A população global está a envelhecer e o número de condutores com declínio de capacidades associadas à idade ou a doenças neurológicas está a aumentar. A condução é uma preocupação frequente para familiares e cuidadores, mas também, para médicos especialistas envolvidos nas tomadas de decisão sobre a aptidão para a condução.
A condução é uma atividade complexa, que requer capacidades cognitivas, motoras e o controlo do comportamento. Com o avanço da idade ou surgimento de determinadas doenças, essas capacidades podem ser afetadas e aumentar o risco de acidente. É por isso reconhecida a necessidade de avaliar condutores com idade avançada ou doença neurológica como Parkinson, Alzheimer, acidente vascular cerebral, traumatismo cranioencefálico, esclerose múltipla, entre outras, bem como com patologia psiquiátrica.
Quando existem dúvidas sobre a aptidão para a condução, é possível solicitar uma avaliação especializada, baseada em testes que examinam capacidades como a atenção, perceção visual, a coordenação e a velocidade motora. A partir de resultados objetivos é elaborado um parecer sobre a condução, podendo recomendar a condução sem alterações, indicar restrições (ex., na velocidade, raio de condução) ou adaptações no veículo, ou até a suspensão da condução.
Quando os desempenhos evidenciam compromisso significativo nas capacidades e envolvem um potencial risco na condução, é recomendada a suspensão da condução. Esse resultado pode ter impacto psicológico negativo no condutor e requer sensibilidade acrescida na sua comunicação. É importante permitir a expressão e validar as emoções da pessoa e clarificar porque é que o declínio de capacidades aumenta a vulnerabilidade e o risco, e que deixar de conduzir é uma estratégia para proteger a sua segurança. Há ainda situações em que a alteração do estado mental não é evidente para o próprio, o que dificulta a conversação sobre a necessidade de restringir a condução. Estes doentes requerem uma atenção especial porque podem representar um risco acrescido para a segurança rodoviária, por falta de autocrítica sobre as suas limitações ou excessiva confiança nas suas capacidades.
Esta consulta de avaliação pode ser solicitada por qualquer condutor, familiar, cuidador ou profissional de saúde, permitindo uma avaliação especializada e independente da aptidão para a condução, suportada em desempenhos objetivos. Favorece a consciência crítica do condutor sobre as capacidades e permite desembaraçar familiares e cuidadores da responsabilidade de confrontar o condutor com medidas restritivas. Finalmente, promove uma reflexão conjunta e tomadas de decisão para assegurar uma mobilidade com maior segurança.
Quando existe compromisso nas capacidades e potencial de recuperação, é possível realizar sessões de treino da aptidão para a condução, que visam estimular as capacidades cognitivas e psicomotoras relacionadas com a condução, e ajudar na aquisição de estratégias para uma maior segurança. As aptidões específicas que as pessoas devem possuir para conduzir em segurança encontram-se diferenciadas em três domínios: o domínio cognitivo, que inclui a atenção, perceção, estimação de movimento e memória; o domínio psicomotor que envolve vários tipos de coordenação e reações motoras; e, o domínio psicossocial relacionado com as atitudes, o comportamento e as emoções. Desta forma, é possível aspirar a conseguir retomar ou manter a condução com autonomia e segurança.
Existem várias situações em que deve ser marcado um treino de aptidão para a condução. Na presença de condição neurológica, intervenção neurocirúrgica ou lesão física que possa afetar a condução; quando um médico ou terapeuta têm dúvidas relacionadas com alterações funcionais e a capacidade para conduzir; quando familiares ou cuidadores manifestem preocupações sobre a condução do doente, nomeadamente por comportamento imprudente e/ou envolvimento em situações de risco e/ou acidentes e quando um condutor tenha experienciado evento traumático na condução, manifeste receio de conduzir ou após um período significativo sem prática de condução. Um condutor pode, também, beneficiar deste tipo de estimulação na sequência de recomendação de restrições ou adaptações, ou de restringir ou suspender a condução após avaliação da aptidão para conduzir.
Este treino consiste na realização de tarefas cognitivas e psicomotoras com grau de dificuldade crescente, adaptadas à situação em causa. Em casos específicos incluirá a prática em contexto de condução real. As sessões têm a duração de 50 minutos, sendo o número de sessões definido em função das capacidades e do progresso dos desempenhos atingidos. O veículo utilizado é o apresentado pelo condutor com requisitos de circulação, incluindo seguro válido.
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