Há seis meses, Pedro Nuno Santos defendia cautela com mexidas no IRS, agora tem-se desdobrado em argumentos para que o alívio fiscal para as famílias de que a AD fez bandeira aconteça, depressa e com mais ambição do que o governo propunha. A proposta do governo acabou chumbada e a do PS aprovada e promulgada nesta semana pelo Presidente da República. Mas há assim tantas diferenças entre as duas propostas? Nem por isso... O maior alívio vem mesmo do que agora defendem AD e PS relativamente ao que ainda há seis meses o então governo socialista fez aprovar, e que está agora em vigor, conforme comprovam as tabelas comparativas que a EY fez para o SAPO, pondo lado a lado o que nos cobraram de imposto em 2023, o que se definiu para 2024 e o que previam agora as propostas do governo AD (chumbada) e do PS, que acabou mesmo por passar.
A aprovação de um modelo alternativo, que o PS fez questão de apresentar na sequência da proposta do governo AD de alteração às tabelas de IRS para o próximo ano, cumprindo a promessa eleitoral de alívio fiscal às famílias, foi garantida pelos votos favoráveis de toda a esquerda, PAN e IL e abstenção do Chega. E Pedro Nuno Santos tem sublinhado que há "uma diferença de visões" na forma como socialistas e sociais-democratas olham os rendimentos das famílias: para o seu grupo parlamentar, vinca, é importante dar mais a quem menos tem e não beneficiar "os mais ricos". Mas de que diferenças estamos a falar, afinal? Para quem ganha 950 euros brutos/mês, a proposta do PS significa mais 37 cêntimos somados aos 784,5€ de salário que consegue levar para casa depois de descontados os impostos e Segurança Social.
Conforme demonstram as simulações que a EY desenvolveu, a diferença entre a proposta defendida pela AD e a aprovada pela oposição tem sobretudo expressão nos que ganham 1.500 a 3.000 euros brutos/mês. Mas mesmo para casais com filhos, é preciso que os rendimentos de ambos, juntos, seja inferior a 3.000, para chegarem a ficar com mais 5,6 euros no bolso a cada mês; a partir deste patamar, o IRS dos socialistas tira 2 euros por mês aos casais com um filho, relativamente ao que a AD previa na sua proposta.
(clique na tabela para ver em detalhe)
A verdade é que, apenas em outubro, com o PS ainda a governar, Pedro Nuno Santos não era favorável a mexidas nas tabelas uma vez que "42% das famílias não pagam IRS" e, entre os que pagam, metade "é paga por 6% das famílias"; pelo que, concluía então, "quando se mexe no IRS estamos a favorecer mais os de cima, menos os do meio e nada os de baixo" (SIC). Seis meses depois, ao apresentar uma alternativa à proposta do governo, defendia já que a redução prevista pelo governo AD era insuficiente e que podia beneficiar mais as classes de rendimentos mais baixas, criticando Montenegro por querer alargar o alívio fiscal aos "mais ricos" — leia-se, a famílias cujos rendimentos totais são superiores a 4 mil euros brutos.
A maior fatia beneficiada agora pelas tabelas aprovadas na proposta socialista, representará então um incremento de 2,8 euros por mês relativamente ao que o plano da AD previa. O equivalente a três cafés a mais por mês. O modelo aprovado aponta uma redução das taxas entre 0,25 e 1,5 pontos percentuais até ao 6.º escalão, face à tabela em vigor, conforme explicou o ECO, com o maior alívio no segundo (dos 820€ de salário mínimo até 1100€/mês) e sexto (2.200 a 3.100 euros) patamares.
Mas há então verdadeira vantagem no novo IRS? A resposta é sempre sim, para todos os escalões de rendimentos. É que se a diferença entre as propostas do PS e da AD são quase residuais, com maior impacto para quem ganha entre 1.500 e 2.999 euros, a redução de imposto que foi bandeira do governo, em qualquer das versões, é significativa por comparação com o que as famílias hoje têm de pagar, como se vê nas simulações comparadas da EY.
Para um solteiro sem filhos com o salário bruto no patamar dos 1.500 euros mensais, são 130 euros a mais no bolso ao fim de um ano (na versão da AD, seriam mais 92 euros); se ganhar 2.000€, são 194 euros que não serão sugados pelo imposto (155€); e se estiver no patamar dos 3.000 serão 372 euros adicionais ao fim do ano (seriam 384 na versão da AD).
Um casal com ou sem filho que tenha rendimentos totais brutos de 3 mil euros mensais ficará com mais 744 euros (eram 768 na versão da AD), se ganharem metade daquele valor, tenha um filho ou não, terão ao fim do ano mais 261 euros (eram 183€).
As novas tabelas de IRS, que foram nesta semana promulgadas pelo Presidente da República, só terão efeito sobre os rendimentos ponderados no próximo ano, ou seja, havendo lugar a mais reembolsos, como se antecipa, esse valor só cairá nas contas públicas de 2025. Uma vez que o IRS é progressivo (a percentagem de desconto vai aumentando conforme os rendimentos sobem), na verdade, todos vão descontar menos impostos no próximo ano. O custo estimado para o Estado da redução de IRS rondará os 463 milhões de euros.
(Pressupostos das tabelas da EY: 1 - As presentes simulações foram efetuadas com base nas regras fiscais em vigor à data de preparação dos cálculos e visam quantificar a variação no rendimento líquido, decorrente do Projeto de Lei apresentado pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista e promulgado pelo Senhor Presidente da República, face às taxas atualmente em vigor aprovadas pela Lei do Orçamento de Estado para 2024 e face às taxas de IRS em vigor em 2023, assim como face à Proposta de Lei apresentada pela AD (não aprovada pelo Parlamento), para sujeitos passivos que obtenham rendimentos da Categoria A.2 - A remuneração atual considerada corresponde a 14 meses do rendimento bruto mensal.3 - Nas presentes simulações, nos cenários de sujeitos passivos casados, dois titulares de rendimentos, estamos a assumir que ambos auferem exatamente o mesmo montante de rendimento anual.4 - As simulações foram efetuadas considerando as deduções dos dependentes (assumindo filhos com idades superiores a 6 anos) e sem considerar quaisquer deduções à coleta por despesas incorridas.5 - O rendimento líquido é apurado da seguinte forma: rendimento bruto - contribuições para a Segurança Social (11% do rendimento bruto) - IRS a pagar.)