"A decisão do Estado de nacionalizar a Efacec não foi acompanhada da previsão do seu impacto nas finanças públicas e os objetivos da nacionalização não foram alcançados." Tão contundente quanto clara, a primeira frase do relatório do Tribunal de Contas (TdC), que analisou o processo de passagem da empresa para a esfera do Estado, por decisão do governo de António Costa, não deixa margem para dúvidas. A opção foi um desastre. E a concretização não foi melhor.
"A reprivatização da empresa culminou no financiamento público de 484 milhões de euros, havendo o risco de subir até aos 564 milhões", concretiza ainda o TdC no resumo da auditoria que acaba de publicar e entregar à Assembleia da República. Confirmam-se assim os receios de Luís Montenegro, cujo governo receava que a decisão pudesse ser ainda mais ruinosa do que já se revelara, com o impacto da nacionalização da Efacec a poder superar os 500 milhões de euros. No início do mês, o ministro da Presidência, Luís Leitão Amaro, afirmara já que "o que se sabe sobre o processo da entrada do Estado na Efacec, da forma como as decisões foram tomadas, como foram mobilizados os dinheiros dos portugueses, o que se sabe daquele relatório vai seguramente suscitar uma grande discussão pública". Esse debate poderá inflamar-se em vésperas da apresentação do Orçamento do Estado para 2025.
Recorde-se que o Tribunal auditou o financiamento público da Efacec, desde que o governo socialista, com Pedro Siza Vieira na Economia, decidiu nacionalizar, alegadamente para conter os efeitos das acusações que pendiam sobre a dona da empresa, Isabel dos Santos , na sequência do Luanda Leaks. O órgão fiscalizou o dinheiro que ali foi gasto para garantir a suposta sobrevivência da empresa entre 2020 e a reprivatização, ainda com António Costa — três anos depois de nacionalizar, os socialistas, agora com Costa Silva na pasta da Economia, reprivatizaram, ao vender a Efacec à Mutares.
A auditoria em causa, que o Tribunal de Contas afirmara na semana passada estar quase pronto, foi solicitada pelo Parlamento e conclui assim que "a nacionalização foi realizada sem fundamentação técnica e independente, do interesse público", sem que o Estado tenha feito acompanhar a decisão da "previsão do seu impacto nas contas públicas". O relatório critica ainda o processo por nenhum dos objetivos da nacionalização ter sido alcançado: "Não foi evitada a deterioração da situação financeira e comercial, não foi estabilizado o seu valor financeiro e operacional e não foram salvaguardados postos de trabalho", elenca o TdC, lembrando ainda que a situação com os bancos também não foi regularizada, acabando com a empresa em falência técnica.
Além de arrasar a decisão e a execução, o TdC não poupa críticas ao dinheiro que o governo de António Costa despejou na Efacec até reprivatizar a empresa. "203 milhões em empréstimos acionistas e 101 milhões em garantias públicas", que não foram objeto de apreciação técnica pela Parpública, "agravando o risco moral de acionistas, credores, administradores ficarem protegidos contra as consequências das suas ações e omissões", lê-se no documento, que recorda que a reprivatização levou quase três anos e meio e que, "após fracassar um primeiro processo, culminou no financiamento público, até 17 de maio de 2024,"há o risco de o financiamento público subir até aos 564 milhões, face às responsabilidades contingentes assumidas".
E pode algum desse dinheiro voltar? A venda em cinco anos projetada pela Mutares "prevê o retorno de 385 milhões para a Parpública e de 178 milhões para a Mutares, que gastou 15 milhões no processo", concretiza o TdC. Da dívida da empresa, lê-se no relatório, 87% foram assegurados pelo Estado, tendo sido incluídos na pré-capitalização e no financiamento públicos, num total de 345 milhões, dos 394 em dívida. Os bancos perdoaram 9% e à Mutares apenas coube desembolsar 15 milhões.
"O financiamento público apenas contribuiu para manter a empresa em atividade até à reprivatização", conclui agora o Tribunal de Contas, lamentando a falta de transparência durante todo o processo e a enorme quantidade de dinheiro dos contribuintes que ali foi enterrada. "Durante a nacionalização, o Estado, direta ou indiretamente, concedeu à Efacec 101 milhões em garantias públicas, entre 2020 e 2021, e outros 203 milhões em empréstimos acionistas de curto prazo, entre 2022 en 2023", não sendo isso suficiente para evitar que o estado da empresa se agravasse até à falência técnica e com perda de 25% dos trabalhadores.
Veja aqui a versão completa da auditoria do Tribunal de Contas.