
Outrora temido e perseguido, o lobo é hoje celebrado nesta aldeia especial. É aqui que habita a memória viva dos tempos em que toda a aldeia se juntava para capturar o animal, naquele que é o maior e mais bem preservado fojo do lobo da Península Ibérica e também o mais próximo de uma povoação.
Agora, o trabalho é feito em sentido inverso, em prol da preservação do lobo e das tradições ancestrais. Fafião, aldeia altaneira de Montalegre inserida no Parque Nacional da Peneda-Gerês, acolhe anualmente um festival comunitário dedicado à preservação da espécie, e que simboliza “uma profunda mudança na relação entre a população e o predador, atualmente sob ameaça de extinção”, revela, em comunicado, a Associação Vezeira, responsável pela organização do evento.
Realizado desde 2018, o Festival Aldeia de Lobos acontece, em 2025, entre 11 e 12 de julho, transformando “a antiga rivalidade numa jornada de coexistência e sensibilização”. Este ano, o evento destaca-se pela importante parceria com a entidade ligada à proteção da espécie no âmbito do projeto europeu LIFE Wild Wolf. A colaboração visa fortalecer a mensagem de conservação e promover uma maior compreensão sobre o papel vital do lobo no ecossistema, ao mesmo tempo que realça a rica cultura e as tradições de Fafião.
Mas nem só desta relação ancestral entre Homem e lobo vive a festa: durante dois dias, ganham vida diversas tradições da ancestrais da aldeia, animada por atividades, arte, passeios, música e sabores do Barroso.
Durante o evento funcionará um mercado com produtos autênticos. Com produtos provenientes diretamente dos campos e produzidos pelos nativos da aldeia, convida a provar e levar para casa o que de melhor se produz em terras de Barroso.
Música, arte nas cortes e esconjuro do lobo
Além das tradicionais charangas, pela aldeia também soaram melodias contemporâneas, entre folk, rock e música eletrónica com concertos e DJ sets. Kumpania Algazarra, Bed Legs, Bafo de Bode, Catarina Silva, Magupi , BDJoy e Zimbora Band, Epirex, Uxu Kalhus, Soundprofile, Van Dingo, Maria Callapez e Charanga Alambique integram a programação.
No capítulo das tradições, está prevista a realização do Esconjuro do Lobo, ritual pagão praticado há vários séculos na região. Uma cerimónia que envolve fogo e magia num espetáculo místico e simbólico.
É nas antigas cortes, onde outrora pernoitavam os animais, que se exibem durante os dois dias do festival exposições e instalações artísticas. Transformam-se em galerias para diferentes expressões artísticas como fotografia, artes plásticas, pintura, escultura e arte realista figurativa, assinados por artistas nacionais e internacionais. Pelas ruas de Fafião passam outras intervenções artísticas e também manifestações tradicionais. As exposições e instalações artísticas serão protagonizadas por Corline Vieira (pintura), Humberto Borralheiro (artes plásticas),Mário Cunha (fotografia), Luís Simões (desenho), Celestino André (escultura e pintura), Luís Afonso (fotografia), Javi Aguilera (arte realista figurativa) e Carlos Pontes que vai apresentar imagens do lobo-ibérico com a utilização de retroiluminação. O teatro ficará a cargo da companhia Filandorra, sediada em Vila Real. Além disso, a Junta de Freguesia Cabril contribuirá com uma instalação que fará uma alusão artística ao entrudo e a de Ferral apresenta uma instalação focada na lenda da ponte da Misarela.
Azeite, trilhos ancestrais e aventuras na Natureza
Conhecer o habitat natural de diversas espécies que habitam este recanto do Parque Nacional, fazer caminhadas ou traçar a rota do azeite são atividades previstas durante a celebração. Na edição deste ano do Festival Aldeia de Lobos, dois workshops são dedicados à vida selvagem mais esquecida: o fotógrafo e embaixador do Parque Natural do Litoral Norte, Carlos Rio dá a conhecer pássaros que habitam esta paisagem ao passo que o mundo dos répteis será apresentado pelo especialista Rui Lemos.
Os apreciadores de caminhadas podem percorrer um trilho ancestral com muita história, orientado pelo mestre de Serra Alcides Afonso. A caminhada interpretativa “Rota do Azeite: Um Percurso pela Memória e Comunidade do Lagar” passa pelo Lagar Comunitário que acaba de ser recuperado.
Serra do Gerês a perder de vista
Não é de estranhar que por aqui se temesse o lobo. Rodeada de montes e vales a perder de vista, a serra do Gerês agiganta-se a partir daqui, terra de natureza selvagem, isolada entre montanhas. Candidata às 7 Maravilhas de Portugal nas categorias “Aldeias Remotas” e “Aldeias em Áreas Protegidas”, Fafião é uma terra de vários encantos. E porque as pessoas são o sal da terra, são elas a principal fonte de inspiração e dinamizadoras de uma terra que podia estar, como tantas outras, condenada ao abandono e à desertificação.
Os jovens foram embora na larga maioria, mas regressam todos os fins de semana, para se organizarem em prol da preservação da aldeia e suas tradições, mas também alargando a desafios mais atuais, como o próprio miradouro de Fafião, que resulta de um trabalho conjunto coordenado pela Associação Vezeira.
Aqui vive o maior e mais bem preservado fojo do lobo da Península Ibérica e também o mais próximo de uma povoação. Construída entre o final do séc. XV e o início de XVI, a enorme armadilha é uma estrutura de muros em pedra com mais de dois metros de altura, ao longo 64 metros de comprimento, que se vão estreitando até desembocarem num poço com 3 metros de profundidade. Pela terra de montanha há outros, mas este, que deixou de ser utilizado em 1948, é o mais imponente e bem preservado.
Daqui se parte para o ponto alto da visita à aldeia. O miradouro, inaugurado em 2020, é local privilegiado para mirar a incrível panorâmica sobre o imenso e belo Gerês. A 800 metros de altitude, chega-se ao Miradouro de Fafião - um equilíbrio entre dois enormes penedos, ligados por uma ponte - depois de um percurso subindo o monte, desde a zona do Fojo do Lobo, para, do alto, avistar a serra, dois rios - Cávado e Cabril - e boa parte da aldeia de Fafião.
Mergulhar em águas cristalinas
A curta distância, há outros locais de interesse para apreciar a beleza da paisagem e refrescar-se com um mergulho. Pode banhar-se nas águas cristalinas que por aqui correm abundantes no Poço Verde, uma lagoa cristalina a que os tons esverdeados deram nome, e a Barragem de Salamonde.
Mais afastada, mas a valer a viagem, a cascata e lagoa de Fecha de Barjas ou cascata do Taiti, como é popularmente conhecida, é apenas acessível por sinuosos caminhos pedestres e sem proteções. O percurso faz-se pela margem esquerda do rio, junto à ponte, até chegar à parte mais recôndita, a preferida para banhos, mas desaconselhada para grupos com crianças – neste caso, devem optar pelas primeiras lagoas a surgir no percurso, mais rasas e de fácil acesso. Apesar da dificuldade no acesso, quem continuar a descida íngreme vai ser compensado com uma paisagem arrebatadora: as águas provenientes do rio Arado caem pelas rochas até uma lagoa principal, serena e paradisíaca, exceto em épocas de muita afluência turística. Localizada nas Caldas do Gerês, perto da aldeia da Ermida, no concelho de Terras de Bouro, a cascata e lagoa de Fecha de Barjas não dispõe de infraestruturas nas proximidades, por isso, além de roupa e calçado confortáveis, é indispensável levar mantimentos necessários para um dia de mergulhos na natureza. E uma máquina fotográfica, já que o cenário é de cortar a respiração.
Trilhos, cabanas e currais
As gentes de Barroso, sal deste território singular, e a sua relação com a natureza envolvente são a personagem principal deste Ecomuseu, dedicado a revelar as tradições mais emblemáticas da região. Além de conhecer a prática comunitária da vezeira, característica das comunidades serranas mais isoladas, a partir do pólo da Vezeira e a Serra, do Ecomuseu de Barroso (tel. 276510203) é possível percorrer os trilhos dos pastores, conhecer as cabanas e currais, os moinhos e os lagares. Uma forma de conhecer mais sobre as gentes e a terra, a que não falta nova dinâmica, mas que não perde a sua essência de lugar místico, pleno de histórias e lendas. Durante o certame, o Polo do Ecomuseu de Barroso apresenta duas exposições centradas no lobo e no povo do Barroso.
Lendas do “lobo-mau”
É na vizinha aldeia de Pitões das Júnias, a mais alta do Barroso, nos confins do Parque Nacional da Peneda-Gerês, que se encontra o primeiro Centro Interpretativo do Lobo-ibérico (tel. 966563939) em Portugal, que visa a conservação de uma das espécies mais emblemáticas deste território e que tem um estatuto de proteção em Portugal. O visitante é convidado a colocar-se na pele do lobo, pois é possível “entrar” num fojo, onde o animal era capturado, e ficar a conhecer, junto à “lareira de uma casa antiga de montanha”, as lendas, histórias e mitos associados ao lobo-ibérico. Tradicionalmente estas lendas eram partilhadas junto às lareiras e o lobo é apresentado como algo maléfico ou ameaçador. Através deste espaço, os visitantes conhecem esta espécie protegida, o habitat, as lendas, os fojos e a relação com as populações de montanha.
Retiro com memória
Tantas histórias contou Domingos ao seu neto que, depois de anos em Braga, o filho da terra deixou a cidade para regressar à aldeia do coração. Domingos, o avô, participou na última batida ao lobo, nos anos 40. Era “o melhor caçador de Fafião” e em sua memória Nuno Rebelo, o neto, abriu em 2020 o Hostel Retiro do Gerês, recuperando o edifício que foi o primeiro alojamento da aldeia “e também café e mercearia”, aberto em 1982 pelos pais. “Amo a aldeia e por isso fiz este projeto com alma”, assinala.
Respeitando as memórias, dos antepassados e do local, o Retiro do Gerês conta agora com cinco suítes, um T1 com kitchinete (desde €50) e quatro quartos com beliches, cozinha comum e sala de estar, mas também restaurante e mercearia, tal como antigamente. Na mercearia encontram-se produtos típicos da região, entre vinhos, compotas, biscoitos e queijos, tal como à mesa, onde chegam pratos típicos como o Javali, a Chanfana, o Naco e a Posta, antecipados pelo fumeiro.