Quase tão antiga como a origem da receita é a discussão – sem solução à vista – que envolve a “Caldeirada de Peniche à Pescador”, um dos símbolos gastronómicos da cidade e porto piscatório do Oeste: o prato deve ou não incluir sardinhas na confeção?

“Ninguém sabe ao certo quando surgiu a ‘Caldeirada de Peniche à Pescador’, mas a origem deve ser coincidente com o aparecimento dos barcos de pesca”, afirma Patrícia Borges, professora, chef na empresa Sea Lovers, promotora de pescado sustentável e autora do livro “Gastronomia de Bordo”, editado pelo município de Peniche. “Basicamente, nasce a bordo das embarcações, era de uma confeção muito arcaica, nem cebolas levava e estava condicionada às espécies capturadas a cada dia.” No mínimo, avança, Patrícia Borges “são necessárias três espécies de peixe para ser considerada caldeirada, sendo recomendado usar safio, tamboril e raia, mas se pudermos acrescentar outros peixes, melhor”. Considera “aceitáveis outras variações, desde que não se inclua o salmão”.

Capa do livro “Gastronomia de Bordo”, editado pelo município de Peniche
Capa do livro “Gastronomia de Bordo”, editado pelo município de Peniche Expresso

Com ou sem sardinhas?
A “Caldeirada de Peniche à Pescador” sai das embarcações por transmissão verbal da receita e nos anos 30 do século passado começa a ser confecionada por Maria da Conceição Pereira, com Beatriz Lopes, como parte da ementa na pensão do Forte de São João Baptista, na Berlenga. Daí, recorda a professora, “passa primeiro para as tascas, que nessa época em Peniche eram mais de 70, e depois para os restaurantes”.

Hoje, apesar de ser o mais popular prato deste município do Oeste, ainda é objeto de acesas discussões. Refere Patrícia Borges em “Gastronomia da Bordo” que “a utilização de sardinha é para uns obrigatória e para outros proibida, por considerarem que oculta os sabores dos outros peixes”. Escreve ainda que “a adição de navalheira parece ser consensual, assim como dos fígados de tamboril, se existirem”. Originalmente, no fundo do tacho e antes de qualquer outro ingrediente, eram colocados bivalves, para evitar que os restantes se colassem. Há relatos de, a bordo das embarcações de pesca, serem colocadas canas para o mesmo efeito. Alguns pescadores adicionavam água do mar, recomendando-se hoje que o peixe seja amanhado com água com bastante sal, para preservar o sabor original.

Conheça os segredos de uma boa caldeirada:

Profresco - Peixaria & Restaurante
Profresco - Peixaria & Restaurante DR

Há vários preceitos a seguir para conseguir a “Caldeirada de Peniche à Pescador” perfeita. Alguns pescadores defendem que, na ausência de bivalves, se comece por uma generosa quantidade de cebolas às rodelas e azeite, seguidas de batatas, finas, tiras de pimento e tomate em bocados. Adiciona-se sal e pimenta e o peixe, fresco, apenas quando as batatas estiverem quase cozidas. Nunca deve mexer, apenas abanar o tacho. No Mercado Municipal pode encontrar todos os ingredientes.

Onde se come a melhor “Caldeira de Peniche à Pescador”?

Caldeirada de Peniche à Pescador
Caldeirada de Peniche à Pescador Nicolas Lemonnier

Restaurante Popular
Safio e tamboril são dois dos peixes que nunca faltam na confeção do prato mais emblemático da cidade, a “Caldeirada de Peniche à Pescador”, servido sempre em generosas doses para duas pessoas. Naturalmente, o restaurante faz do mar o principal fornecedor, e, além desta especialidade, multiplicam-se as receitas de arrozes e de massas, bem como a vasta oferta para levar à grelha. Escolha à porta, na vitrina de peixes frescos, delicie-se com uns “Perceves das Berlengas”, enquanto aguarda que o tacho fumegante chegue à mesa para uma refeição demorada.
Largo da Ribeira, 40, Peniche. Tel. 262790290

Restaurante Miramar
Abriu portas em 1968, dedicando a cozinha às especialidades do mar, sem deixar de piscar o olho aos prazeres da carne, habitualmente grelhada no carvão. Faz-se fila para comer a sardinha, assada na brasa, mas também pelo “Arroz de tamboril” ou pela já famosa “Feijoada do mar”. Naturalmente, tem na “Caldeirada de Peniche à Pescador”, o maior emblema gastronómico. Imprescindível na confeção é o safio, o peixe que nunca pode faltar. Aproveite a esplanada para apreciar o mar.
Avenida do Mar, 42, Peniche. Tel. 963611102

A Sardinha
Com várias décadas de serviço, este é um dos mais conhecidos restaurantes de Peniche. Já foi lugar de frutas, mercearia e snack-bar. Hoje, é um espaço de qualidade reconhecida liderado pela segunda geração. Foi um dos primeiros a servir a “Caldeirada de Peniche à Pescador”, que ainda se mantém, com algumas variações, como especialidade maior da ementa. Entre novidades, como o “Risotto de camarão tigre”, a oferta pratos tradicionais com a famosa lagosta de Peniche, arrozes e massadas de peixe e marisco, justificam as filas à porta.
Rua Vasco da Gama, 81, Peniche. Tel. 262781820

Tasca do Joel
Tasca do Joel Expresso

Tasca do Joel
O tamboril, o safio, a raia e o rascasso são obrigatórios na “Caldeirada de Peniche à Pescador”, preparada em doses para quatro pessoas apenas por encomenda. Não tem preço fixo, diz Joel Martins, “porque nunca sabemos o preço do peixe fresco na lota”. Aberto desde 1982, apenas como tasca e ponto de encontro para pescadores após a faina, renasce em 1995 como restaurante, cuja fama advém do peixe e do marisco, confecionados de forma exímia e servidos em cuidadas apresentações. Os fornos, onde diversos pratos da ementa rica em sabores do mar, são elaborados, remontam à época em que os pescadores traziam o peixe e que os pais do Joel ali faziam petiscos.
Rua do Lapadusso, 73, Peniche. Tel. 262782945

Profresco – Peixaria & Restaurante
Antes de entrar, contemple o mar e a vista desafogada para as Berlengas. Se possível junto à parede envidraçada ou na esplanada, comece a refeição com uma dose de perceves. Depois opte pela “Caldeirada de Peniche à Pescador” (€39), que serve duas pessoas e é confecionada como manda a tradição. Ao lado, há uma peixaria que garante pescado fresco.
Marginal Norte, Peniche. Tel. 262785186

Mesa da Ilha
Com vista panorâmica, o único restaurante da Berlenga Grande é um regalo para os olhos, mas o segredo maior está no interior, não só no atendimento da família Cardoso, como na qualidade do que chega à mesa. Filipe, pescador e cozinheiro, lidera todo o processo, da escolha do peixe, que também já matura, até à integração de vinhos regionais. Entre as espacialidades do restaurante estão os mais emblemáticos pratos locais: “Caldeirada à Pescador”, “Sequinho de peixe”, “Arroz de peixe” e “Massada de peixe”. Conte com perceves da ilha Berlenga e os mais diversos peixes para grelhar.
Ilha da Berlenga Grande. Tel. 969395763

Restaurante Mesa da Ilha
Restaurante Mesa da Ilha Rute Leonardo

Em 2023, a Câmara Municipal de Peniche organizou uma quinzena gastronómica dedicada à Caldeirada, em que participaram os restaurantes: Abrigo do Pescador; Algamar; A Nau; Bateira; Beiramar; Entre & Irmãos; Katekero; Maresia; Marginal; Miramar; O Talho; Paraíso da Foz; Pedro, Popular; Rocha; Sardinha; Tasca do Joel; e The Marina.

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