
O FC Porto perdeu na Reboleira, por 2-0, frente ao Estrela da Amadora e somou o sétimo desaire da época para o campeonato. Mais um resultado a confirmar a época dececionante dos portistas, numa exibição claramente para esquecer por parte dos portistas. Já o Estrela da Amadora ganhou novo fôlego no que à luta pela manutenção diz respeito.
Na ressaca da semana conturbada no universo portista, Martín Anselmi tinha que reunir as tropas e apontar aos três pontos frente ao Estrela da Amadora, tentando, simultaneamente, conter os danos. Os três pontos significariam a ultrapassagem ao SC Braga, que havia empatado a uma bola em Famalicão, e, por isso, o regresso ao pódio.
Assim, o trabalho de Anselmi, nesta e noutras semanas, tinha sido quase como uma espécie de socorrista em campo de batalha a aplicar medicina de guerra, sem tempo de curar, apenas de minorar os estragos. Corre de ferimento em ferimento e nunca tem todos os soldados disponíveis. Precisava, por isso, de puxar o Napoleão que tinha dentro de si. Mas não teve essa capacidade, pelo menos na prática, porque, na teoria (leia-se conferência de imprensa), esteve muito bem até.
Neste contexto, é impossível dissociar a noite do passado domingo, onde, na véspera de completar o seu 23.º aniversário, Otávio Ataíde recorreu a um bar da cidade Invicta para comemorar com familiares, amigos e colegas de equipa. Contudo, a noite não terminou nessa altura e estendeu-se pela madrugada, com alguns jogadores a serem “descobertos” e confrontados pela claque Super Dragões, o que motivou a abertura de processos disciplinares, o pagamento de multas e treinos em solitário.
Dado o incumprimento do regulamento interno do clube, os jogadores acabaram mesmo punidos pela direção liderada por André Villas-Boas. Os nomes mais visados foram o do próprio Otávio e do companheiro de posição Tiago Djaló, que já terão estado envolvidos noutros episódios de incumprimento no passado.
O central brasileiro foi castigado com sessões bidiárias de treino e afastado da convocatória para a deslocação à Amadora, ao passo que o português se encontra a trabalhar à margem do grupo. Para além da dupla, Danny Namaso, William Gomes e Samu Aghehowa foram, também, alvo de processos disciplinares, e Nehuén Pérez e Martim Fernandes tiveram de pagar uma multa. Ainda assim, estes cinco mantiveram-se na convocatória de Anselmi, embora, curiosamente, nenhum tenha sido titular.
Ora, perante a lesão de Diogo Costa, foi Cláudio Ramos a ocupar a baliza dos dragões e a estrear-se nesta edição da Primeira Liga, com Martín Anselmi a manter no onze inicial os restantes dez jogadores de campo, optando por deixar os “castigados” no banco e confirmando, tal como prometido, as ausências de Djaló e Otávio.
No Estrela da Amadora, Ferro e Léo Cordeiro saíram da equipa inicial, com Paulo Moreira e Leonel Bucca e a surgirem no lote de opções de José Faria, que acabou por surpreender ao mudar o esquema tático para um 4-3-3, em momento defensivo, reforçando o miolo com essas duas novidades no onze inicial, e para uma espécie de 4-2-3-1, com bola.
Neste sentido, os estrelistas entraram com um género do tal 4-2-3-1, com Bucca a servir de extremo e Alan Ruiz como segundo avançado, com o claro objetivo de pressionar a saída a jogar a partir de trás do FC Porto com uma linha de quatro.
Além dessa estratégia, Jovane Cabral e Paulo Moreira eram os pulmões da equipa e pareciam estar em todo o lado necessário e o Estrela entrou a todo o gás, criando um trio de boas chances logo a abrir, incluindo um duelo de Kikas na cara de Cláudio Ramos e uma bola à barra de Bucca.
Quando o Estrela baixou ligeiramente essa intensidade de pressão, o FC Porto conseguiu respirar um pouco melhor com bola e tê-la no meio campo ofensivo, mas, lá está, só com alguma “permissão” adversária, que baixava linhas e protegia bem a profundidade, anulando os criativos portistas. A espaços, através de um jogo mais direto em busca das referências ofensivas, o FC Porto até conseguia sair dessa teia estrelistas, mas o único perigo criado foi um remate de longe de Deniz Gul.
Do outro lado, o Estrela continuava fiel a uma estratégia clara e que ia tirando frutos. Várias vezes os comandados de José Faria exploraram as costas da defesa azul e branca, que parecia estar sempre excessivamente subida, e tal acabou por resultar.
O plano do Estrela, que só somara 10 pontos nas 14 rondas anteriores de 2025, era claro. Recuperar, olhar para diante, explorar o espaço nas costas da defesa do FC Porto. Aproveitando a passividade do meio-campo do adversário, os anfitriões foram tornando o plano uma forma de vida, quase um vício, um bom vício que valeu diversas oportunidades de golo.
Aos 38 minutos, as ameaças do clube da Reboleira concretizaram-se. A fórmula foi a de sempre, lançando Kikas na profundidade, desta feita com desvio precioso de Bucca. O atacante, isolado perante Cláudio Ramos, teve a eficácia que lhe ia faltando, conseguindo levar o aflito Estrela em vantagem para a segunda parte.
Martín Anselmi lançou o jogo falando sobre “compromisso”, apelando aos “valores” e ao “bem maior” do coletivo. Uma mensagem de chefe que precisa que haja apoio para a causa, mas cedo foram evidentes os problemas dos visitantes.
Quando o árbitro apitou para o intervalo, estar só 1-0 era mesmo a melhor notícia para os dragões. Quando o desafio terminou, entre bolas ao ferro e falta de pontaria dos locais, a derrota não ter sido escandalosa foi o menos mau para um coletivo em claro divórcio com os adeptos.
De facto, foi uma completa superioridade por parte do Estrela no primeiro tempo, facilmente explicada em duas nuances: espaço deixado para Alan Ruiz definir (fá-lo muito bem) e ataque rápido ao espaço de Kikas nas costas do Eustáquio (lento e pouco ágil, nunca poderá ser um central híbrido neste sistema – Tomás Pérez não conta?).
Para a etapa complementar, Martín Anselmi lançou Samu no lugar de Gul e a equipa apresentou claras melhorias, mostrando-se mais forte nos duelos e com maior chegada à área, mas apenas durante o primeiro quarto de hora da segunda parte.
Depois de um período mais quezilento, com muitas faltas e vários cartões amarelos, um lance aparentemente inofensivo resultou numa oportunidade de Bucca, que surgiu isolado e tentou marcar, mas acabou rasteirado por Cláudio Ramos.
Após consultar as imagens do lance, o árbitro David Silva assinalou a grande penalidade e, na cobrança do castigo máximo, Alan Ruiz atirou forte e colocado para o 2-0, enganando o internacional português, à passagem do minuto 62.
Já com Martim Fernandes e William Gomes também em campo, Rodrigo Mora apareceu na partida e, depois de receber de João Mário, rematou rasteiro à entrada da área, que obrigou João Costa a mais uma defesa difícil. Na resposta, Kikas conduziu um contra-ataque rápido e, de muito longe, tentou um golo de bandeira, mas Cláudio Ramos voou e defendeu para canto.
Para a reta final da partida, Anselmi lançou Danny Namaso, mas a equipa continuou a criar apenas de fora da área, com um remate de Alan Varela a esbarrar nas luvas de João Costa. Em sentido inverso, José Faria reforçou a defesa com as entradas de Ferro, Léo Cordeiro e Rodrigo Pinho, que se juntaram a Chico Banza, que também já tinha saído do banco, mas o Estrela da Amadora continuou bem mais perto do golo.
Lá está, como seria de esperar, esse pequeno “forcing” final dos dragões não resultou em praticamente nada e o Estrela conseguiu uma enorme vitória, que lhe permite respirar muito melhor a pensar no objetivo manutenção.
Sem eufemismos: foi embaraçosa, miserável, ridícula, esta exibição do FC Porto na Reboleira. Mas também fico com uma espécie de paradoxo: se sinto que este grupo é capaz de “queimar” qualquer treinador, como me parece que fez com Vítor Bruno, que, na minha opinião, nunca foi o único culpado (teve a chance, mas não soube agarrá-la), também sinto que, neste momento, qualquer treinador faria melhor do que Anselmi.
Neste sentido, uma reflexão final: Anselmi já teve bons e maus momentos, mas os maus foram mais e mesmo muito abaixo dos mínimos possíveis e, sobretudo, exigíveis para um clube desta dimensão. A qualidade individual é baixíssima, mas Anselmi também tem muita culpa.
Cada vez fica mais a dúvida se será o homem certo para começar 2025/26. Pelo sistema em que os jogadores não estão confortáveis, pela teimosia em não mudar, pela inexperiência e porque, tal como nos tempos finais de Vítor Bruno, parece que a mensagem não está a passar para o plantel.
André Villas-Boas disse que uma razão para despedir Vítor Bruno foi a perda da confiança no treinador por parte do plantel. Faço a seguinte pergunta: depois desta semana, quem acredita em Martín Anselmi?
Também sei compreender o outro lado. O lado de que se AVB despedir o argentino durante o verão, envia uma mensagem aos adeptos de que, uma vez mais, falhou no planeamento para esta época. Mas se entender que tem de o fazer, não pode ter medo.
E também sei entender o lado de que o presidente sacrificou qualquer intenção de competitividade para a segunda metade da temporada, ao vender Nico González e Wenderson Galeno, em janeiro, e ao não trazer ninguém para chegar e ser titular “de caras”, aniquilando qualquer possibilidade de gerar alguma ligação com os adeptos, enquanto se nota que, apesar de tudo, Anselmi é um treinador com valor. A verdade é que, a continuar assim, arrisca a sua estadia na Europa.
Para finalizar, a noite de ressaca acabou assim. O Estrela, sem surpresa para quem viu o jogo, venceu (a única surpresa até pode ser a diferença de golos pela qual poderia ter sido). O FC Porto, dormente e sonâmbulo, perdeu. Desde 1976 que os dragões não terminam fora do pódio. A três jornadas do fim e com o SC Braga a dois pontos de distância, o FC Porto pode estar perto de quebrar um indesejado jejum.
Mas importa perguntar qual será a multa por isto. Qual a multa por ser muito pior do que uma das piores equipas e plantéis da Primeira Liga? Qual o castigo por fazer uma exibição em que, a haver um resultado diferente, seria uma vitória mais gorda do Estrela da Amadora, que em 2025 ainda não triunfara em casa? Perguntas retóricas, pois claro, mas importa refletir.