Está em leilão em Londres, até 10 de julho, uma carta régia de 1588 assinada por D. Filipe I de Portugal (Filipe II de Espanha), dirigida ao duque de Medina‑Sidonia, comandante da malograda Armada Invencível. Trata-se de uma ordem de captura contra D. António, Prior do Crato — o último símbolo da resistência portuguesa à dominação filipina e da luta pela independência nacional.

O documento, de valor estimado em mais de 300 mil libras (cerca de 350 mil euros), integra um conjunto de instruções militares secretas. Nele, o rei usurpador ordena a prisão de D. António, então exilado, temido por Madrid e ainda reconhecido por muitos portugueses como legítimo herdeiro de D. Sebastião. Esta carta é uma peça rara, um testemunho material de um capítulo dramático da nossa História — e, mais uma vez, o Estado português deixa-a escapar sem qualquer manifestação de interesse.

Já no mês passado denunciei, também neste jornal, a inacreditável passividade do Governo quando foi leiloado o documento de D. Manuel I que atribuía a Vasco da Gama o título de Conde da Vidigueira. Um dos documentos fundadores da nossa expansão ultramarina foi ignorado. Agora, assiste-se ao mesmo silêncio cúmplice perante um documento que representa o esforço castelhano de esmagar a identidade portuguesa.

É legítimo perguntar: onde está a ministra da Cultura? Ou melhor — estará mais empenhada nas suas outras pastas? Desporto e Juventude parecem concentrar toda a sua atenção, enquanto a Cultura, perdida entre comunicados protocolares, vai sendo deixada para trás. A tutela cultural não pode ser tratada como adereço político. Precisa de liderança, visão e, acima de tudo, ação.

A ausência de estratégia do Estado português na preservação do seu património documental é sintoma de um problema mais profundo: não valorizamos a nossa História. E quem não valoriza o passado, abre caminho para a perda do futuro. Estes documentos — como a carta de Filipe I — não são meras relíquias de arquivo. São símbolos de quem fomos, sinais de quem somos, fundamentos do que podemos ser.

Enquanto outros países compram, preservam e exibem os seus marcos históricos com orgulho, Portugal assiste, inerte, à dispersão da sua memória por coleções privadas no estrangeiro.

Hoje é a ordem de prisão contra o Prior do Crato. Ontem foi a carta de D. Manuel a Vasco da Gama. E amanhã? Continuaremos a fingir que não tem importância?

A História não é entretenimento. É identidade. E identidade que se abandona é pátria que se dissolve.