
Filho de pai espanhol e mãe portuguesa, Filipe Bargaña, fundador da Audaz Capital, descende de uma família de várias gerações de empresários, o que incutiu nele um profundo sentido de legado. Este empreendedor, com mais de 20 anos de experiência no mercado, lançou a Audaz Capital aliado a um grupo de 18 investidores, nacionais e internacionais, com vasta experiência empresarial. Ao constatar que há inúmeras empresas em Portugal sem sucessão, a Audaz Capital procura agora um negócio no qual possa investir, para preservar e perpetuar o seu legado, impulsionando o seu crescimento sustentável, evitando o seu desaparecimento
Em entrevista à Forbes Portugal, Flipe Bargaña revela como todo o processo se irá desenrolar.
Como surgiu a oportunidade de criar a Audaz Capital, e qual é o principal objetivo deste projeto?
A Audaz Capital nasce de uma constatação clara: existem muitas empresas familiares bem-sucedidas que enfrentam desafios de sucessão. São negócios com clientes fidelizados, equipas experientes e posicionamento sólido, mas sem um plano claro para o futuro. Ao longo da minha carreira nos mercados financeiros, observei que estas empresas, ao chegarem a um ponto de transição geracional, ficam limitadas a duas opções: vender a um concorrente ou a um fundo de private equity – soluções que nem sempre respeitam o legado construído. O primeiro representa, para muitos fundadores, um reconhecimento implícito de derrota – a entrega daquilo que construíram a um rival. O segundo, por sua vez, traz consigo uma lógica de optimização de curto prazo que muitas vezes desvirtua a cultura da empresa.
A Audaz propõe uma terceira via. Um modelo que combina a solidez de uma abordagem profissional com a empatia de quem quer liderar e não apenas investir. Um investidor-gestor que assume a liderança com uma visão de continuidade, respeitando o que está bem, mas trazendo uma energia renovada e ferramentas para construir o futuro. O objetivo não é a maximização do retorno a qualquer custo, mas sim a perpetuação de um legado, a profissionalização de estruturas e a criação de valor sustentável para todas as partes envolvidas – colaboradores, fornecedores, clientes e investidores.
De que forma a sua experiência profissional de mais de duas décadas contribui para o sucesso do projeto?
Durante 18 anos em Londres, trabalhei como analista e gestor de carteiras, avaliando centenas de empresas em diversos sectores e geografias. Esta experiência permitiu-me desenvolver alguma capacidade de identificar padrões, analisar riscos e antecipar oportunidades – competências fundamentais na seleção e gestão de uma empresa privada. A convivência próxima com os processos de decisão das empresas cotadas, a interação com equipas de gestão, conselhos de administração e analistas permitiu-me compreender o que funciona e o que falha.
A Audaz propõe um modelo que combina a solidez de uma abordagem profissional com a empatia de quem quer liderar e não apenas investir, um investidor-gestor que assume a liderança com uma visão de continuidade.
Mas há um outro aspeto fundamental: a exposição direta a casos de sucesso e fracasso. Vi empresas transformarem-se com liderança inspirada e foco estratégico – e vi outras desperdiçarem vantagens competitivas por ausência de visão ou má alocação de capital. Esta vivência alimentou o desejo de passar da análise à ação, de deixar de ser um espectador atento para me tornar um protagonista comprometido com um projeto concreto, onde pudesse aplicar esse conhecimento de forma integral.
Pode dar alguns exemplos concretos dessa transformação empresarial?
Portugal tem exemplos notáveis de empresas tradicionais que se reinventaram com sucesso, muitas vezes a partir de contextos regionais e com produtos tidos como convencionais. A Amorim, por exemplo, no setor da cortiça, continua a liderar globalmente graças a um esforço contínuo de inovação – mecanizando processos, desenvolvendo novos produtos e, mantendo uma visão construtiva de longo prazo sobre o potencial do seu sector. Outro caso emblemático é o da Vista Alegre, que através da sua unidade Ria Stone, conseguiu optimizar radicalmente a produção de louça, posicionando-se como fornecedor estratégico da IKEA, um cliente ultra-exigente. E, claro, a Delta Cafés – nascida numa das zonas mais remotas do país, com uma cultura de serviço quase obsessiva, conseguiu crescer e projetar-se internacionalmente, aspirando a estar entre as dez empresas globais referência do sector. O mais relevante nestes exemplos é que o impacto positivo não se limita aos acionistas: estes processos criam emprego, desenvolvem fornecedores e geram receitas fiscais, mostrando que uma gestão determinada e profissional tem efeitos positivos em toda a cadeia de valor.
A Audaz Capital procura negócios que não tenham sucessor, para poder assumir o controlo da empresa, elevando-a a outro patamar. No fundo, como funciona e se desenrola este processo?
Utilizamos dois canais principais. O primeiro é o chamado proprietary search: um processo estruturado de contacto direto com empresas que se enquadram nos critérios que estabelecemos – faturação entre 10 e 30 milhões de euros, EBITDA entre um e cinco milhões de euros, geração consistente de caixa, modelo de negócio sólido e uma motivação de venda que não decorra de problemas estruturais. Este processo é feito com enorme respeito e empatia. Contactamos fundadores diretamente, explicamos quem somos e o que procuramos. Surpreendentemente, estas abordagens são bem recebidas: quem lidera boas empresas tende a estar disposto a interagir, desde que o contacto seja feito com autenticidade e valor.
“Atualmente, estamos em conversações ativas com dois casos muito interessantes. Em ambos, existe uma clara complementaridade entre o que a empresa representa e o que a Audaz pode aportar”, diz Flipe Bargaña.
O segundo canal envolve processos liderados por intermediários, como consultoras ou bancos de investimento. Estes trazem vantagens óbvias – maior estrutura, empresas com intenção clara de venda – mas também desafios: maior concorrência, foco exagerado no preço e por vezes um retrato excessivamente polido da empresa. Em ambos os casos, a nossa prioridade é avaliar o alinhamento: a compatibilidade com a cultura da empresa, a ambição do vendedor e a proposta que a Audaz representa. Porque mais do que fechar um negócio, queremos construir um futuro com sentido.
O que procuram numa empresa para investir? Já encontraram alguma que preencha estes critérios?
O ponto de partida não é a empresa em si, mas o sector onde atua. Valorizamos setores com crescimento estrutural, pouca exposição à ciclicidade, estabilidade regulatória e baixa propensão a disrupções tecnológicas. Preferimos ambientes concorrenciais racionais, onde seja possível competir com base em valor e não apenas em preço. Nestes setores, procuramos empresas com modelos de negócio simples, mas robustos, que ofereçam produtos ou serviços diferenciados, que gerem receitas recorrentes e que apresentem margens operacionais saudáveis, se possível com baixa intensidade de capital.
A Audaz oferece uma transição estável para os fundadores, preservando a cultura e os valores da empresa, ao mesmo tempo que introduz ferramentas e competências orientadas ao crescimento sustentável.
Mas mais importante que os números é a cultura da empresa: uma equipa comprometida, um histórico de bom relacionamento com clientes e fornecedores, e um fundador que se preocupe com a continuidade do legado. Neste processo, interagi com muitos empresários. Em alguns casos, os diálogos evoluíram bastante, mas por diferentes razões não se concretizaram. Atualmente, estamos em conversações ativas com dois casos muito interessantes. Em ambos, existe uma clara complementaridade entre o que a empresa representa e o que a Audaz pode aportar. Mas não temos pressa. Os nossos investidores entendem que esta é uma decisão que moldará a próxima década das nossas vidas profissionais. A prioridade é fazer a escolha certa, não a mais rápida.
Qual a vantagem deste processo para as empresas que apoiam?
A vantagem central deste processo reside na combinação entre continuidade e transformação. A Audaz oferece uma transição estável para os fundadores, preservando a cultura e os valores da empresa, ao mesmo tempo que introduz ferramentas e competências orientadas ao crescimento sustentável.
A empresa investida passa a beneficiar da experiência estratégica, financeira e operacional dos nossos investidores, em áreas como o planeamento de longo prazo, a profissionalização das equipas, a digitalização dos processos e a expansão comercial para novos mercados ou segmentos adjacentes. O foco não está em maximizar a rentabilidade de um trimestre ou exercício isolado, mas em criar valor de longo prazo – tornando a empresa estruturalmente mais forte, mais eficiente e mais resiliente, independentemente do ponto do ciclo económico ou das flutuações conjunturais.
Trabalhamos de forma próxima com as equipas, respeitando o ritmo natural de adaptação e construindo soluções sólidas e pragmáticas. O nosso compromisso não é com um horizonte de saída, mas com um percurso de crescimento sustentável e partilhado.
Quem é a equipa que o apoia neste processo? Quem são os investidores envolvidos?
Durante a fase de levantamento de capital, tomei uma decisão estratégica: selecionar um grupo de investidores que partilhasse uma visão de longo prazo, um compromisso com a criação de valor abrangente e uma atitude construtiva perante o risco. O resultado foi um grupo heterogéneo, composto por 18 entidades e indivíduos, incluindo family offices, fundos especializados e empreendedores que eles próprios lideraram projetos semelhantes com sucesso.
“A Audaz está preparada para realizar um investimento inicial até 30 milhões de euros na empresa a adquirir. Este montante abrange o valor da aquisição propriamente dita, bem como os recursos necessários para implementar um plano de desenvolvimento ambicioso, mas disciplinado”, explica o gestor.
Mais do que capital, cada um destes parceiros aporta conhecimento. São pessoas com experiência concreta em sectores industriais, tecnologia, saúde, serviços ou distribuição. Têm uma visão estratégica apurada, mas também compreendem os desafios do dia-a-dia de uma empresa. Esta diversidade é uma enorme riqueza: permite-nos avaliar melhor as oportunidades, estruturar as decisões e, quando chegar a altura, apoiar a empresa investida com uma rede de conselheiros e mentores práticos e disponíveis. Não procurámos apenas financiamento, procurámos parceria. E é essa parceria que fará a diferença quando estivermos a operar o negócio.
Que montante de investimentos a empresa têm previsto para os próximos anos?
A Audaz está preparada para realizar um investimento inicial até 30 milhões de euros na empresa a adquirir. Este montante abrange o valor da aquisição propriamente dita, bem como os recursos necessários para implementar um plano de desenvolvimento ambicioso, mas disciplinado. Dependendo da natureza da empresa e das oportunidades de crescimento identificadas, não excluímos reforçar este valor ao longo do tempo, designadamente se a estratégia incluir aquisições complementares ou investimentos em tecnologia, estrutura ou expansão geográfica.
Importa sublinhar que este capital não é passivo. É capital inteligente, acompanhado, comprometido com a criação de valor a longo prazo. O nosso objetivo não é alavancar artificialmente a empresa para maximizar um múltiplo de venda. O objetivo é construir algo sólido, resiliente e digno de admiração – um projeto que, no futuro, nos permita olhar para trás com orgulho e afirmar: valeu a pena.
Existem muitas empresas familiares em Portugal sem sucesso à vista? E porque acontece este fenómeno?
Sim, esse é precisamente o contexto que justifica a existência da Audaz. Portugal vive um momento demográfico e empresarial particular. Muitos dos empresários que criaram os seus negócios nas décadas de 70, 80 e 90 aproximam-se da idade da reforma. São líderes carismáticos, muitas vezes autodidactas, que construíram as suas empresas com base no trabalho, na visão e na coragem. Mas, frequentemente, a sucessão não foi preparada com a devida antecedência.
Em alguns casos, os filhos ou outros membros da família não manifestam interesse ou não possuem o perfil adequado para assumir a liderança. Noutros, a empresa nunca estruturou processos de governação que permitam uma transição serena. Acresce o facto de muitos empresários verem a venda como uma espécie de fracasso, ou como uma ameaça à continuidade do seu legado. Esta mistura de fatores gera um impasse perigoso, que pode comprometer a continuidade de empresas saudáveis e relevantes para as suas comunidades. O que procuramos fazer é mostrar que há uma terceira via: uma sucessão profissional, respeitosa e orientada para o futuro.
Qual o maior problema que as empresas familiares enfrentam atualmente, em Portugal e na Europa?
O maior desafio é precisamente o da transição entre gerações. Esta transição não é apenas uma questão de liderança: é uma questão de modelo de gestão, de estrutura, de cultura. Muitas empresas familiares funcionam com base numa lógica altamente centralizada, onde todas as decisões passam pelo fundador. Isso dá agilidade, mas também gera dependência. Quando chega o momento da passagem de testemunho, essa centralização torna-se um obstáculo.
Portugal vive um momento demográfico e empresarial particular. Muitos dos empresários que criaram os seus negócios nas décadas de 70, 80 e 90 aproximam-se da idade da reforma, explica Filipe Bargaña.
A profissionalização é frequentemente vista com desconfiança. A introdução de ferramentas de controlo, indicadores de desempenho, processos de decisão colegiais – tudo isso pode parecer burocracia, mas é precisamente o que permite que a empresa se torne mais robusta, mais escalável e mais resiliente. A digitalização, por seu lado, é muitas vezes adiada, seja por falta de conhecimento, seja por aversão ao risco.
Na Europa, como em Portugal, há milhares de empresas familiares com excelente reputação, bom produto e uma clientela fiel. Mas muitas delas enfrentam o risco de estagnação precisamente porque ainda não conseguiram atingir esse novo patamar de maturidade. O que queremos na Audaz é apoiar uma dessas empresas nessa transição, com segurança, respeitando o passado, mas com os olhos postos no futuro.