Conrad Harder não precisar de bater, bater e bater para depois partir, como habitual. Desta vez, esmagou logo à primeira. A jogar em simultâneo com Gyökeres após ter sido lançado aos 14’, o dinamarquês marcou no primeiro toque que deu na bola.
O atrevimento do Arouca, típico das equipas de Vasco Seabra, custou o empate. Nico Mantl descobriu uma ligação longa que permitiu que o ataque se iniciasse, mas no processo aconteceu um curto-circuito e a perda da bola deu-se com os jogadores demasiado expostos.
A predisposição para ser ofensivo manteve o Arouca na discussão do resultado. A roda baixa de Pablo Gozálbez contaminava a zona de definição com elegância, colocando os rapazes com quem faz pandã na cara do golo. A situação mais flagrante aconteceu com Alfonso Trezza numa das várias transições que o Arouca acabou por se arrepender de não ter concretizado.
Henrique Araújo, avançado formado no Benfica, arranjou maneira de ser combativo entre os defesas. Foi tão persistente em passar por Morten Hjulmand que o médio do Sporting, num eclipse de discernimento, agarrou nele e fez-lhe um ippon dentro da grande área. O respetivo penálti, cobrado por Araújo, voltou a colocar o Arouca na frente.
A estabilidade na contenção das investidas que o Sporting realizava sobre o lado direito dos arouquenses cimentava a ideia de que o resultado era possível de ser mantido. No meio-campo, Taichi Fukui estava soberbo ao nível da recuperação. Sem contar com a presença do japonês, Hjulmand derrubou-o para evitar males maiores, mas havia uma questão que não tinha calculado: ao cometer falta, viu o segundo amarelo.
Jason Remeseiro, de livre, não deixou que Rui Silva saísse do jogo sem mostrar aquilo em que é melhor e estava-se mesmo a ver que vinha lá nova dose de invulgaridade. Já a jogar em inferioridade numérica, o Sporting fez o 2-2. Em nome do sentido solidário que exige que dez façam o trabalho de onze, Harder surgiu na esquerda, zona que não era a que estava a ocupar, e cruzou para Trincão fazer o empate.
Uma vez que este jogo nos mostrou de tudo, era legítimo o Sporting pensar na reviravolta. Se a crença dos leões durou 90 minutos, a acutilância do Arouca também esteve lá do início ao fim. A combinação de ambos resultou num satisfatório final para os observadores neutros.
Pedro Santos e Jason Remeseiro tiveram nos pés uma chance de saída gloriosa. Por falta de pontaria e por intervenção de Rui Silva, respetivamente, tiveram que acalmar os ânimos. Entre os dois lances, o Sporting viu no calcanhar de Harder a solução milagrosa já que a cabeça de Gyökeres vem-se cada vez mais a revelar a peça com defeito da máquina sueca. Tanta coisa para tudo ficar igual.
Uff... Já podemos respirar.