
Vila Viçosa acolheu esta quinta-feira, 15 de maio, uma cerimónia de homenagem aos soldados britânicos que faleceram durante a Guerra Peninsular, num momento que procurou recuperar a memória de milhares de militares sepultados em território calipolense, mas esquecidos ao longo de séculos.
A cerimónia decorreu no Largo Gago Coutinho, junto ao memorial erguido pelo Município em 2024, fruto de uma investigação promovida pelo historiador Tiago Salgueiro, e contou com a presença de representantes da Associação dos Amigos do Cemitério Inglês de Elvas, da comunidade britânica em Portugal e de entidades religiosas e civis.
O presidente da Câmara Municipal de Vila Viçosa, Inácio Esperança, destacou a importância histórica do local e o papel central da vila durante o conflito, enquanto hospital de retaguarda e espaço de resistência. «Por vontade do Rei de Portugal, aqui foi instalado o Hospital de Sangue, na sua própria casa, no rés-do-chão do Paço, e isso mostra a importância desta terra na Guerra Peninsular», afirmou. O autarca lembrou ainda que Vila Viçosa «foi dos primeiros locais em Portugal onde houve uma resistência popular contra a ocupação francesa» e que «na nossa candidatura [a Património da Humanidade] é mais um ponto que mostra a importância de Vila Viçosa».
Inácio Esperança sublinhou que o trabalho histórico agora materializado «permite que ninguém mais em Vila Viçosa desconheça ou esqueça que a vila teve esta importância central no apoio, no socorro e no dar chão àqueles que pereceram na Guerra Peninsular». Referindo-se ao número de militares sepultados, afirmou: «Sabemos que aqui foi o maior cemitério de ingleses de Portugal. Agora quantos? Não sei. Sabemos que são milhares, nestes três cemitérios».
O presidente da autarquia reconheceu que há ainda muito por descobrir: «Há muitas coisas para explorar e essa também é uma delas, que pode, no futuro, vir a ser explorada por alguém, por necessidade ou até por acordo com as entidades que estão envolvidas nesta questão». E reforçou: «Pode-se dizer que o chão de Vila Viçosa ainda esconde muita riqueza. Muita riqueza para além do mármore».
Mark Crathorne, presidente da Associação dos Amigos do Cemitério Inglês de Elvas, valorizou a importância do memorial para a memória britânica e para a compreensão histórica partilhada entre os dois países. «Vila Viçosa abriu os braços e recebeu não centenas, mas milhares de soldados feridos e também doentes, porque havia uma febre muito grave na altura», referiu, explicando que a vila acolheu militares após as batalhas de Talavera, Albuera e Badajoz.
Crathorne frisou que «estes soldados não tinham onde ser tratados. Em Elvas já não havia capacidade. Foi aqui que encontraram socorro». Sublinhou também o papel das instituições locais: «O Paço Ducal, a Câmara, a antiga Misericórdia… todos se mobilizaram para os receber».
Sobre a importância da cerimónia, afirmou: «É importante porque aqui em Vila Viçosa estão sepultados não centenas, mas milhares de corpos de militares britânicos que caíram durante três lutas muito sangrentas nas invasões francesas». E acrescentou: «Estamos a descobrir mais. Cada vez sabemos mais sobre este período horrível de três anos de luta aqui à volta. Havia tantos mortos e quase nenhum teve a dignidade de ser sepultado num cemitério com uma lápide».
O responsável britânico revelou que, até há poucos anos, esta parte da história era desconhecida: «Ninguém conhecia. Quer dizer, os livros de referência não falam disto. Agora podemos virar a página e abrir novos capítulos». Referiu ainda que o trabalho realizado em Vila Viçosa inspirou iniciativas semelhantes em Espanha: «Este ano, pela primeira vez, uma placa foi inaugurada do outro lado da fronteira, em Valverde, onde descobriram uma vala comum com centenas de soldados britânicos sepultados em 1811».
A cerimónia incluiu intervenções institucionais, deposição de coroas de flores, momentos de oração pelo Reverendo Fran Le Blanc e pelo diácono Manuel Serrano, e a interpretação dos hinos nacionais de Portugal e do Reino Unido pela Sociedade Filarmónica União Calipolense. O evento terminou com um convívio na Mata Municipal.