A biotecnologia e as biociências contribuem continuamente em áreas como a genética, a bioengenharia, a produção de medicamentos e os biocombustíveis. Para que essas inovações possam ser desenvolvidas e aplicadas comercialmente, é necessário um ambiente de segurança jurídica e comercial que incentive as empresas e o próprio Estado a investir em investigação e desenvolvimento (I&D).

A propósito da realização da BIOMEET2024 no início deste mês, abordamos a questão da proteção dos desenvolvimentos obtidos por meio de patentes e outras formas de Propriedade Intelectual (PI). Numa indústria como a da biotecnologia, e na I&D associada, altamente intensiva em capital, os direitos de PI, nomeadamente as patentes, atuam como ativos estratégicos para as entidades do setor. Sem a garantia de exclusividade fornecida pelas patentes, haveria certamente menos incentivo para o investimento, uma vez que qualquer agente económico poderia produzir, utilizar ou comercializar os avanços tecnológicos em questão.

Empresas que detêm direitos exclusivos sobre uma inovação biotecnológica estão obviamente numa posição mais forte para não só explorarem os frutos da sua I&D, como atrair investimento, realizar joint ventures ou colaborações estratégicas, ou negociar acordos de licenciamento. A exclusividade proporcionada pela PI oferece aos investidores uma garantia de que seu capital está protegido de cópias ou exploração por terceiros, o que é fundamental num setor altamente competitivo.

A Biotecnologia aparece, sem surpresa, no top 10 de áreas técnicas com mais pedidos de patentes no European Patent Office (EPO), tendo apresentado um crescimento de 11% entre 2021 e 2022, curiosamente, durante e pós-pandemia (EPO, 2022). Estes pedidos são liderados por titulares de países Europeus como a Alemanha, França e Suíça, mas também pelos E. U. A. (destacadíssimo, com mais de 3 vezes o número da Alemanha), Japão, China e Coreia do Sul. Entre os 8 367 pedidos de patente da área da biotecnologia perante o EPO, 17 tiveram origem em Portugal.

Um dos campos mais impactados pela propriedade intelectual no âmbito da biotecnologia é o setor de saúde, onde ao desenvolvimento de novos medicamentos, terapias génicas e vacinas depende de investimentos de capital e de tempo em larga escala. A PI garante que as empresas que desenvolvem esses ativos possam obter exclusividade comercial por um período determinado, muitas vezes superior ao período de exclusividade proporcionado pela Lei do Medicamento, deste modo criando o incentivo ao investimento.

O desenvolvimento de um novo medicamento, por exemplo, leva por norma vários anos de pesquisa e testes clínicos, com custos que frequentemente ultrapassam centenas de milhões de dólares. A ou as patentes desse medicamento garantem que a empresa que a desenvolveu possa recuperar os custos e reinvestir em novos desenvolvimentos. Sem este tipo de proteção, não só não haveria incentivos económicos para a I&D, como o custo de desenvolvimento seria inviável para as empresas que não recebessem o proveito económico das mesmas, prejudicando e muito a inovação no setor de saúde.

Apesar dos claros benefícios, também é verdade que a PI em biotecnologia levanta questões éticas e legais importantes. Uma das principais críticas está relacionada com a proteção por patente de genes e organismos vivos, que muitos argumentam serem descobertas naturais e, portanto, não passíveis de apropriação por entidades privadas.

A questão do patenteamento de genes, em particular, gerou debates intensos. Afirma, alguns setores da sociedade, que as patentes que incidem em sequências genéticas podem restringir a investigação científica e o acesso a tratamentos médicos, já que os detentores das patentes podem controlar a utilização desses sequências para fins de diagnóstico ou tratamento. O equilíbrio entre proteção intelectual e o bem público (leia-se livre acesso ao conhecimento produzido) é um desafio significativo.

Outro ponto de discussão é o impacto das patentes sobre biotecnologia agrícola. Várias empresas desenvolveram, e protegeram esses desenvolvimentos, de sementes geneticamente modificadas, criando obstáculos ao acesso de pequenos agricultores e países em desenvolvimento a tecnologias agrícolas avançadas. Isso levanta questões justiça social (as questões de segurança alimentar não devem aqui ser confundidas com Propriedade Intelectual), dado que o controle excessivo de uma empresa sobre um recurso biológico que se pode tornar essencial pode impactar negativamente o acesso a alimentos e a sustentabilidade.

A transferência de tecnologia desempenha um papel fundamental na procura por este equilíbrio, podendo, em casos especiais, ter propósitos filantrópicos ou envolvimento estatal ou supra-estatal. O licenciamento de tecnologias biotecnológicas permite a terceiros, que não os inventores ou titulares, produzir, utilizar ou comercializar desenvolvimentos científicos mediante condições acordadas, como por exemplo uma compra/venda ou o pagamento de licenças.

Estes contratos promovem a cooperação entre os diferentes intervenientes do setor em questão, como sejam os investigadores, investidores ou industriais, garantindo a mais ampla e eficaz exploração da inovação. Promove, também, a ligação entre os setores público e privado, nomeadamente entre os polos de investigação adjacentes às universidades e a indústria. Para estes, os direitos de PI são essenciais para valorizar e comercializar os frutos da I&D, havendo claramente algum trabalho a fazer nesta matéria, em Portugal (muita I&D, ainda que com potencial, acaba sem aplicação prática, proteção jurídica ou retorno financeiro).

O papel da PI nas Biociências não é apenas proteger a inovação, mas também criar um ambiente que permita que a biotecnologia dê resposta a necessidades globais em diferentes áreas como a saúde, alimentação, segurança alimentar e sustentabilidade..

Não é demais reforçar a mensagem de que a Propriedade Intelectual, nomeadamente o correto e eficaz registo de patentes, é um elemento fundamental para o progresso da biotecnologia e das biociências. Não protege apenas as inovações, mas incentiva os investimentos, fomenta as colaborações e impulsiona o desenvolvimento económico.

É um ponto absolutamente essencial para a valorização de um setor em crescimento no nosso país, com um potencial económico, se bem gerido, espantoso. É muito diferente, em termos de valor acrescentado, desenvolver uma vacina ou um aparelho médico inovador e obter patentes sobre os mesmos, ou apenas fornecer a mão-de-obra que os produz.

Consultor de Propriedade Intelectual na RCF – Protecting Innovation e vice-presidente do Grupo Português da AIPPI – Associação Internacional para a Proteção da Propriedade Intelectual