Diz-se que em 2025 o mundo começa o fim. Mas, o mundo fica cá, a humanidade é que finaliza os seus "pecados" e boas ações a troco de algum dízimo. Teremos 25 anos e dois meses para consertar esta situação mundana que somos e isso começa logo de manhã: por exemplo, deixar de apoiar a linguagem e relatos de discriminação sonora nas rádios (em algumas ou numa só estação agoirenta) em que a língua perdeu a noção e mistura humor com assédio. E isto baralha, claro, a noção de moral até dos mais novos e dos adultos que ficam a considerar tudo muito instagramável. Quando de amável nada tem, e de discurso odioso já o Instagram está cheio. Como acontece esta poluição ‘sonora’ de certos meios de comunicação invasivos? Logo bem cedo, as pessoas já vão bem ensaiadas de maldade e maledicência para as suas vidas. Aqui é caso para dizer que entra tudo por um ouvido e NÃO sai pelo outro. Parece que é algo permitido e normal, se uma rádio ou uma TV comete crimes verbais, parece lei. Todavia, para se fazer humor é preciso ter maturidade (e isso vem da cabeça e não da idade).
E, ainda, há gente súbdita dos ódios alheios. E partilham, e replicam, e aumentam até destruírem alguém, porque eu acho mesmo que isso é só uma estratégia de coping.
Ou seja, quando a vida anda mal para alguém, basta um gatilho matinal para atiçar o que de mais primordial e ridículo temos: a agressão. Sobretudo verbal. Coping, nas manhãs portuguesas, é isto: defendermos algo que nos afeta batendo em alguém com a maledicência. Ou até com opulência. Tudo junto já nem se sabe se isto é pecado. Ou ignorância congénita.
É hora de construir uma Arca de Noé, edição 2.0? E a grafonola maledicente ficar a ‘expurgar’ para o mundo sem gente. Por falar em arca e transporte de evacuação, observei no autocarro 723 - que uso para ir lecionar por vezes - como as pessoas parecem completamente ausentes de empatia. Repetem como papagaios (sem ser o cinzento) o que ouvem de mal (e sempre com base na falsidade) e só se lembram do bem quando a oração pede aperto. Empurram passageiros, os condutores são mal-educados e pouco aprumados. E são sobretudo xenófobos. Mas, uma vez entrando não se sai: um vício de corrida, diria.
E pela primeira vez ouvi um condutor a dirigir-se a mim: “se não gosta, não entra!”. Isto porque o autocarro estava excecionalmente sobrelotado, eu parecia-me na Tanzânia ou em Macau, mas com um barulho de rogar por orelhas de abano. Comentei o facto de a porta estar quase a estalar de pessoas e de vidros (além da lei da lotação). E levei a bela da resposta empática, inteligente e promissora de melhor Portugalo.
No meio da multidão da arca, há pessoas a circular com severos problemas de saúde mental e sem medicação controlada … e isso percebe-se porque é óbvio. São esses e são as boas pessoas que merecem um outro autocarro: uma arca de Noé 2.
Nesta arca não entram apáticos nem criminosos, assim como não há espaço para humor imaturo aos pares. Não será uma arca prevista para prolongar o futuro, mas segurar o presente. Mede-se o tamanho do pecado e entra-se … ou não. Aos que ficam de fora e concordam com a violência verbal matutina, pergunto-me o que a pandemia lhes terá feito? Ou foram as doses da vacina?
Claro que sei a resposta pela ciência, mas agora a desculpa ainda é a pandemia? Volvidos dois anos, uma guerra e outras duas no porvir, continuamos sem aprender. Não digo todos, felizmente. Os que se salvam podem entrar no autocarro simpático da arca de Noé 2. E a esses aconselha-se não sair de casa, ou da arca, no dia 17 de novembro de 2024. Premonição? Bem, pelo menos sei comunicar sem precisar de ‘usar’ pessoas e invenções na rádio de manhã.
Professora universitária, investigadora científica e escritora