
"Exigimos que o cinema e o audiovisual continuem a ser protegidos por leis que os reconheçam como âmbitos culturais, incluindo a exceção cultural", afirmam os cineastas no manifesto lido hoje, pela espanhola Gala Hernández López e pelos franceses Jérôme Enrico, Gérard Krawczyk, Marine Francen e Romain Cogitore, no 78.º Festival de Cinema de Cannes, a decorrer em França desde terça-feira.
O manifesto, disponibilizado 'online', foi assinado por uma dezena de organizações de realizadores europeus e por personalidades como os franceses Claude Lelouch, Agnieszka Holland, Cédric Klapisch e os irmãos Dardenne, a espanhola Isabel Coixet e o português Miguel Gomes, entre outros.
"Na Europa, desde os irmãos Lumière até aos nossos dias, cada filme é um protótipo, uma proposta única que não responde necessariamente à procura do mercado. Isso nunca impediu alguns projetos comerciais de grande sucesso", lê-se no texto, citado pela agência EFE.
Os realizadores manifestam preocupação por, "no contexto da guerra económica com os Estados Unidos", e o seu Presidente, Donald Trump, a pedir pessoalmente o fim das regras de proteção, a Comissão Europeia "querer apagar o carácter cultural do cinema", limitando-o "apenas à sua escala industrial".
Bruxelas, lamentam, já não chama ao setor nem "cinema", nem "ator cultural", nem sequer "indústria cultural", mas "indústria criativa".
Sob esta designação, a Sétima Arte foi transferida das competências do Comissário Europeu para a Cultura para as do Comissário Europeu para os Assuntos Digitais e o Mercado Interno.
"Considerar o Cinema cada vez mais um 'ator da indústria como qualquer outro', sujeito apenas às leis do mercado, beneficiaria imediatamente as produções norte-americanas e seria catastrófico para a nossa profissão e para a diversidade de filmes que poderíamos oferecer ao público na Europa e em todo o mundo", sublinham.
Os cineastas europeus pedem que os comissários europeus não sejam "ingénuos", uma vez que "a guerra económica travada pelos EUA é também uma guerra cultural".
"O cinema europeu manteve a sua força ao longo de décadas porque, face aos milhares de milhões de Hollywood e à sua língua inglesa 'universal', oferece, com muito menos dinheiro, uma incrível diversidade de pontos de vista, uma maravilhosa e fértil liberdade de expressão e um ADN cultural", referem os signatários.
Estes "trunfos", acrescentam, "são a inveja até dos amigos cineastas do outro lado do oceano".
O Festival de Cinema Cannes é considerado um dos mais importantes palcos do circuito internacional da indústria cinematográfica e não é alheio à discussão sobre a hipotética imposição de taxas, anunciada no início deste mês por Donald Trump, para proteger a produção norte-americana.
O presidente dos EUA anunciou na rede social Truth Social que iria iniciar "imediatamente o processo de instauração de tarifas de 100%" sobre os filmes exibidos nos Estados Unidos, mas produzidos no estrangeiro.
"A indústria cinematográfica norte-americana está a morrer muito rapidamente [...]. Hollywood e muitas outras partes dos Estados Unidos estão devastadas. [...] Outros países estão a oferecer todo o tipo de incentivos para atrair os nossos cineastas e estúdios para longe dos Estados Unidos", escreveu Trump a 04 de maio.
Um dia depois a Casa Branca esclareceu que não estavam ainda tomadas "decisões definitivas relativamente às tarifas sobre filmes estrangeiros", mas que procuravam um consenso enquadrado nas orientações do presidente.
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