Ao redor do modesto público que já conhece a realidade das termas, começa uma cacofonia de vozes indistinguíveis. As termas, antes envoltas de luxo, com casinos eram frequentadas pelas elites como centros de lazer e recuperação onde socializavam e “matavam a sede” de uma boa conversa. Numa névoa de silêncio e reflexão, as termas transformam-se de repente num remoinho de atividades nefastas e pejorativas. A palavra “Termalismo” ainda hoje é rodeada pela reputação da sua ancestralidade. Entre momentos de glória e outros depreciativos, o termalismo persiste no tempo e é na confluência de práticas ancestrais com os avanços científicos contemporâneos que o termalismo se procura reinventar.
Curiosa e despertada pelas histórias, fui experimentar a umas termas, não importa quais…. Podem ser apenas paredes e meras banheiras ou marquesas, sendo a água a sua unicidade. Permaneço imóvel numa banheira de água parada… Receio que os detalhes do testemunho sobre as propriedades terapêuticas das águas minerais, se desvaneçam da minha mente se eu me mover. Como refere Fernando Pessoa, “Há tanta suavidade em nada se dizer e tudo se entender”. Fecho os olhos, as minhas células vibram e esqueço as horas… aqui é “um lugar com tempo para tudo”. Na sala de repouso observo as pessoas a partir apressadamente, e questiono-me como podem voltar à sua rotina com tanta facilidade? Será que compreenderam a importância do termalismo como eu? Será que perceberam que esta prática ancestral pode ser a chave para uma vida mais saudável e equilibrada? Será que sabem que o termalismo pode ser a cura para não adoecer?
A sensação de comunicar termalismo toma conta de mim. O que será do termalismo? Será que conseguimos comunicar eficazmente os seus benefícios à sociedade? Na reflexão, percebo que o futuro do termalismo e, consequentemente, da saúde e do bem-estar, parece incerto… No entanto, uma luz de esperança brilha no horizonte, alimentada pela convicção de que a união entre tradição e a ciência pode abrir novos caminhos para um futuro mais saudável e equilibrado.
Determinada em contribuir para a valorização e progresso do termalismo, mantenho viva a esperança de que o termalismo continuará a ser uma fonte de cura e bem-estar para as gerações futuras e por isso vos escrevo.
A procura pela melhoria da qualidade de vida e a tendência global do inevitável envelhecimento, contribui para o crescimento do turismo de saúde e bem-estar. Paralelamente, as áreas da saúde, do turismo e do desenvolvimento regional têm sido alvo de estudo, mas maioritariamente de forma independente e desconexa, perdendo-se a oportunidade de valorização das sinergias associadas. Numa geração em que a inteligência artificial, os medicamentos e a inovação ganham destaque, é fácil esquecer o poder regenerador que reside nas profundezas da terra, nas águas minerais naturais. É hora de lembrar, de comunicar os benefícios do termalismo. A cura para não adoecer está mais próxima do que imaginamos…
A colaboração intersectorial, unindo saúde, turismo e desenvolvimento regional numa abordagem integrada é urgente. O termalismo combina na perfeição a saúde e o bem-estar, sendo um importante elo de ligação. Nos últimos anos, têm sido realizados vários estudos que refletem a mudança de paradigma, quer na gestão dos estabelecimentos termais, quer no perfil do seu utilizador. A necessidade de associar à vertente médica, as dimensões de qualidade de vida e de bem-estar, na linha do que é o conceito global e contemporâneo de saúde é evidente. Esta perspetiva interdisciplinar é essencial para abordar os diversos pilares do termalismo, desde o impacto na saúde pública e bem-estar psicológico das comunidades até à sustentabilidade ambiental.
Na vertente saúde e bem-estar, o termalismo está fortemente alinhado com as tendências globais de promoção da saúde e bem-estar, valorizando não apenas os benefícios dos tratamentos termais na cura e na prevenção, mas também o seu impacto psicológico positivo, associado ao relaxamento e à conexão com a natureza. As termas recorrem a práticas de turismo e saúde sustentáveis, alinhadas com as diretrizes dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da agenda 2030, nomeadamente no Objetivo 3 – Saúde de Qualidade.
Além disso, de acordo com o despacho 8899/2019 de 7 de outubro, o termalismo encontra-se também alinhado com o Plano Nacional de Saúde e na vertente médica e de gestão da saúde, pode contribuir para o tratamento e prevenção de patologias crónicas, bem como para uma eventual redução da despesa para o Serviço Nacional de Saúde e para os cidadãos, nomeadamente em termos da prestação de cuidados de saúde evitáveis e dos custos com a prescrição de meios complementares de diagnóstico e terapêutica e de medicamentos.
Ao auscultar as pessoas envolvidas no termalismo sabemos que o termalismo faz bem, sabemos que existem utilizadores que frequentam as termas há mais de 30 anos porque sentem melhorias na sua condição física e redução na medicação, mas não chega. A literatura científica demonstra que o termalismo pode desempenhar um papel crucial na prevenção de doenças crónicas, visto que as águas minerais naturais possuem compostos que, ao serem absorvidos pelo corpo, podem melhorar a circulação sanguínea, reduzir processos inflamatórios e fortalecer o sistema imunológico.
A existência de evidências científicas de que a água mineral natural é benéfica no tratamento de patologias associadas aos diferentes sistemas: músculo-esquelético; respiratório; gastrointestinal; cardiovascular; neurológico, incluindo o sistema neurovegetativo; dermatológico e até perturbações psiquiátricas abre novos caminhos na ciência. Estes efeitos biológicos não apenas contribuem para a manutenção da saúde, mas também auxiliam na prevenção de patologias diversas. A abordagem do termalismo não se limita aos benefícios físicos, simultaneamente, motivam ao bem-estar psicológico que é igualmente importante na prevenção de doenças. A serenidade e o relaxamento proporcionados pelo ambiente das estâncias termais são elementos chave na redução do stress e na promoção da saúde mental. Este aspeto holístico do termalismo, que engloba tanto o corpo quanto a mente, é fundamental para uma abordagem preventiva de saúde.
Contudo, é imperativo destacar que o termalismo não deve substituir tratamentos médicos convencionais, mas sim complementá-los. A integração do termalismo em programas de prevenção de saúde requer uma abordagem multidisciplinar e o reconhecimento da comunidade médica. Neste sentido, a colaboração entre médicos, terapeutas e investigadores é essencial para maximizar os benefícios do termalismo.
Na vertente da sustentabilidade, é também, preciso dar a conhecer medidas que demonstram que o uso dos recursos termais é efetuado de maneira sustentável, como são o caso dos projetos District heating das Termas de Chaves e de São Pedro do Sul. Os projetos representam uma iniciativa inovadora na gestão sustentável de recursos energéticos e no aproveitamento de fontes renováveis para aquecimento urbano. Ao utilizar as águas termais como fonte de energia térmica, estes projetos visam reduzir a dependência de combustíveis fósseis e mitigar as emissões de carbono associadas ao aquecimento de edifícios municipais e hoteleiros na área envolvente. Esta abordagem sustentável contribui, também, para a eficiência energética e para a redução dos custos de energia para os utilizadores finais.
Do ponto de vista socioeconómico, as termas no âmbito da promoção do turismo de saúde e bem-estar também têm o potencial de transformar significativamente a economia local. Este impacto inclui a criação de empregos, a atração de investimentos, o incentivo de vitalidade nas economias locais, particularmente pertinentes para as áreas do interior que enfrentam desafios como a desertificação e a estagnação económica.
Apesar dos inúmeros benefícios do termalismo, ainda enfrenta desafios significativos. Há a questão da perceção pública, muitas pessoas ainda veem o termalismo como um luxo indulgente, em vez de uma parte legítima, complementar e eficaz para a saúde. O Termalismo não é para velhos! O Termalismo não é caro! O Termalismo é autêntico e precisa ser visto como uma nova forma de estar na vida. O termalismo baseia-se na utilização das propriedades terapêuticas das águas, que são ricas em minerais e outros compostos que se acredita terem efeitos benéficos para o corpo humano. As águas que caíram há milénios são as que hoje nos confortam nas termas, oferecendo uma conexão intemporal com os poderes terapêuticos da natureza. O que distingue positivamente o termalismo relativamente a outros produtos é a água mineral natural, que pode ser, ainda mais, potenciado se lhe acrescentarmos outros valores.
Nas últimas décadas, a oferta tem vindo a assistir a um desenvolvimento significativo em Portugal, conseguindo atingir um público muito diversificado. Atualmente, temos mais de 40 estâncias termais ativas pelo país, a facilidade de acesso hoje, permite que a distância deixe de ser uma barreira, mas antes uma oportunidade para as frequentar. É a unicidade das águas distribuídas pelo território que começa a atrair pessoas de todo o país e além-fronteiras. As termas começam, finalmente, a ser vistas como tratamentos naturais para uma variedade de condições de saúde, seja na prevenção, no tratamento ou simplesmente pelo lazer.
A par desta evolução, consolidam-se passos relevantes para as políticas de saúde pública, nomeadamente, na fixação da comparticipação dos tratamentos termais. A demonstração da eficácia do termalismo como um complemento aos métodos tradicionais de tratamento e cuidados de saúde começa a ser uma realidade. Para além disso, a integração das termas nos Conselhos Municipais de Saúde, fortalecem o sistema de saúde local, através de uma abordagem mais holística, preventiva, descentralizada e sustentável da saúde, enquanto contribui para comunidades mais saudáveis e felizes. A tranquilidade e o ambiente sereno das estâncias termais podem ajudar a reduzir o stress e promover o bem-estar emocional.
Em conclusão, o termalismo apresenta-se como uma abordagem promissora na prevenção de doenças. A conjugação dos seus benefícios físicos e psicológicos, aliada à crescente evidência científica dos seus efeitos preventivos, destaca o potencial desta prática milenar. Contudo, a sua eficácia enquanto ferramenta de prevenção de saúde depende da colaboração entre a prática tradicional, a investigação científica, o governo, bem como do compromisso com a sustentabilidade dos recursos naturais e da sua comunicação à sociedade. O termalismo não é apenas uma cura para não adoecer, é uma ponte entre o passado e o futuro da medicina preventiva.
A intenção é voltar a colocar o termalismo na chamada “Idade de ouro”. Para o efeito é preciso pensar globalmente, agir localmente e contribuir para combater a perceção pública. Estas não são meras frases de efeito, são apenas alguns dos princípios que têm inspirado o meu trabalho e que partilho hoje com a comunidade.
Num mundo onde a saúde é cada vez mais preciosa e o bem-estar é cada vez mais fugaz, o termalismo oferece uma luz de esperança, uma nova forma de estar na vida, com a promessa de cura e renovação para todos aqueles que procuram uma vida mais plena, saudável e um bem-estar duradouro.
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